Categoria Geral  Noticia Atualizada em 18-11-2007

Chávez propõe revisão geral da Constituição
Presidente da Venezuela quer reduzir jornada de trabalho e aumentar reeleição. Referendo acontecerá em 2 de dezembro.
Chávez propõe revisão geral da Constituição
Foto: Reuters

Em duas semanas, a Venezuela provavelmente irá começar um extraordinário experimento em socialismo centralizado e movido a petróleo. Por lei, o dia de trabalho seria cortado para seis horas. Vendedores de rua, donas-de-casa e empregadas teriam pensões do estado. E o presidente Hugo Chávez teria poderes significativamente ampliados e poderia ser reeleito pelo resto de sua vida.

Uma revisão completa da Constituição, cuja aprovação é esperada para o referendo em 2 de dezembro, está impulsionando a popularidade de Chávez entre pessoas que se beneficiariam disso e também recebendo desdém por parte de economistas que declaram que isso é demagogia.

Sinalizando nova instabilidade no país, um desacordo também está surgindo entre seus ex-comandados, um dos quais afirma que o presidente está armando um golpe populista.

"Há uma perversa subversão de nossa constituição a caminho", afirmou o general Raul Isaias Baduel, ministro de defesa aposentado e ex- confidente de Chávez que rompeu relações com o presidente este mês, numa surpreendente guinada para a oposição. "Isto não é uma reforma", disse Baduel em entrevista esta semana. "Eu classifico a manobra como um coup d'etat [golpe de estado]".

Os partidários de Chávez já controlam a assembléia nacional, a suprema corte, quase todos os governos estaduais, as indústrias de eletricidade e de petróleo. Em breve eles poderão controlar ainda mais. Mas esta é uma que seria revolução que teria a aprovação dos eleitores. Embora as pesquisas de opinião na Venezuela ainda estejam manchadas pela parcialidade, elas sugerem que o referendo será o teste eleitoral mais próximo desde que a presidência de Chávez teve início, em 1999, e ele pode muito bem se sair bem sucedido nesse teste.

"Estamos testemunhando uma tomada e redirecionamento do poder por meios legítimos", disse Alberto Barrera Tyszka, co-autor de uma biografia de Chávez que é best-seller. "Isso não é uma ditadura, mas algo mais complexo: a tirania da popularidade".

Uma das 69 emendas permite que Chávez crie novas regiões administrativas, governadas por vice-presidentes escolhidos por ele. Críticos afirmam que as reformas também mudariam os fundos de estados e cidades, em que um punhado de autoridades eleitas ainda faz oposição a ele, passando-os para conselhos comunitários, novas entidades governamentais locais que são predominantemente pró-Chávez.

Entrevistas realizadas durante esta semana nas ruas de Maracaibo, a segunda maior cidade da Venezuela, deram uma idéia da força dos seguidores de Chávez e dos desafios propostos por seus críticos. Aqueles que apóiam o presidente, muitos dos quase são funcionários públicos numa estrutura burocrática que recentemente sofreu grande expansão, lotaram os bairros pobres fazendo campanha pela revisão da constituição.

"O comandante deveria ter mais poder porque ele é a força por trás da revolução", disse Egda Vilchez, 51 anos, uma ativista pró-Chávez enquanto fazia campanha em favor de um novo decreto esta semana no movimentado cruzamento de Cacique Maria, uma área de favelas na região leste de Maracaibo. Tais afirmações podem soar dogmáticas, mas elas são repetidas em campanhas organizadas com um fervor que não encontra paralelo em áreas ricas das maiores cidades da Venezuela, de onde vem a maior parte da oposição a Chávez.

Aparte do crescente movimento estudantil, que fez protestos cada vez mais desafiadores nas últimas semanas, as classes média e alta parecem estar em grande parte resignada quanto ao resultado do referendo, que tem menos a ver com o apoio específico de Chávez a certas questões do que com o apoio que Chávez recebe por parte dos menos favorecidos. Em comentários após um encontro de líderes latino Americanos este mês no Chile, Chávez expôs seu projeto em linguagem simples.

"A Venezuela capitalista está entrando em seu túmulo", disse ele, "e a Venezuela socialista está nascendo". Realmente, a imagem socialista permeia o país, de camisetas vermelhas usadas por Chávez e seus seguidores aos hinos de "Pátria amada, socialismo ou morte!", repetidos ao fim dos comícios.

Mas, quando se entra num mercado local se obtém uma visão diferente das mudanças que estão ocorrendo na Venezuela. Juntamente com controle de preços que impede os fazendeiros de produzir certos alimentos básicos com lucratividade, a renda crescente dos venezuelanos mais pobres fez com que as gôndolas de supermercado que continham itens como leite e ovos ficassem vazias. Tal desequilíbrio afeta economias baseadas em petróleo em toda parte, sendo que a receita proveniente do petróleo fazendo com que muitas vezes seja mais barato importar bens do que produzi-los no próprio país. Mas o sistema que Chávez está criando talvez seja único: um híbrido de empreendimentos apoiados pelo estado e capitalismo selvagem no qual a venda de 500 mil automóveis é estimada para este ano.

Aqui não há o autoritarismo que seria de se esperar de um país em que cartazes promovendo Chávez proliferaram do ano passado para cá. Pairando sobre o Centro San Ignacio, um shopping center sofisticado, está uma imagem do presidente abraçando uma criança enquanto explica o funcionamento de sua revolução. Outros cartazes mostram Chávez beijando uma senhora de idade, condecorando formandos numa academia militar e abraçando um aliado, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.

Sob essas imagens, a falta de ordem persiste nas ruas, refletindo um estado repleto de dinheiro advindo do petróleo, mas fraco quando o assunto é encarar problemas sistêmicos, como os crimes violentos. O país teve 9.568 homicídios nos primeiros nove meses do ano, um aumento de 9% em relação ao mesmo período no ano passado.

Enquanto isso, as empresas privadas locais estão numa posição desconfortável ao lucrar com uma economia em expansão mesmo que muitas delas temam o que está pro vir. Seus temores são ilustrados pela acelerada evasão de capital que fez com que a moeda do país, o Bolívar, tenha sofrido uma grande queda em comparação ao dólar desde que Chávez propôs a revisão da constituição em agosto.

Poucos detalhes foram divulgados sobre como o governo de Chávez implementaria medidas como o dia de trabalho de seis horas ou como financiaria o novo sistema de previdência social e isso não ajudou muito no sentido de estabelecer confiança econômica. A Fedecamaras, a maior associação comercial do país, está incentivando os eleitores a se oporem ao novo decreto "de todas as formas legais possíveis".

As propostas também revelaram divisões bem nítidas entre os próprios partidários do presidente, simbolizadas pela crítica incisiva de de Baduel, que ajudou a recolocar Chávez no poder após um breve golpe em 2002. Marisabel Rodriguez, a ex-mulher do presidente e ex-primeira dama, manifestou-se contra o decreto esta semana, afirmando que a medida levaria a uma "concentração absoluta de poder". E anteriormente, governadores chavistas como Ramon Martinez, do estado de Sucre, percebendo que seu poder seria diminuído, já haviam começado a criticar as medias.

Sob o decreto, os limites de mandato seriam abolidos apenas para o presidente, não para governadores e prefeitos. Outro item aumenta o limite para a coleta de assinaturas para que seja garantido um voto para revogar o mandato do presidente protegendo-o assim da opção de contestar seu poder que os eleitores têm garantida pela atual constituição, datada de 1999.

Outras medidas desse projeto são consideradas progressistas tanto por críticos de Chávez e quanto por sua base política, que inclui oficias militares esquerdistas, acadêmicos e funcionários civis, além de uma ampla porção de pobres de zonas urbanas e rurais. A idade de votação neste país demograficamente jovem, por exemplo, seria diminuído de 18 para 16. A discriminação baseada em orientação sexual seria proibida. Muitos dos itens são formulados de maneira vaga, no entanto, como aquele que dá ao presidente o poder de criar "cidades comunitárias".

"Existem aspectos claramente positivos nas reformas, porém o governo cometeu um erro político ao tentar apressar os eleitores sem discussão suficiente", afirmou Edgardo Lander, sociólogo da Universidade Central de Venezuela, que é, em linhas gerais, favorável a Chávez. "A oposição pode argumentar que isso é ilegítimo caso seja aprovado por uma margem muito pequena".

Chávez, que recentemente deu a entender que pretende permanecer no poder até 2031, também pode estar se preparando para resistência se a receita advinda do petróleo se mostrar insuficiente para financiar suas ambições. Uma das reformas permite que ele declare estados de emergência durante os quase pode censurar estações de televisão e jornais.

"Chávez quer eliminar qualquer desafio ao seu governo para que possa governar a Venezuela pelo resto da vida", afirmou em entrevista Manuel Rosales, governador do estado de Zulia e o maior oposicionista de Chávez nas eleições presidenciais do ano passado, de seu escritório em Maracaibo.

Chávez propõe revisão geral da Constituição. Presidente da Venezuela quer reduzir jornada de trabalho e aumentar reeleição. Referendo acontecerá em 2 de dezembro.

Fonte:

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Por:  Felipe Campos Estevão de Freitas    |      Imprimir