Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 21-06-2007

ABRINDO MEU CORAÇíO
“Faz tempo que quero falar pra minhas leitoras e meus leitores de um assunto bem importante. É embaraçoso pra mim, já que se trata de falar de mim mesmo, de algumas qualidades minhas. Sabe como é.
ABRINDO MEU CORAÇíO
Foto: www.maratimba.com

"Faz tempo que quero falar pra minhas leitoras e meus leitores de um assunto bem importante. É embaraçoso pra mim, já que se trata de falar de mim mesmo, de algumas qualidades minhas. Sabe como é.

Nem sempre fui esse cara assim apagado e encostado pelos cantos, vivendo na sombra. Já tive meus dias de intenso fulgor, já fui chuva grossa, já dei carta e joguei de mão. Eram outros tempos, é verdade. Naquela época, eu, Tom e Vinicius ainda nem tínhamos composto Garota de Ipanema. Eu tampouco tinha começado a escrever Capitães de areia, nem Jubiabá, nem Mar morto, pra receber aquela miséria que o Jorjão me pagou. Eram tempos bicudos. Eu me lascando numa Lexikon 80 de carro grande, no calor de Salvador, o Jorjão na rede, ouvindo Caymmi, e Zélia dando pitaco em tudo. Mas sobrevivi.

Isso foi, na verdade, muito antes de eu formar na Seleção Brasileira aquele meio-de-campo com o Zico e o Falcão. Tinha tudo pra dar certo, mas nunca vi bicho invejoso que nem boleiro. Carreguei o time nas costas mais de cinco anos, ensinei uma porrada de coisas, e o que ganhei? Fim de jogo, eles ali, saindo de campo devagar, fingindo cansaço, meia arriada, querendo atrair a atenção de algum jornalista, e a turma toda em volta de mim, repórter quase saindo na porrada, que os editores todos queriam exclusiva comigo, era talkshow daqui, enquete dali, um inferno. Acabei me irritando com eles e pulei fora. Resultado? Paolo Rossi 3, Brasil 2, a tragédia do Sarriá, em 82. Paciência. Os caras têm de saber que não podem ter tudo. Não comigo, pelo menos.

Mas tem gente boa no meio também, é forçoso admitir. Foi só pela consideração que eu tenho com o Ariano Suassuna, meu parceiro em O auto da compadecida, que eu não botei no pau o Chico e o Caetano, por causa de duas obras minhas que nem são das melhores, mas que, pombas, os caras não tinham o direito de pegar pra eles: Construção e Trem das cores. E aí, pra não ser justo com uns e injusto com outros, livrei a cara também do João Bosco e do Aldir, por causa de O bêbado e o equilibrista, Kid Cavaquinho e De frente pro crime. Questão de isonomia.

As coisas só melhoraram um pouco depois que conheci Dias Gomes, aliás apresentado pelo Jorge Amado. Verdade que pelo texto de O pagador de promessas eu recebi uma merrequinha, mas pela novela e pelos especiais de O bem amado a coisa já começou a render, em dinheiro e em mulher.
Quando rende em mulher, não precisa nem jurar, também rende sempre confusão, porque elas são seres de auto-estima muito fragilizada e por isso muito exclusivistas, ciumentas e temperamentais. Pra dizer a verdade, foi duro evitar que chegasse à mídia a ginástica que eu fazia pra enganar a Sonia Braga e a Vera Fisher pelos corredores da Globo, em meio a paparazzi e colunistas sensacionalistas, mas consegui. Não me perguntem como.

Essas coisas cansam um pouco a gente, mas, acreditem, dão maturidade e equilíbrio. No meu caso, também foi pela mão de gente amiga que consegui a boquinha de escrever, pro Spielberg, os roteiros de Tubarão. e de O parque dos dinossauros, justamente quando a patroa já tava me apertando por causa de uma tal casa na praia que eu prometia e não comprava nunca, e que é onde moramos hoje. Não posso dizer onde, é claro, por razões que vocês hão de compreender. Meus vizinhos pensam que sou aposentado da magistratura e me chamam de mafioso. Pelas costas, é lógico, porque se borram de medo de eu mandar a polícia dar um baculejo neles.

Muitas dessas coisas eu já valorizei muito, até um tempo atrás, mas hoje tenho de reconhecer que são apenas ilusões. Não tem nada que pague a privacidade, o sossego, o direito de escrever só alguns pequenos textos por semana, fazer um sambinha de vez em quando, lançar um livrinho a cada dois anos.

Dia desses, pela necessidade de atender um cliente afoito, estive numa solenidade em Palácio, em Brasília. Pois o LuLla me procurava com o olhar o tempo inteiro, carentão, doido por uma reaproximação. E eu lá, na minha, fingindo de morto. Na hora de vir embora, passei em frente à mesa, dei um alô pro Zé Alencar, meu velho e fiel sócio na indústria têxtil ("Saúde, malandro") e nem tchuns pro Lula. Detesto malufistas.

Como diz Jorge Aragão, num samba que todo mundo pensa que é dele, mas é meu: "Quem foi que falou que eu não sou um moleque atrevido? Ganhei minha fama de bamba num samba de roda."

Vai encarar, ô Pavares Dias?

Fonte: O Autor
 
Por:  Manoel Manhães    |      Imprimir