Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 23-02-2008

CARTíO CORPORATIVO PARA TODOS
Seguindo a lógica deste benefício e a prédica da igualdade social que parte desse governo, deveríamos supor que o correto seria acrescentar ao salário mínimo da empregada doméstica, por exemplo, um crédito para a aquisição de tudo o que ela necessita para
CARTíO CORPORATIVO PARA TODOS

Milhares e milhares de servidores públicos de todas as instâncias administrativas têm à sua disposição, além do salário considerado dezenas de vezes maior que as funções equivalentes na iniciativa privada, um cartão que lhes permite cobrir os gastos inerentes à sua prestação de serviços. Senadores, deputados, ministros, assessores, gestores, secretários e muitos outros podem, por exemplo, alugar carros, pagar passagens aéreas e diárias em hotéis, comprar o que acharem necessário à sua boa apresentação e ao seu conforto, tudo pago pelo dinheiro público.

Notícias recentes trouxeram à tona alguns gastos com o cartão corporativo que são no mínimo estranhos: um gastou numa loja de tapioca, outro em lojas de roupas, uma outra conseguiu gastar quase quinhentos reais num freeshop, o que é realmente um mérito em criatividade. Tudo isso nos leva a pensar no limite entre o que é realmente necessário no trabalho desses servidores e o que é luxo despropositado, caixa-dois ou abono ilegal.

Seguindo a lógica deste benefício e a prédica da igualdade social que parte desse governo, deveríamos supor que o correto seria acrescentar ao salário mínimo da empregada doméstica, por exemplo, um crédito para a aquisição de tudo o que ela necessita para trabalhar bem. Imaginemos: ela receberia, além dos quatrocentos e poucos reais que recebe, o equivalente a viagens de táxi de sua casa ao local do trabalho, alegando que ir de ônibus provoca estresse e prejudica a produtividade (logo, obviamente cessaria o desconto daquela parte de seu salário para a compra de vale-transporte); ela teria, de vez em quando, o direito de tomar um banho de loja por conta da patroa para ir trabalhar com um visual mais arrojado; poderia também decidir comprar a vassoura, o uniforme e as panelas que ela quisesse, custassem quanto custassem, além de mandar decorar o quartinho-de-empregada com as cores da moda; poderia ainda levar, de vez em quando, os fornecedores da residência (o carteiro, o lixeiro, o transportador do supermercado a manicure da patroa) para jantar na melhor churrascaria da cidade, alegando que é importante manter boas relações institucionais, para zelar pelo nome da família; e, enfim, poderia tirar todo dia uma boa gorjeta na boca do caixa, só de luxo, para a cervejinha de depois do expediente. Para manter a transparência, todos esses gastos seriam postados no blog da cozinha, sem qualquer necessidade de apresentar notas fiscais e de dar maiores explicações...

A teoria do Estado moderno supõe, como parte essencial da sua filosofia, a burocracia. Dizem os positivistas de plantão que, em si mesma, a burocracia é boa, que não há problema com ela, e que só temos que acabar com os excessos de burocracia, que podem vir a travar os processos e impedir que as forças das estruturas fluam rumo aos objetivos da organização. Acontece que, no modelo de Estado que temos no Brasil, a "boa burocracia" só consegue dar conta de investigar e de tentar punir a "má burocracia"; não faz nada a mais do que isso. Fico pensando, quando ouço as autoridades defenderem a "preservação das instituições democráticas": para que? se essas instituições ditas democráticas até agora não começaram a trabalhar pelo povo, que lhe dá etimologia e sentido? Karl Marx acreditava que a verdadeira liberdade para todos só aconteceria quando esse tipo de Estado fosse completamente desmantelado. Até aí eu concordo com ele: será inevitável o desaparecimento desse tipo de Estado, que vai se consumindo e se desgastando de escândalo em escândalo de corrupção, cortando da própria carne para alimentar a própria fome. Mas discordo do que colocar em seu lugar. Na prática, os esquerdistas, tanto quanto os direitistas, só conseguiram mudar o tom e a cor do problema. Privilégios, propinas, tráficos de influência, desvio de verbas estão debaixo do céu desde que o mundo é sociedade.

Juliano Ribeiro Almeida

Fonte: O Autor
 
Por:  Juliano Ribeiro Almeida    |      Imprimir