Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 01-05-2007

MEMÓRIA DE SíO JOSÉ OPERÁRIO - 1º DE MAIO DE 2007
Amados irmãos e irmãs, celebramos hoje a memória litúrgica de São José Operário, criada pelo papa Pio XII na ocasião em que concedeu um patrono a todos os trabalhadores
MEMÓRIA DE SíO JOSÉ OPERÁRIO - 1º DE MAIO DE 2007

Amados irmãos e irmãs, celebramos hoje a memória litúrgica de São José Operário, criada pelo papa Pio XII na ocasião em que concedeu um patrono a todos os trabalhadores. O dia 1º de maio começou a ser o Dia Internacional do Trabalho no final do século XIX, a partir de um congresso socialista em Paris. A data é uma referência aos acontecimentos do dia 1º de maio de 1886 em Chicago, nos Estados Unidos da América: milhares de operários fizeram neste dia uma greve exigindo melhores condições de trabalho; queriam a redução da jornada de 13 para 8 horas diárias, além da garantia de direitos elementares. Na época, o capitalismo industrial, de forma bem mais grotesca do que hoje em dia, ceifava a vida dos assalariados, sujeitando-os a uma verdadeira escravidão.

Aquela grande greve provocou uma reação extremamente violenta e desumana por parte da polícia, que estava a serviço das elites da indústria norte-americana. Muitos trabalhadores foram presos, outros foram feridos e alguns até mesmo mortos, tornando-se mártires das causas trabalhistas. Este dia não deve ser lembrado, portanto, com um ar de ufania e orgulho; ao contrário, é um dia para protestarmos contra as injustiças sociais, contra o desrespeito aos direitos do trabalhador, contra a violência moral que o sistema capitalista impõe aos assalariados, ao considerá-los apenas peças da imensa máquina que constrói o estilo de vida consumista.

Deixemos, então, a Palavra de Deus iluminar toda esta realidade que comemoramos hoje. Na primeira leitura, tirada das primeiras páginas da Bíblia, no livro de Gênesis, vemos claramente qual o projeto de Deus para a vida do ser humano. "Deus disse: 'Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo a nossa semelhança'" (Gn 1,26). Deus aparece aqui sumamente livre e feliz, dotado de uma imensa capacidade criativa e produtora; Ele tem vontade de ver a realidade à sua volta crescer, deseja o progresso, o desenvolvimento da sua obra. E o ser humano é criado para ser "imagem e semelhança" deste modo de ser divino.

No ato mesmo em que é criado, o ser humano recebe o dom do trabalho, isto é, a capacidade de produzir, inventar, administrar, organizar. Podemos perceber que o trabalho é, aqui neste texto, algo inerente ao ser da pessoa humana. Faz parte do projeto de Deus que o ser humano se projete sobre o mundo material para transformá-lo. Trabalhar não é um peso, um castigo, meramente uma necessidade, mas é o modo de ser propriamente humano. Não se pode dizer que os outros animais trabalham, porque eles apenas buscam sobreviver, e trabalhar é muito mais do que alcançar a subsistência. Trabalhar é criar, participar do ofício de Deus. Neste sentido, todo trabalho é, por assim dizer, uma arte, porque é o próprio ser humano lançando-se sobre a matéria-prima para ver-se nela representado.

O ser humano só consegue ter consciência de si mesmo ao ver as marcas que deixou nas outras criaturas mediante o trabalho; só descobre a sua força racional e a sua capacidade criativa quando transforma as coisas, dando-lhes nome e significado.

A expressão "façamos", utilizada por Deus, foi interpretada pelos Santos Padres da Igreja no seguinte sentido: é como se Deus fizesse ao próprio ser humano já existente em sua imaginação, como projeto, o convite para ajudá-lo na sua própria criação. "Ser humano, façamos juntos o ser humano à nossa imagem e semelhança". O homem e a mulher são, assim, co-criadores, colaboradores de Deus na criação.

O texto diz ainda que Deus quis criar o ser humano "para que domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todos os animais selvagens e todos os animais que se movem pelo chão" (v. 26). No versículo 28, ele continua: "... enchei a terra e submetei-a! Dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que se movem pelo chão". O verbo "dominar" vem da palavra latina "dominus" e significa literalmente "ser senhor". E aqui está a prova de que o ser humano é realmente imagem e semelhança de Deus.

O salmo 8º canta: "Que coisa é o homem, para dele te lembrares, que é o ser humano, para o visitares? No entanto o fizeste só um pouco menor que um deus, de glória e de honra o coroaste. Tu o colocaste à frente das obras de tuas mãos. Tudo puseste sob os seus pés..." (vv. 5-7).

Só Deus é Senhor por excelência, só ele domina propriamente. Mas, à medida em que é imagem e semelhança de Deus, o ser humano pode e deve também "dominar" todas as outras criaturas. Mas como esta expressão tem sido historicamente mal interpretada! Ora, o ser humano só pode "dominar" o mundo se o fizer à imagem e semelhança de Deus.

E como Deus domina o mundo criado? O livro de Gênesis, numa outra tradição literária, nos dá a indicação de como é esse domínio sobre as criaturas; no capítulo 2, a segunda narrativa da criação nos diz: "O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden, para o cultivar e guardar" (Gn 2,15). Esse é o verdadeiro sentido de "dominar" a terra!

O trabalho do homem, portanto, é cultivar e guardar as criaturas. Cultivar dá idéia de fazer crescer, dar desenvolvimento, trabalhar a criatura; mas esse cultivo deve ser um gesto cuidadoso, isto é, guardando, preservando, conservando. Numa linguagem contemporânea, podemos dizer que o trabalho do homem precisa ser "sustentável", isto é, ético, ecológico, respeitoso. Só assim o trabalho é atividade verdadeiramente humana. Só assim o ser humano realiza a sua vocação fundamental. Com o meu trabalho, eu devo acrescentar algo de novo, de bom e de belo ao mundo, preciso colaborar com a criação deste mundo, que não terminou.

Dom Hélder Câmara dizia que nós estamos ainda no primeiro dia da criação. Quando Jesus curou o enfermo junto à piscina de Betesda, os judeus começaram a persegui-lo, porque em dia de sábado não se podia fazer coisa alguma; Jesus, porém, disse: "Meu Pai trabalha sempre e eu também trabalho!" (Jo 5,17). Quer dizer, a criação continua! Deus não deixou de ser trabalhador. Também nós não podemos nos acomodar. Há muito o que fazer. A tarefa que Deus nos confiou é imensa e está quase toda por fazer ainda. O apóstolo Paulo ficou sabendo que alguns cristãos da comunidade de Tessalônica estavam muito empolgados com a esperança da volta de Cristo e achavam que não era mais preciso trabalhar. O apóstolo os corrige, dizendo: "Quem não quer trabalhar também não deve comer. Ora, temos ouvido falar que, entre vós, há alguns vivendo desordenadamente, muito ocupados em não fazer coisa alguma, mas intrometendo-se em tudo. A essas pessoas ordenamos e exortamos no Senhor Jesus Cristo que trabalhem tranqüilamente e, assim, comam o seu próprio pão" (2Ts 3,10-12).

Nos três primeiros versículos de Gênesis 2, aparece outro elemento essencial para compreendermos o trabalho. Diz o texto: "No sétimo dia, Deus concluiu toda a obra que tinha feito; e no sétimo dia repousou de toda a obra que fizera. Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, pois nesse dia Deus descansou de toda a obra da criação". O trabalho deve existir para a construção da liberdade do ser humano. Mediante o trabalho, o homem e a mulher vão se tornando livres do vazio e do nada. Mas é preciso tomar cuidado para não inverter a função do trabalho; ele não pode se tornar uma prisão, uma escravidão. O descanso foi criado por Deus para que o homem não viesse a pensar que o trabalho tem valor em si mesmo.

O valor do trabalho está relacionado aos frutos que ele produz para o bem do homem. Se o homem só produz, só pensa em produzir para acumular, não usufrui do fruto do trabalho e não tem tempo para gozar dos seus benefícios, então o trabalho perde o sentido para ele. O sábado surge aqui para relativizar o trabalho, para não permitir que ele se torne um absoluto, um ídolo.

Nós, cristãos, a partir da ressurreição de Cristo, transferimos o descanso sabático do sétimo para o primeiro dia da semana e o chamamos "Domenica", isto é, "Dia do Senhor". É urgente ressaltar, em nossos dias, a importância do descanso e do culto cristão no Domingo. A semana inicia, para nós, cristãos, com um tempo dedicado a Deus na religião e ao lazer em família. É preciso respeitar esse dia. Preenchê-lo com trabalho significa roubar o que é de Deus.

Na passagem do evangelho de Mateus que ouvimos, Jesus é identificado como "o filho do carpinteiro" (Mt 13,55). Na narrativa, essa afirmação tem uma carga pejorativa e preconceituosa. Seus conterrâneos, os habitantes de Nazaré, o subestimam ao constatar que ele é filho de um simples operário, José, o esposo de Maria. Interessante que na conversa entre Filipe e Nicodemos, que o evangelista João descreve, esse mesmo preconceito aparece com relação à própria cidade de origem de Jesus: "De Nazaré pode sair algo de bom?" (Jo 1,46). A resposta de Filipe é bastante sensata: "Vem e vê!". Talvez pudéssemos trilhar hoje este caminho para constatar a dignidade que há no ofício de José e, assim, a sacralidade que há em qualquer trabalho humano. É preciso realmente "ir ver" Jesus desempenhando em Nazaré o ofício da carpintaria. Com que maestria ele não devia serrar, martelar, aplainar e montar os utensílios, da forma como aprendera de São José! A disposição que Jesus tinha para caminhar longas distâncias, enfrentando todo tipo de adversidade, inclusive o grande peso do patíbulo de madeira em sua condenação, ele só poderia mesmo ter adquirido na experiência profissional. "Donde lhe vêm essa sabedoria e esses milagres?", perguntam seus irônicos conterrâneos. Um mestre, um sábio, um messias que se preze não pode vir desta laia. É exatamente assim que Jesus se torna, como diz o versículo 57, "uma pedra de tropeço", isto é, um escândalo, para aquela sua gente.

A constituição sobre a Igreja no mundo contemporâneo, do concílio Vaticano II, afirmou que o Filho de Deus, ao encarnar-se, "trabalhou com mãos humanas" (GS 22). Assim, a oficina de São José operário foi o lugar teológico onde Deus redimiu o trabalho humano do jugo que caíra, pelo pecado original, sobre Adão: "Comerás o pão com o suor do teu rosto" (Gn 3,19). A encarnação do Verbo, por causa de São José, deu novo sentido ao trabalho humano. A fadiga, ao invés de maldição, em Jesus se torna alegria do dever cumprido. É por isso que, na celebração da Eucaristia, o sacerdote pronuncia a ação de graças na preparação das oferendas dizendo: "Bendito sejais, Senhor Deus do universo, pelo pão que recebemos de vossa bondade, fruto da terra e do trabalho humano...".

É preciso evangelizar o mundo do trabalho. Faremos isso não estampando os ambientes com propaganda religiosa, mas através do testemunho dos valores autenticamente evangélicos. Trabalhar com alegria e entusiasmo, profissionalismo e seriedade, esforçar-se pela máxima competência, abrir-se aos mais necessitados, partilhar os frutos do trabalho honesto; esse é o programa pastoral e o itinerário espiritual que se espera do cristão no século XXI. Pela própria forma como cada um exerce seus afazeres em sociedade, está prestando culto a Deus e colaborando com a missão da Igreja.

Pe. Juliano Ribeiro Almeida


    Fonte: O Autor
 
Por:  Juliano Ribeiro Almeida    |      Imprimir