Categoria Politica  Noticia Atualizada em 22-04-2009

Primeiro-ministro desvaloriza divergências com Presidente
José Sócrates na entrevista com Judite de Sousa e José Alberto Carvalho
Primeiro-ministro desvaloriza divergências com Presidente
Foto: Manuel de Almeida/Lusa

Cristina Figueiredo

Uma hora e cinco minutos de entrevista divididos, quase cientificamente, em três partes iguais: os primeiros 20 dedicados às relações entre o primeiro-ministro e o Presidente da República (que, desde sábado, têm vindo a ocupar boa parte do noticiário político); os segundos versando a crise económica e a estratégia do Governo para a combater; os últimos dominados pelo caso Freeport.

José Sócrates levava um objectivo claro para a conversa com Judite de Sousa e José Alberto Carvalho: tranquilizar a assistência televisiva (que é como quem diz, o eleitorado que lhe dará, ou não, nova maioria nas eleições legislativas daqui a cinco meses). Afiançar-lhe que, pese embora as últimas notícias, não são tensas as relações entre Belém e São Bento. Assegurar-lhe que, apesar da dimensão imprevisível da crise, o plano de combate do Governo está a produzir resultados. Garantir-lhe que, não obstante a história parecer longe do fim, tudo vai acabar bem no processo Freeport, com a justiça a apurar e punir os verdadeiros culpados.

O primeiro-ministro recusou-se a prosseguir a escalada que parecia ter iniciado no sábado quando, no seu discurso nas Novas Fronteiras, se recusou a aceitar as "políticas do recado" - no que foi interpretado como mais não sendo do que um recado para o Presidente da República. Sócrates mostrou-se convicto que Cavaco Silva "não se vai deixar instrumentalizar por nenhuma oposição, não se vai deixar envolver no jogo político", em ano eleitoral. Questionado várias vezes pelos jornalistas, quis objectivamente deixar claro que as palavras do chefe de Estado não lhe causam nenhuma incomodidade: "Tem todo o direito de dizer o que pensa da situação - isso não tem qualquer problema", desdramatizou.

Recusando a ideia de que tenha demorado até realizar a dimensão da crise - "nenhum economista ou instituição, antes do Verão de 2008, tinha ideia de que a recessão iria ter esta dimensão" -, aproveitou o incontornável tema da situação económica para apresentar o seu principal argumento de campanha contra os partidos da oposição neste particular: "Acho um abuso, e até uma certa infantilidade, pretendermos que esta é uma crise portuguesa". Por outras palavras: "O que está a acontecer em Portugal deriva da situação internacional".

E não desperdiçou o tempo de antena em horário nobre: enquanto o deixaram, elencou todas as estatísticas que pôde relativamente aos resultados das medidas do "plano anti-crise do Governo" - um plano "só possível porque tínhamos as contas públicas em ordem". Mais uma vez, a comparação com o que se passa lá fora deu-lhe argumentos para contrariar os que acusam o Governo de não ter conseguido ultrapassar os problemas estruturais portugueses: na Irlanda as previsões de défice apontam para os 10% e as estimativas de recessão para -8%.

Mas foi o aguardado tema Freeport a proporcionar os momentos mais "quentes" da entrevista, com o primeiro-ministro a sair, por dois ou três momentos, do registo relativamente sereno que conseguira manter nos primeiros quarenta minutos da conversa. Um assunto que lhe tem merecido, reconheceu, silêncio e reserva: "Por respeito pela seriedade da investigação" e por "não querer contribuir para um tema que envenena o nosso espaço político". Mas que hoje decidiu quebrar: "Não posso ficar calado perante uma tentativa de assassinato político que me visa directamente".

Desta vez Sócrates fugiu à expressão "campanha negra", mas as alternativas não foram mais suaves: "Faz-me lembrar os regimes da América Latina em que se organizam processos judiciais contra políticos", afirmou; e ainda "sou vítima de um processo kafkiano". O primeiro-ministro, que garantiu não ter dúvidas das motivações políticas que criaram o processo Freeport - fez questão, aliás, de lembrar como nasceu o processo, em Outubro de 2004, "quinze dias depois de ter sido eleito secretário-geral do PS" -, revelou ter processado Charles Smith por injúria e difamação e mostrou-se esperançoso de que, "mais tarde ou mais cedo", a justiça encontre e puna quem tenha usado o seu nome "abusivamente e de forma criminosa com o objectivo de obter alguma vantagem ilegítima".

Confiante "no bom senso e razoabilidade dos portugueses", disse acreditar que haja elevada participação nas europeias de Junho e que não serão as consequências do Freeport a retirar-lhe a maioria absoluta nas legislativas de Setembro/Outubro. "Não me vencem desta forma", afirmou, acrescentando ainda, em tom de desafio: "Tenho pouco jeito para servir de vítima".

Primeiro-ministro desvaloriza divergências com Presidente.
José Sócrates garantiu que mantém um "bom relacionamento" com Cavaco Silva e mostrou-se confiante em que a justiça descobrirá e punirá quem usa o seu nome de forma "abusiva e criminosa" no processo Freeport.

 
Por:  Alexandre Costa Pereira    |      Imprimir