Categoria Politica  Noticia Atualizada em 04-04-2008

40 anos após King, negros têm ascensão política nos EUA
Para David Garrow, desigualdade econômica acompanha ascensão social
40 anos após King, negros têm ascensão política nos EUA
Foto: AFP

Quarenta anos após a morte do líder Martin Luther King, os negros americanos têm uma crescente representatividade política mas sofrem com a desigualdade econômica. Além disso, os movimentos organizados – vários deles criados pela luta de King – perderam muito de sua força.

Esta é a opinião do historiador americano David Garrow, de 55 anos, autor de "Bearing the Cross: Martin Luther King, Jr., and the Southern Christian Leadership Conference", biografia do líder do movimento negro. A publicação do livro em 1987 rendeu a Garrow o cobiçado Prêmio Pulitzer.

Atualmente professor na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Garrow conversou com o G1, por telefone, sobre o legado deixado Martin Luther King. Nesta sexta-feira (4) faz 40 anos que King foi assassinado em um hotel na cidade de Memphis, no Tennessee, nos Estados Unidos. Leia abaixo a entrevista:

G1 - Para a população negra, quais são as diferenças dos Estados Unidos de hoje para aquele de Martin Luther King, 40 anos atrás?

David Garrow: Em minha opinião, a diferença fundamental é sócio-econômica. Uma parte significativa da classe média americana é formada hoje por famílias negras, algo impensável quatro décadas atrás.

Este movimento começou timidamente nos anos 1970, com o surgimento de alguns homens de negócio negros de sucesso, e explodiu dos anos 1980 em diante. Eu acredito que isso se deve em grande parte à aprovação da Lei de Direitos Civis de 1964, que proibiu a discriminação por questões de raça.

Sem ela, duvido muito que veríamos hoje figuras negras de destaque, como o senador Barack Obama, a apresentadora de TV Oprah Winfrey ou o juiz da Suprema Corte Clarence Thomas.

No entanto, permanece uma similaridade importante com aquela época: a maior parte da população americana pobre também é formada por negros, especialmente nas grandes cidades. Isso também acontece com os presidiários. A desigualdade econômica passou a ser uma das marcas da população negra nos EUA.

G1 - Teria sido então a Lei de Direitos Civis a principal vitória de Martin Luther King?

David Garrow: Ela teve uma importância fundamental: ajudou a mudar a própria estrutura da sociedade americana. No entanto, eu colocaria pelo menos outras duas realizações no mesmo patamar: a Lei do Direito ao Voto e o próprio exemplo pessoal de King.

Através de sua luta e dedicação, ele mostrou como deveria ser erguida a bandeira de uma causa. Ele mostrou que uma pessoa comum pode lutar, e prevalecer. Nesse sentido, sua influência foi incrível, muito além das próprias fronteiras americanas.

G1 - Você acredita que ele tenha servido de inspiração para outros movimentos?

David Garrow: Sem dúvida. Luther King mostrou para muitas minorias o caminho que deveria ser seguido: organização e agrupamento para ganhar visibilidade.

Talvez o caso mais conhecido seja o dos movimentos pelos direitos gays. No início, os líderes dos grupos homossexuais muitas vezes eram apelidados como "Martin Luther Queer" (queer, em inglês, significa gay) ou "Martin Luther Queen" (rainha). Mais recentemente, o movimento pelos direitos dos latinos está seguindo o mesmo caminho indicado por King.

G1 - No caso da Lei do Direito ao Voto, porque ela foi tão importante?

David Garrow: Porque ela não só proporcionou a possibilidade dos negros votarem em candidatos próprios como também alterou toda a estrutura dos movimentos negros nos EUA.

No final dos anos 60, quando King foi assassinado, havia algo em torno de 100 representantes eleitos negros nos poderes Executivo e Legislativo americanos. Hoje, esse número está na casa dos 10 mil e permite até a eleição de outras minorias. Recentemente, tomou posse o primeiro representante islâmico ao Congresso (o democrata negro Keith Ellison).

Isso acabou mudando dramaticamente a situação dos movimentos negros. Antes, eles eram os representantes dos negros; agora, a população negra pode eleger seus representantes através das urnas. Com isso, os grupos passaram a ser vistos por alguns como desnecessários e perderam muito de sua força.

Hoje, a maioria dos grupos alterou seu foco para questões econômicas ou religiosas, especialmente no caso dos muçulmanos negros, ao invés de lutar por direitos civis. Aliás, o próprio King já havia feito essa mudança, principalmente após 1966. A nova classe média negra fica assim à margem dessa batalha.

G1 - Como entender a ascensão do pré-candidato democrata Barack Obama neste quadro?

David Garrow: Curiosamente, acredito que o grande segredo do sucesso de Obama é que ele não teve um discurso restrito à população negra, como outros candidatos anteriores – Jesse Jackson, por exemplo – que alienavam a população branca.

Obama se apresenta como um candidato muito mais universalista: ele diz falar em nome de todas as pessoas, não apenas os negros. Isso é fundamental para o sucesso de um candidato com nome afro-islâmico e uma ascendência estrangeira, que à primeira vista poderia assustar o eleitorado americano médio. Esse próprio discurso mais abrangente e menos focado na questão negra fez com que Obama demorasse um pouco para ser aceito pelos grupos organizados negros.

G1 - Algumas das questões mais debatidas pelo movimento negro hoje - tais como a integração ou não com a população branca e as ações afirmativas – já eram relevantes na época de King?

David Garrow: No caso da integração, sim. King, de modo geral, foi um defensor dessa postura, ao contrário de outros grupos mais radicais que pregavam que a separação era necessária, porque na visão deles apenas os negros deveriam resolver os problemas dos negros.

Já a questão das ações afirmativas – especialmente as cotas em universidades – só começou a ganhar importância mais tarde. É difícil imaginar como King teria se posicionado em relação a elas; o que é possível dizer é que ele era simpático ao conceito de reparações históricas – um dos principais argumentos usados pelos defensores da ação afirmativa para justificar a criação de cotas para negros nas universidades.

G1 - Após 40 anos, é possível dizer que a grande ambição de Martin Luther King – expressa em seu discurso "eu tenho um sonho" – virou realidade?

David Garrow: Infelizmente, ainda não. O sonho de King ia muito além de uma ascensão social dos negros: ele tinha a visão de uma sociedade integrada, onde negros e brancos pudessem conviver de modo pacífico. Estamos muito longe disso ainda.

40 anos após King, negros têm ascensão política nos EUA, diz biógrafo
Para David Garrow, desigualdade econômica acompanha ascensão social.
Grupos de pressão perderam força ao longo do tempo, segundo historiador.

Fonte: Marcelo Cabral

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Por:  Alexandre Costa Pereira    |      Imprimir