Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 18-08-2008

DORMINDO AO SOM DE CAYMMI
Para mim, a morte de Dorival Caymmi significa que mais um peda�o do meu passado � definitivamente colocado para tr�s
DORMINDO AO SOM DE CAYMMI

Tudo nessa vida chega ao fim, e com Dorival Caymmi n�o poderia ser diferente. Afinal, foram mais de nove d�cadas de vida. N�o, leitor(a), n�o se entedie por antecipa��o. Isso n�o � mais um obitu�rio do famoso cantor/compositor, de quem - confesso - n�o sei muito, a n�o ser por algumas de suas m�sicas e pelo seu famoso ar de indol�ncia permanente, que tantas piadas renderam ao longo dos anos.

Para mim, a morte de Dorival Caymmi significa que mais um peda�o do meu passado � definitivamente colocado para tr�s. Explico: quando eu era um beb�, em meados do s�culo passado, meu pai costumava me ninar ao som de m�sicas populares da �poca. A repetitiva exposi��o a algumas letras aceleravam meu processo de compreens�o e eu, que come�ava a falar, rapidamente comecei a question�-lo sobre algumas delas.

No fim das contas, o processo de dormir ao som de m�sica se tornou um exerc�cio complicado para meu pai, que na esperan�a de que eu dormisse rapidamente ao som de sua voz, tinha que encontrar palavras simples para responder �s minhas perguntas sobre o que eu ouvia.

Uma das m�sicas que ele cantava para mim era justamente "Maracangalha", um nome que eu achava muito engra�ado. Mesmo com quase dois anos, aquele som me remetia a alguma coisa quebradi�a, e a letra me remetia imediatamente ao sol gostoso que fazia nas manh�s em que minha m�e me colocava para brincar na pequena varanda do nosso apartamento alugado no Posto 6, ou me levava � praia, pertinho do Forte de Copacabana, na reta do Canal 13.

O chap�u de palha que meu pai cantava era f�cil de ser decifrado: eu tinha um, gigante, que fazia a divers�o de meu pai e sua m�quina fotogr�fica. Uma coisa me intrigava: como seria An�lia? Imaginava uma mulher exuberante, mas n�o tinha certeza do que fazer com ela - ainda - e porque deix�-la para tr�s, se ela n�o quisesse ir para a tal Maracangalha?

Outra can��o que costumava dar encrenca era "Helena, Helena". N�o era de Caymmi, mas era uma letra que me deixava angustiado, em �ltima an�lise, embora eu n�o tivesse como expressar esse sentimento para meu pai, especialmente na hora de dormir, sem falar ainda em outro detalhe: quem sabe a letra n�o mudaria naquela noite? O que me angustiava eram quest�es b�sicas. Por que meu pai teria chegado em casa e n�o encontrado Helena l�? Ali�s, quem era Helena? E por onde ela teria andado, dando motivo de tanta preocupa��o a meu pai? Meu pai n�o me explicava quem era Helena. Apenas me dizia depressa, entre um verso e outro, sem perder o ritmo, que aquilo era s� uma m�sica, e continuava cantando. Eu acabava dormindo na ilus�o de que meu pai ficaria mesmo acordado at� a manh� seguinte pedindo a Helena que viesse consol�-lo. Afinal de conta, com menos de dois anos de idade, eu n�o tinha o mesmo pique dele.

Mas. voltando a Dorival Caymmi: a sua voz grave era algo que me chamava aten��o, "para o bem e para o mal". Durante o dia, quando eu o ouvia no r�dio, sua voz era sin�nimo de energia para mim - n�o me pergunte a raz�o. Deve ter alguma coisa a ver com as melodias cativantes, com o vigor da era JK, n�o sei. Mas � noite, quando a TV Tupi estava encerrando seus trabalhos, geralmente por volta de meia noite, era colocada uma m�sica cantada por ele - n�o me lembro qual � - justo antes do sinal sair do ar. Era algo verdadeiramente fantasmag�rico, que eu detestava ver e ouvir. Muitas vezes, a m�sica era cortada no meio e entrava aquele barulh�o do chuvisco em preto e branco, bastante amedrontador.

Isso, � claro, facilitava as coisas para minha m�e, que nos dias em que eu cismava de ficar acordado at� tarde, sabia a hora certa de me colocar para dormir.

PS. Se voc� sabe qual a can��o que Caymmi cantava no encerramento di�rio da TV Tupi, me escreva. [email protected]

Fonte: O Autor
 
Por:  Claudio Lessa    |      Imprimir