Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 13-02-2007

A nau Marataíz e os ratos
O comandante desta combalida embarcação do convés olha de través pela vigia e crê que seus marinheiros seguem a singradura
A nau Marataíz e os ratos

O comandante desta combalida embarcação do convés olha de través pela vigia e crê que seus marinheiros seguem a singradura amparada no zênite e isso lhe dá a sensação de estofo de maré, fecha, então, a escotilha e ao arrear seus olhos e folgar arriba-se da linha de vida.

Apesar de seus inúmeros esforços adernando a barlavento, bordejando a contravento, envergando a bujarrona e sopesando os brandais, ao deixar o leme e seguir a derrota de seus nautas acabará topando, sem dó nem nó, a milhas do porto-seguro, sem pontal à vista, qual titanic, com uma enorme bancarrota em alto-mar – após o que a nave náutica começará a fazer água.

Esse velho lobo do mar, experiente de muitos costados, já biruta da cachola pelas mareações vividas, que, qual um Pero Vaz DesCaminha, estas mal traçadas linhas redige, em honra ao El-Rey que em terra firme sorri, hasteia sua bandeira, acende o farol e lança ao mar a garrafa com a carta de socorro desde então calado.

Muita gente que o conhece não sabe quem ele é de fato. Olhando assim, sem nenhuma pista, realmente parece que ele não é capaz de manejar uma bimbarra ou que nem ao menos sabe onde fica o cabrestante, mas ele não tem nada de grumete e, embora tenha passado grande parte da sua vida no castelo de proa, do alto do cesto da gávea, dividindo o horizonte com outros cavaleiros da fortuna, hoje ele é respeitado e temido como um dos maiores bucaneiros que já singrou os sete mares.

Em todas as embarcações, de coráculas e lugres até as maiores caravelas, não existe um tombadilho que não seja assombrado por suas histórias. Diz-se que conduzia um navio inteiro sozinho. Orçar para ele era como se virar durante o sono, a maior adriça suspendia-a sem ajuda e sem esforço e até na hora de querenar o barco não precisava de ninguém mais para fazê-lo. Os marinheiros mais jovens contam nas cobertas que ele não tem sangue nas veias e sim salsugem, tamanha é sua crueldade.

Assim, com apenas uma mísera garrafa de rum, o scott trocou por uma escrava no Porto de Cádiz, na esteira de seu quarto no bordel de Millicent a bolinar e descochar, de pau de palanque, a polaca Nadir, com modesta sabedoria almirântica, lê sua rosa dos ventos e faz a seguinte previsão, a cambar célebres profecias de Simbad, o marujo, e aceita apostas: quando o navio começar a ir a pique, a linha d’água estiver a meia-nau, já sem costura, a cambada de ratos roerá as cordas e será a primeira a safar-se pegando os salva-vidas e deixando nosso comandante a fundear de encontro a Netuno.


    Fonte: O Autor
 
Por:  Manoel Manhães    |      Imprimir