Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 08-08-2007

ANO QUE VEM TEM ELEIÇíO... AS COISA VíO MIORÁ
“Me sinti inurti hoje, muié, inválidu, imponenti diante dessa situação umilhante. Quando fui abri o armáriu vi que num tinha nem um grão de arroiz pra cuzinhá e saciá a fome das nossa cria
ANO QUE VEM TEM ELEIÇíO... AS COISA VíO MIORÁ

-- "Me sinti inurti hoje, muié, inválidu, imponenti diante dessa situação umilhante. Quando fui abri o armáriu vi que num tinha nem um grão de arroiz pra cuzinhá e saciá a fome das nossa cria. Deu inté um nó na garganta, muié, uma vontade de chorar. Por vários dia fiquei cum vergonha de oiá nu seu zói e nos zói dos nosso fios. Quarqué distração era discurpa pra mim, um chefe de famía, chegar em casa na calada da noite. Aí oceis ia tá durmindo e eu ia me livrá do peso da cobrança"

Doce ilusão a de João. Sua própria consciência o cobrava a todo instante. Frágil, debilitado e sem direção ele ainda encontrava forças para, mesmo cambaleando de um lado pra o outro, encarar a esposa e repetir seu discurso diário.

Todas as manhãs a rotina: sair de casa em busca de um trabalho, de um ‘trampo’, como ele costumava a afirmar, mesmo sem uma xícara de café no estômago. Ele buscava qualquer ‘bico’. Qualquer quebra-galho que aparecesse seria como que se tivesse acertado na loteria.
A esposa, dona Firmina, já não dava mais conta de cumprir com o orçamento doméstico.

Com o dinheiro que recebia das roupas que lavava, fazia as compras do mês, mas os alimentos acabavam antes de o mês terminar. Faxinava as casas das madames, mas o que recebia lá já não dava para quitar os débitos com os talões de água e luz - vencidos há tempos. Além disso, corriam o sério risco de serem despejados do paiol que moravam, pois o aluguel estava vencido há meses. "Também, se a miserável da cesta básica" não custasse os olhos da cara...!" – O ‘home’ da venda arrancava os ‘zói’ deles e ainda lambia os ‘buraco’.

-- Vai armuçá não, Jão?
-- Cumê o quê, muié?
-- Tem uns caroço de arroiz nadando numa sopa de fubá com água e sal, home, mas tá até gostoso.
-- to cum fome não! Não tem nada além dessa gororoba, não né Firmina?
-- Tem sim, Jão. Caviá na casa da dona Hermengarda, a muié que eu lavo ropa e passo pra ela. Tem também um tar de croaçã pra festinha de aniversario de 15 ano da fia do vereador e tem também aquela comidaria toda que sobrou do baile de deputante, nem sei o que é isso...

Uma vez mais e sempre e eternamente o Feudalismo impera, rindo dos pobres desgraçados que fartam seus freezer’s. Enquanto uns riem outros choram a dor, não uma dor qualquer. Aquela que inibe um ser humano que ao olhar no espelho vê seu reflexo a mostrar-te e a apontar as rugas, marcas de expressão das lágrimas que os chicotes dos capangas dos feudais ainda fazem muitos "Jãos" e "Firminas" sentirem.

João, desempregado, resigna-se, sente-se desprezível: lixo, escória. Por que viver (viver?)? Talvez lhe fosse melhor a morte! Não! A preocupação alheia já o enforca. Sufocar-se seria a alternativa? Também não! Os comentários do cotidiano já o sufocam: --"não está trabalhando porque não quer. É vagabundo! Gosta da vida mansa. E o rapazinho dele? Tem uma cara de ‘veado’. Quando crescer vai virar cabeleireiro. A mãe deve ser uma vadia. Olha só para a cara das crianças. São tão diferentes umas das outras. Cada uma deve ser de um pai..."

Claro que as crianças são diferentes: barrigudas, têm meleca no nariz, andam descalças. Enquanto isso João continua a procurar uma forma original de morrer. Original ou digna?! Por que não um acidente automobilístico? Afinal, o trânsito é tão complexo que será considerado apenas mais um atropelamento com vítima fatal e além do mais, será considerado um indigente.

-- Não muié. Assim também não dá. Como ocê vai pagá o funeral? A gente tá querendo se livrá das dívida ou querendo arrumá mais pra cabeça?
-- Sem falá do covero, Jão! Da missa, do transporte.


"Definitivamente não, Jão!" Eis o clamor de Firmina, de Sebastiana, de Maria Alcina...

-- O negócio é robá então, muié! Isso! Vamo robá! A gente num véve mesmo num país de ladrão? Com o dinhero a gente paga os istudo dus menino. A gurizada vai ri a toa, Firmina, di tá istudando. Isso é dignidade, muié!
-- Verdade, Jão! Quando as criança crescê vão si orguiá de nóis, inveis de tê vergonha. Isso se a puliça não prendê a gente antes, né?
-- Qui, muié! Tem tanto tubarão robando de nóis, pexim pequeno aí e não são preso.
Mermo assim, Jão. Calma home de Deus! Ano que vem tem eleição... as coisa vão miorá...


Fonte: O Autor
 
Por:  José Geraldo Oliveira (DRT-ES 4.121/07 - JP)    |      Imprimir