Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 19-09-2007

MENINOS-SOLDADOS
Sempre imaginei que a melhor coisa que uma crian�a poderia carregar nas m�os seriam livros
MENINOS-SOLDADOS

Sempre imaginei que a melhor coisa que uma crian�a poderia carregar nas m�os seriam livros. Pena que um grande contingente delas, espalhado pelo mundo, carregue armas, isso sem falar nas drogas que � assunto talvez para uma outra cr�nica. Sim, para espanto de muita gente, crian�as na faixa de dez a dezesseis anos, como esta da ilustra��o, fazem parte de v�rios ex�rcitos e lutam em diferentes regi�es do planeta, notadamente na �frica. Fiz essa ilustra��o a partir de uma foto que faz parte da mat�ria "Meninos-soldados", da revista Superinteressante deste m�s. Enquanto eu desenhava, meu filho e mais dois amigos brincavam de bola no quintal. Deram uma pausa para apreciar o desenho. Acharam "maneiro".

O que mais chamou a aten��o deles foi o fuzil AK-47 nas m�os do menino-soldado. Discorreram sobre as caracter�sticas e curiosidades da arma, levados, talvez, pela naturalidade com que elas desfilam pelos games e telinha da TV. Disse a eles que eles tinham muita sorte de viverem uma situa��o bem diferente daquele menino da foto e expliquei de maneira bem simples o drama daquelas crian�as. Eles ficaram penalizados, mas rapidamente voltaram � brincadeira. S�o crian�as tamb�m, ainda incapazes de absorver toda a crueldade por tr�s da foto e, consequentemente, da ilustra��o. N�o poderia ser diferente, dado � banaliza��o da vida e da morte veiculada diariamente na m�dia. Ter�o tempo ainda para compreender e se comover com esse drama que n�o est� assim t�o distante da nossa realidade.

Crian�as brasileiras que convivem com traficantes nas favelas do Rio de Janeiro e em outros pontos do Brasil j� devem estar bem mais acostumadas com a presen�a das armas. Algumas at� j� andam com elas em punho cometendo seus primeiros delitos.

Segundo estimativa da ONG brit�nica Human Rights Watch, algo entre 200.000 e 300.000 crian�as participam atualmente de guerras em 21 pa�ses em todo o mundo. Apenas na �frica lutam mais de 100.000 crian�as, mas elas tamb�m podem ser encontradas no Nepal, nas guerrilhas mao�stas ou na Col�mbia, envolvidas em guerrilhas de esquerda e grupos paramilitares de direita. Em 2004 a For�a de Defesa de Israel prendeu um suicida de 12 anos a caminho de uma miss�o e o Ex�rcito russo p�s rapazes de 14 anos para lutar na Chech�nia.

N�o � dif�cil transformar crian�as em m�quinas de guerra. Guerras s�o confusas. Aldeias s�o invadidas repentinamente, h� p�nico, as pessoas fogem. Crian�as se perdem de seus pais quase sempre, muitas assistem suas mortes. Quando o n�mero de civis mortos � muito alto, isso � um ind�cio de que h� mais �rf�os prontos para o recrutamento. Atualmente, civis representam cerca de 90% das v�timas, segundo a revista The Economist. N�o se iludam, portanto, com as guerras criadas pelos norte-americanos que mais se parecem batalhas de videogames e com a t�o propalada guerra cir�rgica onde m�sseis caem a poucos metros de civis sem lhes causar danos. Na pr�tica h� cada vez mais crian�as dispon�veis para recrutamento.

H� outro motivo para haver tantas crian�as envolvidas em combates armados. Conflitos internos, com o tempo, tendem a exterminar jovens e, gra�as ao parco controle de natalidade, crian�as s�o muitas em pa�ses pobres, ao contr�rio de homens mais velhos. Crian�as tendem a obedecer a adultos sem question�-los com facilidade, n�o se preocupam, n�o t�m mulheres ou filhos para quem voltar, por isso, s�o inconseq�entes em batalha, exatamente o que se busca em guerras civis sanguin�rias onde ex�rcitos regulares n�o lutam.

Crian�as �rf�s ou que se perderam dos pais s�o bichos acuados. Quando integradas a um grupo armado, sentem-se protegidas. Al�m de comida, h� um ambiente de camaradagem e fidelidade, uma nova fam�lia. Crian�as envolvem-se emocionalmente. Em Serra Leoa, meninos eram contemplados com uma dieta de p�lvora misturada com coca�na para anim�-los ao combate e cigarros de maconha para esfriar depois. O tempo de entretenimento era gasto assistindo proje��es de Rambo e filmes do g�nero. As crian�as gostavam de imitar o her�i.

Felizmente o movimento internacional para terminar com a pr�tica vem se fortalecendo. Em julho, o Tribunal Especial para Serra Leoa, ligado � ONU, considerou culpados tr�s l�deres militares. Foi a primeira vez que uma corte internacional condenou algu�m pelo crime de recrutamento infantil. As penas ainda n�o anunciadas, devem ser de pris�o perp�tua. O julgamentos de Thomas Lubanga Dyilo, 46 anos, l�der da Uni�o de Patriotas Congoleses, pelo Tribunal Criminal Internacional (ICC) � que est� para come�ar - e o de Charles Taylor, ex-ditador da Lib�ria, s�o outros ind�cios de que h� uma mudan�a de postura. Ainda este ano, o Congresso dos Estados Unidos dever� votar uma lei que pro�be o pa�s de vender armas para na��es que tenham crian�as no campo de batalha.

Esta mudan�a de postura pode ter sido desencadeada por Ishmael Beah. Capturado pelo Ex�rcito de Serra Leoa aos 13 anos, Beah lutou at� os 16. Seu livro Muito Longe de Casa, lan�ado neste ano, � o primeiro testemunho para o p�blico geral de como � ser um menino-soldado. Por causa de sua capacidade de express�o, foi escolhido porta-voz das crian�as levadas para a guerra. Falou � Assembl�ia Geral da ONU, a chefes de Estado, a grupos de diplomatas com condi��es de interferir. Deu visibilidade ao problema.

Nem sempre as crian�as est�o em batalha. � comum que sirvam para testar campos minados � ou para plantar minas. Tamb�m fazem o trabalho dom�stico: cozinham, lavam, passam. Pior, prestam servi�os sexuais, tanto meninos quanto meninas. Em lugares como o Afeganist�o ou certas regi�es da �frica � comum encontrar comandantes militares que iniciaram a carreira na inf�ncia. � tudo o que sabem fazer. Desde 1987, de acordo com n�meros da ONU, 2 milh�es de crian�as morreram em guerras. O n�mero n�o inclui, por exemplo, o per�odo final da guerra entre Ir� e Iraque, quando praticamente todos os soldados envolvidos eram adolescentes.

A readapta��o de Ishmael Beah � sociedade durou 7 meses. Ele n�o sabia mais dormir numa cama e era dependente qu�mico. A sua turma foi uma das primeiras de meninos-soldados com a qual o Unicef lidou. Hoje, aos 27 anos, ele vive no bairro do Village, em Nova York, na casa de Laura Simms, uma contadora de hist�rias que perdeu a fam�lia entre persegui��es anti-semitas e o Holocausto. Os dois se conheceram porque Laura presta servi�os para a ONU ajudando crian�as a contar a hist�ria da vida delas para lidarem com traumas.

Talvez muitas pessoas n�o gostem de ouvir hist�rias como essas, talvez prefiram acreditar que crian�as vivem num mundo cor-de-rosa quando sabemos que, mesmo que n�o estejam empunhando armas ou usando drogas, as crian�as ainda est�o muito longe da vida de contos de fadas.

Visite meu blog:

www.blogdopaulista.blogspot.com


Fonte: O Autor
 
Por:  Paulo Araujo    |      Imprimir