Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 05-08-2007

A CAIXA 2 PRETA
"Leio nos jornais — sim, companheiros, voltei a lê-los, pois resolvi abraçar a filosofia educacional de Paulo Freire, para quem é preciso"
A CAIXA 2 PRETA

"Leio nos jornais — sim, companheiros, voltei a lê-los, pois resolvi abraçar a filosofia educacional de Paulo Freire, para quem é preciso "aprender a desaprender", e achei por bem começar desaprendendo gramática, ortografia e raciocínio lógico — leio nos jornais, dizia eu, que o presidente Lulla resolveu desafogar o tráfego de Congonhas, transferindo vôos para outros aeroportos.

Não via no Brasil atitude tão enérgica desde que FHC fez sua maior obra. Não me refiro ao Plano Real, claro, nem, como poderiam pensar os mais malevos, estou utilizando a palavra "obra" em sentido escatológico. Muito menos aludo à imensurável contribuição do ex-presidente para o progresso das artes e das ciências — particularmente do solipsismo, do sofismo e da tautologia —, mas ao grande impulso que deu à nação quando nos informou, durante sua administração, que não éramos mais um país "subdesenvolvido" e sim "em desenvolvi mento". Lance magistral com que, permutando quatro letras do alfabeto, tirou em segundos milhões de pessoas da linha de pobreza. E muitas outras ainda teriam saído da miséria se houvessem lido jornal por aqueles dias. Por aí temos uma idéia de como é perverso o analfabetismo.

Imitando aquele grande e ousado sábio, e usando de toda a sua capacidade de ação, o presidente Lulla, tão-logo começaram os problemas nos aeroportos, marcou uma reunião em que se discutiria a instalação de um grupo de estudos destinado a indicar pessoas que fariam a seleção dos debatedores que participariam de uma mesa de discussão, visando promover um encontro entre técnicos e ministros para a elaboração de uma agenda com definição precisa de data e hora em que haveria uma congregação para propor possíveis palavras que poderiam ser usadas para substituir "caos aéreo" por expressão mais amena e, uma vez resolvido esse problema semântico que assola o país de norte a sul, finalmente iniciar o levantamento de propostas para solucionar a confusão nos aeroportos em dia a ser futuramente determinado.

Apesar da grita dos mais apressadinhos, fato é que o organograma estava sendo seguido à risca e tudo estaria superado a contento bem antes de 2045, se brasileiros insubordinados e sem a mínima consideração por prazos não houvessem precipitado as coisas ao morrer egoisticamente neste desastre de avião (PTAM 3054) — de resto, dispensável.

Ainda assim, eficaz como os persas diante de Alexandre e célere como uma flecha — no caso, a flecha de Zenão de Eléia —, nosso intrépido presidente levou apenas uma semana e não mais que 200 cadáveres para anunciar as medidas que debelarão de vez o apagão aéreo, atuando antes que outros mortos exibicionistas se aproveitassem da situação para passar a falsa idéia de que o governo perdeu o controle sobre uma atividade que é monopólio do Estado: o assassinato em massa.

Por fim, num gesto final, o presidente afirmou em seu programa de rádio que não há possibilidade de a verdade sobre o acidente com o avião da TAM não aparecer. Em não aparecendo, ele certamente tomará medidas drásticas, como cortar o ponto dela ou mesmo demiti-la, muito embora alguns queiram insinuar maldosamente que a dita não é funcionária deste governo.

Enfim, trocando em miúdos, devo dizer que agora estou bem mais tranqüilo. Com essas medidas e declarações, tenho certeza de que o presidente mandou a insegurança, definitivamente, para o espaço".

Fonte: O Autor
 
Por:  Manoel Manhães    |      Imprimir