Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 18-06-2007

NA FILA DO SUPERMERCADO
Eu tenho uma amiga americana de minha gera��o, D.H., que viveu todas as loucuras dos anos 60 e 70: drogas, sexo, rock�n roll, excessos de todas as maneiras
NA FILA DO SUPERMERCADO

Eu tenho uma amiga americana de minha gera��o, D.H., que viveu todas as loucuras dos anos 60 e 70: drogas, sexo, rock�n roll, excessos de todas as maneiras. Embora ainda use suas roupas de hippie, hoje � uma dona de casa em paz com a vida, bem casada h� muitos anos, com filhos adultos. Consegue � como todos n�s que vivemos este tempo ainda conseguimos � enxergar que o extraordin�rio reside no caminho das pessoas comuns.

Recentemente, D. estava em uma fila do supermercado com um carrinho cheio de compras, esperando que outra mulher colocasse tamb�m uma quantidade gigantesca de produtos na esteira rolante da caixa. Tudo parecia andar devagar aquele dia: a mo�a ia registrando os itens da cliente anterior sem pressa, e D., depois de colocar a famosa plaquinha "pr�ximo cliente", come�ou a esvaziar seu carrinho com toda a calma do mundo.

De repente, a mulher a sua frente se virou, irritad�ssima:

- Esta mo�a n�o sabe trabalhar, veja como ela � lenta! Se eu fosse voc�, procurava uma outra fila: j� estou aqui h� um tempo enorme! Os donos deviam colocar sempre vis�vel: "caixa em treinamento"!

E come�ou a reclamar em voz alta, para que todo o supermercado escutasse, do p�ssimo atendimento que estava recebendo.

- J� estou aqui h� meia-hora! � gritava.

D. se deu conta que a mulher tinha raz�o, mas agora j� tinha colocado grande parte de suas compras ali, e n�o valia a pena retirar tudo de novo. Como estava sem pressa, come�ou a fazer o que normalmente costuma: aproveitar o tempo de espera para rezar um pouco.

E foi a� que se deu conta de algo muito importante: mesmo em uma fila de supermercado, � poss�vel conversar um pouco com Deus. D. me contou que come�ou a escutar algo como " n�o fa�a como os outros, eles est�o lutando contra o Tempo Divino. Continue a�, aproveite, examine o que est� acontecendo ao seu redor, olhe para o rosto das outras pessoas, coisas que voc� quase j� n�o faz mais".

E assim ela fez. Come�ou a sentir uma imensa euforia � j� n�o estava apenas em uma fila de supermercado, mas imersa em um mundo cheio de cores, gente que conversava, que comprava, que examinava os produtos, que discutia assuntos irrelevantes, enfim, tudo aquilo que todos os dias n�s nos defrontamos, e n�o entendemos direito que faz parte da pr�pria condi��o humana. Pela primeira vez estava consciente do lugar, embora j� viesse ali h� anos fazer suas compras. Notou coisas que nunca havia notado antes.

D. sentia-se cada vez mais euf�rica. Finalmente, a mulher da frente pagou a conta blasfemando, e chegou sua vez. Preparou-se para uma longa espera, j� que a pobre caixa em treinamento estava assustada com o comportamento da cliente anterior.

Neste momento, aproximou-se o supervisor da loja:

- Est� na hora do seu almo�o � disse para a caixa. � Debbie ir� substitu�-la.

Apesar do esc�ndalo, o supervisor n�o tinha visto nada. Aquilo estava acontecendo por causa do Tempo Divino, que tamb�m estabelece horas de almo�o para todos. A mo�a se levantou, e a outra empregada, Debbie, tomou seu lugar. Em pouco menos de cinco minutos, D. j� tinha pago e empacotado todas as suas compras. Na sa�da, cruzou com a cliente irritada.

- Voc� � uma mulher de sorte! � disse ela.

- Pode ser. Ou tamb�m pode ser que a senhora tenha escolhido um comportamento negativo, e tudo demorou mais. Entretanto, eu preferi n�o participar de sua impaci�ncia, e me diverti. Sabe o que mais? Nunca tinha reparado direito em algo que faz parte da minha realidade. O meu tempo de espera foi tamb�m um tempo de encontro com aspectos de minha vida.

Fonte: O Autor
 
Por:  Paulo Coelho    |      Imprimir