Categoria Politica  Noticia Atualizada em 31-03-2008

Falido, governo da Somália vive estado crítico
Radicais milicianos têm ganhado recrutas, dominando cidades e ficado mais ousados. Sem dinheiro, governo fica impotente para combater situação caótica
Falido, governo da Somália vive estado crítico
Foto: New York Times

Os problemas começaram quando os soldados do governo foram ao mercado e, apontando armas, começaram a se servir dos sacos de grãos.Insurgentes islâmicos correram para as ruas em defesa dos mercadores. As tropas do governo foram golpeadas, sofrendo baixas pesadas e se retirando de volta para o palácio presidencial, supostamente o local mais seguro da cidade. Mas ele também foi alvo de ataque armado.

Campo de refugiados dos conflitos na Somália (Foto: New York Times)Mohamed Abdirizak, um alto oficial do governo, está agachado numa sacada do palácio, com balas passando sobre sua cabeça. Ele acaba de desistir e uma vida confortável como consultor de desenvolvimento nos EUA. Sua esposa achou que ele estava louco. Sua testa tinha gotas de suor. "Sinto que a situação está ficando insustentável", afirmou.

Segundo sua própria avaliação, o governo de transição da Somália está na UTI. Quando chegou à capital há 15 meses, apoiado por milhares de soldados etíopes, ele foi aclamado como a melhor chance em anos de se de terminar o ciclo de guerra, caos e sofrimentos na Somália.

Menos de um terço dos soldados da União Africana que haviam sido prometidos chegou ao país e as nações Unidas não querem enviar forças de pacificação num futuro próximo e mesmo os etíopes estão se envolvendo menos, muitas vezes deixando a defesa do governo para confusos adolescentes somalis com armas de má qualidade.

Radicalismo e negociação
Os islamitas têm ganhado recrutas, dominando cidades e ficado mais ousados. O novo primeiro ministro, Nur Hassan Hussein, tem tentado fazer contato com eles e alguns são receptivos. Mas ainda não está claro se ele terá o poder dentro de seu próprio governo dividido de fazer um acordo de paz significativo antes que seja tarde demais.

O fracasso que paira sobre a nação está fazendo com que as pessoas daqui e do exterior questionem a estratégia de se instalar um governo provisório à força. Em dezembro de 2006, tropas etíopes, auxiliadas pela inteligência dos EUA, depuseram o governo islamita que controlou Mogadíscio por algum tempo, fazendo o governo de transição à cidade pela primeira vez.

O governo Bush declarou que estava preocupada quanto a terroristas usando a Somália como refúgio. A caçada a eles continua. Um recente míssil americano voltado contra um suspeito de terrorismo na Somália errou o alvo, ferindo vários civis e incitando protestos.

Sobrevivência
Em semanas recentes, os islamitas derrotaram os líderes de milícias e militares que haviam sido absorvidos pelas forças governamentais, mas cujas táticas predatórias, como saquear comida, estão minando o pouco progresso que líderes transitórios fizeram. Após 17 anos de guerra civil, a violência na Somália parece ser impulsionada nem tanto por ódio ente clãs, ideologia ou religiosidade, mas por algo muito mais simples: sobrevivência.

"Nós não recebemos salários há oito meses", afirmou um soldado do governo chamado Hassan. "Nós roubamos as pessoas para que possamos comer".

O primeiro ministro não negou que as tropas do governo estejam roubando civis. "Este é o maior problema que temos", declarou ele numa entrevista em março passado.

Falido
Mas ele disse que não tem dinheiro para pagar por eles. A cada mês, mais da metade da receita do governo, em sua maioria advinda de tarifas portuárias, desaparece – roubada "pela nossa gente", segundo declarou o primeiro ministro.

Isso deixa Nur com cerca de US$ 18 milhões (cerca de R$ 31 milhões) de verbas governamentais ao ano para administrar um estado falido de 9 milhões de habitantes que estão entre as pessoas mais necessitadas e traumatizadas do mundo. "Estado falido" talvez seja um termo generoso demais. Em muitos sentidos, a Somália não é um estado, mas um espaço sem governo entre seus vizinhos e o mar.

Muitos dos mesmos fatores que se alinharam no início da década de 90 para dar origem à fome estão ocorrendo novamente – guerra, seca, fuga de residências, preço exorbitante dos alimentos e trabalhadores que forneciam auxílio à população desistindo de suas funções. O programa de alimentação das Nações Unidas declarou na última quinta-feira, num aviso intitulado "A Somália fundando cada vez mais num abismo de sofrimento" que o país era o mais perigoso do mundo para trabalhadores assistenciais.

A maioria dos somalis não discute isso. Eles afirmam que Mogadíscio está mais violenta do que nunca, com bombas ao longo das estradas, milícias trocando tiros pelos bairros, médicos sendo baleados na cabeça e crianças de 10 anos de idade atirando granadas. Oficiais da polícia afirmam que muitos insurgentes são na verdade crianças famintas pagas com um alguns dólares por seu trabalho.

‘Mad Max’

Na zona cada vez menor que o governo controla no sul da Mogadíscio, alguns edifícios receberam uma nova demão de tinta. Novos formulários de imigração nos aeroportos perguntam aos viajantes seus nomes, objetivo da viagem e calibre da arma que estão portando. Meninas usando bandanas brincam com bolas de basquete no ginásio. Homens vendem peixe à beira mar. Uma pulsação de vida continua.

Mas a região norte de Mogadíscio é outra história. "É como se fosse Mad Max por lá", afirmou Abdi Awaleh Jama, um embaixador designado em missão especial, apontando a partir do palácio presidencial em direção ao norte para as cabanas e ruínas que se estendem na distância.

Ao som do "Rá tá tá tá" de metralhadores, as pessoas estão começando a ouvir os sinos fúnebres do governo. Muitos residentes têm opiniões conflitantes sobre isso. Eles reclamam que o governo deu poder a líderes de milícias armadas. E afirmam, quase sem exceção, que as coisas estavam melhores sob o governo dos islamitas. Mas eles temem o que irá acontecer no futuro.

"Estamos ficando viciados em anarquia", afirmou Dahabo Abdulleh, vendedor de combustível.

Política
Nur, um ex-oficial do crescente vermelho que se tornou primeiro-ministro em novembro, está tentando separar os islamitas moderados dos militantes e fazer com que negociem. Ele está fazendo concessões aos líderes empresariais, de quem se suspeita que financiem os islamitas a partir de alianças com clãs, o que permite que eles formem sua própria força protetora. Autoridades das Nações Unidas estão tentando melhorar as perspectivas de Nur ao conceder US$ 14 milhões (quase R$ 25 milhões) para o pagamento de salários de funcionários chave do governo e para que se consertem alguns ministérios.

"Isso é urgente", afirmou William Paton, coordenador em exercício das Nações Unidas na Somália. "Eles estão numa situação extremamente delicada".

Fonte:

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Por:  Giulliano Maurício Furtado    |      Imprimir