Categoria Policia  Noticia Atualizada em 17-11-2007

Desvio de munição abastece arsenal do tráfico nas favelas
Investigações mostram que corrupção mantém traficantes bem armados.
Desvio de munição abastece arsenal do tráfico nas favelas
Foto: Reprodução

A polícia do Rio de Janeiro apreende por ano, em média, 100 mil munições de vários calibres das mãos dos criminosos, segundo dados da Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (Drae). De acordo com investigações da própria polícia, a maior parte da reposição desses arsenais é feita com a ajuda dos desvios das próprias instituições por policiais corruptos. A outra parte vem do tráfico internacional de armas.

"É preciso que se faça uma reforma nas polícias. Hoje, impera a corrupção. O suprimento de armas e munições é feito por policiais corruptos. Eles ajudam a exterminar os próprios colegas de profissão", acusa o sociólogo Antônio Rangel, coordenador do Programa de Controle de Armas de Fogo do movimento Viva Rio.

O delegado Carlos Oliveira, titular da Drae, aponta os maiores entrepostos de armas do tráfico localizados nas favelas da Rocinha, Alemão e Coréia, com estoques de fuzis AR-15, AK-47, FAL e HK, além de metralhadoras .30. Ele acredita que os traficantes recebam de 4 mil a 5 mil munições de uma única vez, de acordo com a necessidade de reposição.

"Existem os fornecedores regulares e os eventuais", afirma. "São centenas de cargas passando pelas rodovias ou vindo por outros meios. E olha que as apreensões que nós e a Polícia Rodoviária Federal fazemos não são poucas", ressalta.

Fuzil já vale R$ 40 mil nas favelas
Mas boa parte do suprimento desses arsenais é feito sem que o fornecedor tenha que percorrer um trajeto muito longo. São os abastecimentos provenientes dos desvios de estoques das forças de segurança. Os fornecedores, nesse caso, são policiais corruptos da chamada 'banda podre'. Diante dos altos lucros, pouco importa se o fuzil vendido hoje será usado adiante para matar um colega de profissão ou ele mesmo.

Por outro lado, o aumento da repressão ao tráfico de armas nas estradas provocou uma mudança dramática no mercado dos desvios dos paióis de segurança. Segundo o delegado-titular da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), Rodrigo Oliveira, a dificuldade em trazer novas armas de fora elevou o preço das peças negociadas nas favelas. "Nas investigações, descobrimos que por um fuzil, que há três anos pagavam R$ 10 mil, agora chegam a desembolsar R$ 40 mil", afirma.

A constatação de que os policiais têm sido vítimas de suas próprias armas pode ser comprovada também por um estudo minucioso realizado com o garimpo de informações dos pesquisadores James Bevan (Small Arms Survey) e Pablo Dreyfus (Viva Rio). Com o trabalho "As armas e a cidade" Inimigo interior: Desvio de munição em Uganda e no Brasil", eles fazem uma comparação de casos semelhantes de desvios de armas nos dois países.

Mortos pelas próprias armas
A pesquisa revela que, em outubro de 2006, os guerreiros da região de Karamoja, ao norte de Uganda, mataram a tiros 16 soldados ugandenses que estavam dirigindo operações de desarmamento compulsório na região. O estudo sugere que alguns desses soldados podem ter sido mortos por balas que eram destinadas para seu próprio uso.

No Rio de Janeiro, segundo a pesquisa, 52 policiais foram mortos em serviço no ano de 2004. A evidência apresentada indica que alguns deles podem ter sido mortos por balas originalmente fornecidas para suas próprias forças. "O estudo descobre que uma quantidade significativa de munição apreendida pela polícia dos criminosos é do mesmo tipo da usada pela polícia do Rio de Janeiro", revela um dos trechos do trabalho.

"Para a análise, uma seleção da munição é tomada como amostra para ser comparada com a munição da força de segurança de mesmo calibre e mesma origem. Cada estudo utiliza as marcações em cartuchos individuais de munição para determinar o ano de fabricação e a fábrica em que a munição foi produzida. Os dados neste 'selo' são então usados para criar perfis de munição nas mãos dos diversos grupos e fazer comparações entre eles", explica o pesquisador Pablo Dreyfus.

Alemão é uma das favelas mais bem armadas
Nas operações realizadas pela polícia do Rio, um dos maiores objetivos é quebrar esse poderio bélico do tráfico. Um dos grandes desfalques foi realizado no conjunto de favelas do Alemão, em Bonsucesso, no subúrbio do Rio, em junho, de onde, cogita-se, partiu o tiro de fuzil que atingiu a cabeça do agente Eduardo Henrique Mattos, 35 anos, no último dia 9. Integrante da tropa de elite da Polícia Civil, a Core, ele estava em um helicóptero dando cobertura à operação no Morro do Adeus, em Ramos, nas proximidades do Alemão, quando foi morto.

"Não tenho dúvidas de que o tiro partiu de lá (do Alemão, e não do Morro do Adeus, ao lado, onde o helicóptero dava apoio a uma equipe em terra). Foram tiros de saturação, como chamamos, quando várias pessoas disparam no mesmo objetivo, mesmo alvo. Nesse caso, o helicóptero, onde o Eduardo estava. Uma dessas balas atingiu o Eduardo, que quando foi baleado não estava na porta de tiro, mas do lado oposto, virado para o Alemão. E quem atirou, nem sabe que acertou", garante o delegado da Core, Rodrigo Oliveira, calculando a distância, já que a bala de fuzil ficou alojada no crânio da vítima. "Se fosse de perto, teria estourado a cabeça dele".

Policial experiente, à frente das mais importantes operações realizadas pela polícia do Rio, Rodrigo se emociona ao lembrar do amigo. Na semana anterior à morte do colega, ao ser atingido por um tiro de raspão no pescoço, durante operação na Favela da Coréia, em Senador Camará, na Zona Oeste, foi Eduardo, do helicóptero, que conseguiu impedir a aproximação dos traficantes e resgatar o chefe da Core.

Rodrigo descarta a possibilidade do disparo ter sido feito por Fábio Brum Camargo, o Carão, 24, que está internado no Hospital Salgado Filho, no Méier, na Zona Norte. Com ferimentos no maxilar, ele está preso sob custódia. Fábio disse que caiu da laje de uma casa no Morro do Adeus, em Ramos, durante a troca de tiros, e teria confessado ser o autor da execução do agente Eduardo.

Desvio de munição abastece arsenal do tráfico nas favelas. Investigações mostram que corrupção mantém traficantes bem armados. 'Banda podre' ajuda a matar os próprios colegas de profissão.

Fonte:

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Por:  Alexandre Costa Pereira    |      Imprimir