Categoria Tecnologia  Noticia Atualizada em 26-05-2009

"Incompreendidos", nerds se divertem à sua maneira
Altieres Rohr é especialista em segurança de computadores

Foto: Eduardo Souza/Divulgação

Altieres Rohr

Sou nerd. Pode parecer estranho fazer essa afirmação, considerando-se a carga pejorativa que, para muitos, a acompanha. Quando o G1 pediu que eu fizesse um texto sobre como é ser nerd, em nenhum momento pensei que seria um problema dizer isso neste espaço. Pelo contrário, tenho considerável orgulho de poder me encaixar como nerd; não penso que isso é um defeito, e meus interesses têm me levado a descobrir e experimentar coisas que, para mim, trazem grande satisfação.

Não tenho a pretensão de dizer que todos os nerds são como eu. Longe disso. Embora o termo "nerd" tenha possivelmente surgido no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), onde, como o nome sugere, só se fala em tecnologia, pelo menos desde a década de 90 aceita-se que nerds vão da biologia à comunicação (meu caso). Admite-se hoje, inclusive, que um nerd não seja um especialista no uso de computadores.

O marco disso talvez seja o Geek Code, criado em 1993. Trata-se de uma série de perguntas cujas respostas formam um "código" que terá várias informações a respeito de quem o respondeu. As questões incluem informações que vão das características físicas à visão política. Hoje, quando poucos se lembram desse pequeno pedaço da história da internet, ele permanece como um registro das diferenças que existem entre os nerds e dos conceitos que rodeavam o termo.

Entre tantas diferenças, encontramos, sim, muitas semelhanças. E este texto fala sobre elas.

O "vício" pelo computador

Existem problemas a serem resolvidos. Tarefas a serem cumpridas. Se para boa parte das pessoas o mais importante é resolver esses problemas e cumprir essas tarefas, o importante para mim é saber como, exatamente, isso será feito. O processo, o "como", é tão ou mais interessante que o resultado final.

Creio que outros nerds também sintam isso de forma semelhante. E é isso que me leva a passar horas na frente do computador. O PC não é apenas uma ferramenta de comunicação, como o telefone (embora o funcionamento do telefone seja tão interessante quanto). O computador é uma máquina de propósito geral cujas possibilidades de uso são inúmeras. Essa flexibilidade fascina como poucas outras coisas.

Sou um fuçador, buscando a todo instante saber como a máquina (ou a economia, ou o sistema político...) funciona para ter certeza de estar tirando o máximo proveito dela a todo instante ou, pelo menos, de entendê-la.

O desbravamento das funções do computador é, em si, um divertimento que me leva a criar as competências que com frequência são atribuídas aos nerds: "o cara que entende de eletrônicos". Isso porque, ao entender o que faz cada equipamento funcionar, acabo criando uma aptidão para entender com mais facilidade outros dispositivos, gadgets e aparelhos que cada vez mais fazem parte da vida de todos nós – nerds ou não.

Subvertendo o sistema

A previsibilidade das máquinas também fascina na medida em que consigo facilmente medir meu progresso nessa jornada de descobrimento. Sei que existe um destino final, que não me trairá mais tarde. O computador em especial tem peças específicas, cujo conhecimento me permite saber exatamente o que deu errado. Há algumas semanas atrás, meu computador apresentava aleatoriamente alto consumo de processador, deixando-o lento. Programas de diagnóstico não apontaram nada, mas minha intuição recomendou a troca das memórias – e isso solucionou o problema.

É por isso também que muitos nerds acabam atraídos pelo Linux. O Linux é um sistema operacional que tem ainda mais escolhas e opções que os tradicionais, além de ter o código fonte aberto. Isso permite que o nerd chegue o mais perto possível de ter o controle total sobre seu equipamento. A maneira bem específica com a qual cada aplicativo no Linux trabalha permite identificar tudo aquilo que é necessário para fazer o computador funcionar – o que, sendo sincero, pouco importa para a maioria das pessoas. Mas, para mim, é a Disneylândia na qual o Mickey virou o pinguim Tux.

O Linux, por dar toda essa flexibilidade, também cria uma ideia de "subversão". Estou usando o dispositivo da maneira que eu quero, e não da maneira que ele foi fabricado para operar. São nerds que instalam Linux em seus iPods, que procuram maneiras de rodar aplicativos não-autorizados no iPhone e criam emuladores de jogos para jogar games de Super Nintendo no Playstation 2.

Independentemente do gadget que o nerd tem, ele com frequência está interessado em descobrir o que faz o aparelho funcionar e, mais ainda, em como adaptá-lo às suas necessidades, mesmo que nada disso esteja no manual de instruções.

Jogos, games, música, cinema, quadrinhos, ficção científica

São as principais paixões compartilhadas pelos nerds, o que não quer dizer que todo amante de anime (desenho animado japonês) seja um nerd, ou que todo nerd goste de anime. Normalmente essas paixões chegam em níveis diferentes.

Pessoalmente, não me interesso muito por quadrinhos, o que outros nerds adoram. Porém, respeito a preferência, e ouviria atentamente qualquer um que começasse a descrever as peculiaridades dos traços de cada artista da Marvel ou da DC Comics.

Quando escrevi "jogos" acima, falo de jogos de tabuleiro, como Dungeons & Dragons, e de cartas, como Magic: The Gathering. Os videogames também aparecem com frequência no passatempo dos nerds, inclusive deste que vos escreve. Comecei a jogar videogames aos quatro anos de idade, e até hoje dedico algumas horas por semana ao meu Playstation 2 e aos jogos no PC.

Muitos nerds se interessam pela música. Nerds fazem remixes e editam seus animes para criar vídeos musicais com suas canções preferidas. Meu gosto pela música se expressa na busca por bandas desconhecidas e de todas as partes do mundo. Não escuto de tudo, mas sou consideravelmente eclético – rock, eletrônico, ambiente, trilhas sonoras são alguns gêneros que ouço.

A ficção científica normalmente pondera a respeito das possibilidades para o futuro. Novamente, é uma subversão das limitações do presente, uma imaginação do que pode acontecer. Não por menos, séries de TV e filmes como "Jornada nas estrelas", "Guerra nas estrelas", "Babylon 5" e o filme animado "Ghost in the shell" são extremamente populares entre os nerds.

Diferente, mas nem tanto

Podem me achar chato por não estar interessado interessado naquela "super" festa. Acontece, na verdade. Mas todos esses interesses, essas coisas todas a descobrir, a conhecer – filmes, animes, músicas, videogames – já ocupam 102% do meu tempo. Elas divertem o suficiente para dispensar boa parte de outras alternativas. Não sou chato, nem estou entediado. Divirto-me tanto quanto qualquer outra pessoa, mas ao meu modo, que talvez não seja de fácil compreensão para quem não compartilha dos mesmos interesses de uma forma tão intensa.

Até alguns anos atrás, os interesses tornavam difícil a socialização. Nerds eram conhecidos como tímidos. No entanto, cada vez mais o que antes era exclusivo dos nerds está se popularizando. Além da própria tecnologia, que cada vez mais muda nossas vidas – quase ninguém usava celular há 10 anos – , animes e videogames estão entrando na rotina de quem antes desconhecia essas formas de entretenimento. Basta ver a popularidade do Nintendo Wii entre aqueles que não se interessavam por videogames. Com isso, o nerd consegue encontrar um "chão comum" mais facilmente com outras pessoas, pelo menos para iniciar uma conversa. E digo isso por experiência própria.

Fico contente em estar compartilhando boa parte do que aprendi, graças ao incansável fuçador que mora dentro de mim, na coluna Segurança para o PC, aqui no G1. Com esse texto de hoje, no entanto, espero que cada um preocupe-se menos em saber se é nerd ou não, e mais em descobrir aquilo que há de melhor em ser como se é, e de aceitar como os outros são.

"Incompreendidos", nerds se divertem à sua maneira
Colunista de segurança do G1 faz um relato sobre ser geek.
"Cada vez mais, o que era exclusivo dos nerds está se popularizando."

Fonte:

Acesse o G1

 
Por:  Alexandre Costa Pereira    |      Imprimir