Categoria Geral  Noticia Atualizada em 15-11-2007

Sexualidade: Como vivem os 'Bernardinhos' do Brasil
Personagem de 'Duas Caras' evitava revelar homossexualidade para os pais. Para grupo gay, há famílias que têm dificuldade
Sexualidade: Como vivem os 'Bernardinhos' do Brasil
Foto: Reprodução/ TV Globo

Bernardo, o personagem interpretado pelo ator Nuno Leal Maia na novela "Duas Caras", vive um drama desde que flagrou o filho - Bernardinho (Thiago Mendonça) - com um homem na cama. De um lado, ele se depara com sua formação machista, que o impede de aceitar um filho gay; do outro, com seu amor de pai.

Embora a questão esteja cada mais presente na mídia, ainda são raros os casos de pais que aceitam com facilidade a orientação sexual de filhos gays e lésbicas. Não existem estatísticas oficiais, mas o Grupo Gay da Bahia (GGB) estima que a maior parte dos homossexuais enfrente problemas com a família ou opte por esconder sua opção sexual dos pais.

Segundo o fundador do GGB, o cientista social e professor Luiz Mott, 61 anos, gays, lésbicas e travestis somam 19 milhões de pessoas, cerca de 10% do total da população brasileira. "Trata-se da minoria social mais discriminada porque o preconceito começa dentro de casa, onde os pais não aceitam a orientação. Quando percebem que os filhos vão se tornar gays e lésbicas, insultam, espancam e chegam a expulsá-los de casa."

Para ele, "a TV hoje mostra mais a realidade dos gays em algumas obras, como algumas novelas, mas ainda de forma tímida". Duas Caras vem abordando o processo de descoberta e aceitação de um gay em sua família.

Para Thiago Mendonça, seu personagem, o Bernardinho, "é assumido e bem resolvido com ele, por mais que não pratique". "Quem tem problema com a sexualidade é o pai e a família. Ele não bota tudo para fora por respeito ao pai. A novela faz um convite nesse sentido, mostrando a questão para que se abra um canal para discussão."

O autor da trama, Agnaldo Silva, acredita que a questão extrapole a opção sexual. Na novela, Bernardinho mantém forte amizade com Dália, uma garota viciada em drogas. "Gosto muito do romance entre Bernardinho e Dália. Ele é assumidamente gay, mas se apaixona por essa mulher. Não é um sentimento sensual e é ao mesmo tempo, porque eles gostam de se agarrar, de se tocar e ficam conversando até tarde. Acredito que, na verdade, a gente se apaixona pelas pessoas."

Amor acima de tudo
A cabeleireira e cantora gospel Vilma de Moura Ruiz Lupo, 59 anos, afirma nunca ter tido problemas para aceitar a homossexualidade do filho, o publicitário Luciano Lupo, 27 anos, eleito o gay mais bonito do Brasil. "Nunca fez diferença para mim. É o meu orgulho, um filho de ouro."

A dona-de-casa B.C. (quis ter seu nome preservado), 57 anos, ficou sabendo que seu filho mais novo, o produtor de televisão E.C., 25 anos, era homossexual há 5 anos. "Soube por ele mesmo. Sempre tivemos uma boa interação e ele sabia que, para mim, isso nunca seria um problema."

De acordo com ela, sua maior dificuldade foi perceber o sofrimento do filho para tentar se aceitar e não poder ajudá-lo. "Ele demorou a assumir para si mesmo e teve muitos problemas de saúde. Com 17, 18 anos, teve úlcera e outros problemas sérios, até que se resolveu. Se apaixonou e não teve mais problema nenhum."

Embora não se oponha à orientação sexual do filho, o pai do rapaz evita falar sobre o assunto, segundo B. "Mesmo quando eu só desconfiava, falava para o meu marido, mas ele não comentava. Hoje, o namorado do meu filho freqüenta nossa casa, mas a relação entre eles é superficial, até porque o rapaz ainda está passando por esse período de aceitação e isso se reflete nos relacionamentos dele."

Fase de renascimento
Para a escritora e professora universitária Edith Modesto, 69 anos, a maioria das mães tem muita dificuldade em aceitar filhos homossexuais. Mãe de sete filhos, Edith soube que o caçula Marcello Modesto, atualmente com 36 anos, era gay quando ele tinha 21 anos. "Quando o filho da sai do armário [expressão usada para definir os homossexuais que assumem essa orientação sexual], a mãe entra."

De acordo com ela, a maioria dos pais que aparecem dizendo que aceitam os filhos, se referem apenas ao momento atual, após aprenderem a lidar com essa nova realidade, desconsiderando a fase de pré-aceitação.

"É um renascimento, os pais têm de se reinventar internamente e aceitar aquele novo filho, aquela nova filha, que é diferente do que conheciam. Eu tive de aceitar o gay que estava dentro do meu filho", afirmou a escritora, que já tratou do tema em dois livros.

"Nunca desconfiei de absolutamente nada. Percebi que tinha um problema porque ele começou a ficar muito triste e a se afastar. Aí lembrei que nunca tinha tido namorada e perguntei [se ele era gay], esperando que falasse não. Aí ele começou a chorar. Foi aquela paulada, muito difícil."

A escritora acabou fundando a ONG Grupo de Pais de Homossexuais para tentar reaproximar pais e filhos gays e lésbicas. "Meu trabalho não é militância. Não estava aceitando meu filho e pensei que, se conseguisse conversar com outra mãe como eu, me sentiria melhor. Assim começou o grupo, que hoje tem 200 associados."

Ela acredita que o fato de o tema ser tratado com mais freqüência e naturalidade pela mídia ajuda a diminuir o preconceito social, mas não alivia o drama das famílias. "As pessoas começam a aceitar que exista um homossexual na casa do outro, não na própria casa."

Auto-aceitação
O escritor e ex-BBB Jean Wyllys, 32 anos, também sofreu para assumir sua homossexualidade para a mãe, Inalva de Matos Santos, 63 anos. "Eu nasci no interior da Bahia, com toda aquela mentalidade que há em relação a qualquer diferença. Era um menino delicado, quase afeminado. Enfrentei todos os problemas dessa fase."

"Aos 16 anos, me interessei por um rapaz e contei para minha mãe. Não foi uma coisa tranqüila. Ela temia porque a imagem dela sobre a homossexualidade é a que é empurrada pela mídia. Ela tinha medo que eu virasse travesti", disse Wyllys.

"Disse para ela "sou homem de verdade, sou honrado e vou construir uma vida assim". Como ela confiava muito em mim, aceitou. Depois que falei, que enfrentei o medo de ser e de existir com meus desejos, tudo melhorou. Enquanto minha defesa era negar a orientação sexual , eu não era, não existia", afirmou.

Desejo Camuflado
Há casos ainda de gays e lésbicas que simplesmente optam por esconder essa condição da família, como o modelo Guilherme Faroni (nome artístico), 20 anos, que "disfarça" sua orientação sexual para não ter problemas com família e amigos.

"Sou de uma família muito tradicional no Espírito Santo, muito conhecida. Tive de passar pela vida como heterossexual, ter namoradas e até me corrigir na postura, na maneira de andar e de sentar para não chamar a atenção", afirmou Faroni.

Ele disse que nunca tentou conversar com os pais porque sabe que "a resistência é muito grande". "Dos 15 aos 18 anos começou a fase em que fui me descobrindo e tendo contato com pessoas do mesmo sexo, tendo atração, sem poder me expor. Acredito que as pessoas de classe média baixa se revelam mais fácil, não são tão ligadas nessa questão da sociedade. Eu tenho medo de me revelar e acredito que não desconfiam de mim."

O modelo contou que toma todas as precauções para evitar ser "descoberto". "Eu excluo histórico de sites gays que visito na internet e evito me relacionar com homens na minha cidade. Tive poucos relacionamentos homossexuais aqui. Só consegui ter namorados quando estava fora, quando fazia vários trabalhos para minha agência no Rio e em São Paulo."

No Espírito Santo, ele teve vários relacionamentos com mulheres. "Tive namoros longos com mulheres, de 4 anos e de 2 anos e 8 meses, sem contar vários casos com meninas, para ter sempre fama de galinha e tirar o foco do homossexual. Faz um ano que não tenho um namoro duradouro, mas, mesmo quando estou numa relação, sempre traio. Justamente por não ter atração por uma menina e para verem que estou traindo."

Como vivem os 'Bernardinhos' do Brasil. Personagem de 'Duas Caras' evitava revelar homossexualidade para os pais. Para grupo gay, há famílias que têm dificuldade para entender a opção sexual dos filhos.

Fonte:
 
Por:  Felipe Campos Estevão de Freitas    |      Imprimir