Categoria Geral  Noticia Atualizada em 16-05-2008

Liberação de sambas de Noel Rosa divide artistas
O sambista de Vila Isabel, vitimado pela tuberculose em 1937, é um dos primeiros compositores populares do país a cair em domínio público.
Liberação de sambas de Noel Rosa divide artistas
Foto: http://www1.folha.uol.com.br

Desde o primeiro dia do ano, Noel Rosa é do povo. Segundo a lei brasileira dos direitos autorais, os herdeiros de um compositor deixam de receber pela sua obra no ano que sucede o 70º aniversário da morte do artista. O sambista de Vila Isabel, vitimado pela tuberculose em 1937, é um dos primeiros compositores populares do país a cair em domínio público.

Tecnicamente, isso significa que qualquer pessoa pode fazer uso dos 108 sambas que Noel escreveu sozinho sem se preocupar com o Ecad, órgão que cuida da arrecadação dos direitos autorais das obras protegidas. Entre eles, estão os sucessos "Com que Roupa", "Fita Amarela" e "Três Apitos".

A regra não vale para "Conversa de Botequim", "Pierrot Apaixonado", "Pastorinhas" e tantas outras canções que Noel escreveu com parceiros que morreram há menos de 70 anos (neste caso, as famílias de Noel e dos parceiros seguem administrando e recebendo pelo uso das músicas). No total, o Poeta da Vila compôs 259 temas, número impressionante para alguém que viveu só 26 anos.

Co-autor da biografia que catalogou os sambas de Noel ("Noel Rosa: Uma Biografia", com João Máximo), Carlos Didier chama atenção para o "sentido belo no domínio público". "A turma só pensa em grana. O sentido seria: volta ao povo o que do povo nasceu."
O fato inspirou Ronaldo Lemos, professor da Fundação Getúlio Vargas e diretor do Creative Commons, a bolar "Noel, Domínio Público: Recriando, Remixando, Disseminando". O projeto, que deve tomar corpo no próximo semestre, pretende reunir um grupo heterogêneo de artistas novos para reler o repertório de Noel não mais protegido por lei.

O material será gravado em CD e encartado com um livro e um DVD-R com todas as faixas de áudio abertas, prontas para remixagens do público. Tudo isso também estará na internet. O Sesc, parceiro da empreitada, ainda abrigará um show reunindo os músicos envolvidos.

Soa bastante ambicioso. Mas Lemos não acredita que o projeto possa gerar uma febre de Noel Rosa ou mesmo a superexposição de sua obra. "A avalanche de informações e de conteúdo disponível faz com que a atenção das pessoas fique totalmente dispersa. Não fosse essa iniciativa, é possível que ninguém nem tivesse percebido que sambas do Noel já estão em domínio público", afirma.

Dylan brasileiro

Escalado para a direção artística, o cantor e compositor Lucas Santtana crê que o projeto possa levar Noel aonde ele ainda não chegou. "A geração da Mallu Magalhães conhece Bob Dylan, mas não conhece Noel Rosa, cujas letras são tão atuais, sarcásticas e críticas da sociedade moderna quanto as de Dylan. A intenção é tirar Noel do pedestal e colocá-lo novamente na rua, lugar que foi inspiração para toda a sua obra."

Dentre os nomes de músicos e bandas que estão sendo cogitados para integrar "Noel, Domínio Público", constam os dos paulistanos Curumin e Hurtmold, do gaúcho Marcelo Birck, do paraense La Pupuña, do alagoano Wado e do cearense Cidadão Instigado.

Fernando Catatau, do Cidadão, diz que se for chamado para participar dará o seu melhor ("Até porque não quero ninguém puxando meu pé quando estiver dormindo"), mas se vê numa posição contraditória.

"Não gosto da idéia de ouvir as faixas dos meus ídolos abertas. Perde a magia. Não quero ouvir só a guitarra do Jimi Hendrix. Aquilo só faz sentido para mim com a gangue dele tocando."

Beth Carvalho, que acaba de participar de um concerto calcado no repertório de Noel, considera válida qualquer iniciativa de se perpetuar suas criações. "Sempre vão existir deturpações. Mas ele era tão genial que fica difícil alguém conseguir estragá-lo", diz. Ela só lamenta que a família do sambista não vá mais receber os direitos autorais. Acha que as composições nunca deveriam cair em domínio público.

"Grande bobagem"

Já o compositor, cantor e escritor Nei Lopes não vê com bons olhos a idéia de "reconstruir" sambas de Noel. "Me parece uma grande bobagem, principalmente por se tratar de uma obra sempre atual e irretocável. Isso é fruto de um certo pensamento (no fundo, racista) de que samba é algo menor, velho, passadista, pobre, que não evolui, quando as evidências estão aí mostrando que, desde 1917, o nosso gênero-mãe se renova quase a cada década", diz. E indaga: "Numa hora dessas como é que fica o tombamento do samba realizado pelo Ministério da Cultura?".

Ciente de que o projeto gerará debate e manifestações como a de Lopes, Ronaldo Lemos lembra que "o próprio Noel criou muita coisa bacana porque trafegava entre vários mundos musicais diferentes no começo do século passado. Quanto mais a obra dele trafegar entre mundos diferentes, maior será a homenagem".

Santtana já deu uma contribuição informal transformando "Com que Roupa" num hino de exaltação ao Flamengo. Sobre a melodia, ele criou versos para incentivar o clube carioca na Taça Libertadores da América. Antes da aprovação do presidente das torcidas organizadas, o time foi eliminado do torneio. O músico ficou só com o sonho. "Já pensou? O Maracanã lotado cantando Noel?".

Liberação de sambas de Noel Rosa divide artistas.

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Por:  Felipe Campos    |      Imprimir