Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 12-06-2009

AÇíO CIVIL PÚBLICA. TEORIA DA TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES NO CONTROLE DIFUSO
Decisão do STF no Habeas Corpus n. 98.675/ES. Condenados acometidos de doença grave e prisão domiciliar.
AÇíO CIVIL PÚBLICA. TEORIA DA TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES NO CONTROLE DIFUSO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DO FORO DE VITÓRIA – COMARCA DA CAPITAL – ES

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, pelo seu ÓRGíO DE EXECUÇíO especializado que a presente peça subscreve, com endereço para intimação pessoal em quaisquer graus de jurisdição ex vi legis (Art. 128, I, da Lei Complementar 80/94, Art. 5º, §5º, da Lei 1.060/50 e Art. 55, X, da Lei Complementar Estadual 55/94) junto à Sede de seu NÚCLEO na Serra/ES, criado pela RESOLUÇíO DP/ES nº 013/2008, sito à Rua Campinho, n. 96, Centro, Serra/ES, CEP 29.176-438, Tel. (27) 3291-5667 e Fax (27) 3291-5735, na forma basilar dos Arts. 5º, LXXIV e §2º c/c 134, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e do Art. 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas assinada em 1948, dispensada de iure a exibição de instrumento procuratório (Art. 128, XI, da Lei Complementar 80/94 e Art. 16, § único, da Lei 1.060/50), vem, mui respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, sem prejuízo do Digníssimo Defensor Público Natural oficiante (Art. 2º, e §§1º e 2º, da Res. DP/ES nº 013/2008), propor

AÇíO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO LIMINAR ET INAUDITA ALTERA PARS DE TUTELA ANTECIPADA

, contra o ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, pessoa jurídica de direito público interno, com endereço para comunicação dos atos processuais à Av. Governador Bley, n. 236, Ed. Fábio Ruschi, 10° e 11° Andares, Centro, Vitória/ES, CEP 29.010-150, Tel: (27) 3380-3000 e Fax: (27) 3380-3043, pelos fundamentos de fato e de Direito abaixo alinhavados, que dão sustentação à súplica coletiva ora deduzida.


1. MM. e Culto Julgador, a respeito da situação prisional no Estado do Espírito Santo, e a questão da dignidade da pessoa humana do preso, o tema não suscita bifurcadas controvérsias, nem desafia complicada cognição. Notoria vel manifesta non egent probatione.

2. Em tema de sistema prisional capixaba caminhamos em conhecida alameda ressequida.

3. Pois bem. Na tarde da última Terça-Feira, dia 09 de Junho de 2009, a COLENDA 2ª TURMA do EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, revelando o esgotamento de sua paciência, em venerável Aresto, concedeu prisão domiciliar a acusados de homicídio, comentando, no decisum, a precariedade das prisões brasileiras.

4. A decisão em comento deu-se no Habeas Corpus n. 98.675/ES – atente-se para a Unidade da Federação de origem – . E sua Relatoria coube ao Eminente Ministro EROS ROBERTO GRAU. Seu score foi unânime.

5. Por esta decisão da COLENDA 2ª TURMA da CORTE SUPREMA foi garantido a dois acusados de homicídio qualificado a aguardem a conclusão do processo em prisão domiciliar. O estado precário de saúde dos dois e a impossibilidade de serem devidamente atendidos no presídio, no Estado do Espírito Santo, determinaram a decisão uníssona dos Senhores Eminentes Ministros.

6. Entretanto, ficou esclarecido nesta r. decisão que a prisão domiciliar, a ser levada a efeito, impedirá que os acusados ausentem-se de suas residências.

7. Relatando com seu costumeiro cuidado e precisão, o Eminente Ministro EROS ROBERTO GRAU asseverou certa peculiaridade da situação, a de que havia nos autos do processo documentos do Senhor Diretor da cadeia pública avisando que o estabelecimento prisional não dispõe de profissionais de saúde, equipamentos e instalações para prestar assistência médica a presos.

8. Pronunciando-se neste Habeas Corpus n. 98.675/ES, a Digníssima e Gloriosa PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA (PGR) opinou pela concessão da prisão domiciliar, citando o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos).

9. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, bem guardado no Art. 1º, Inciso III, da Constituição Republicana de 1988, é vazado nessa redação:

"TÍTULO I
Dos Princípios Fundamentais

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana".

10. Quanto ao Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), eis o dispositivo atraído ao caso desatado, no r. Parecer da PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA:

"Artigo 5º - Direito à integridade pessoal

1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

(...)

6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados".

11. O Eminente Ministro GRAU deixou claro a todos ser exímio conhecedor das disposições da legislação de execução penal, principalmente das hipóteses contempladas pela Lei 7.210/84, em seu Art. 117, que arrola em numerus clausus e objetivamente as hipóteses de concessão da prisão domiciliar.

12. Mas, para este Notável e Erudito Magistrado gaúcho, o disposto no Art. 117 da Lei de Execuções Penais não poderá servir de obstáculo para os casos nos quais demonstrado cabalmente que o Estado não tem condição de prestar a assistência médica aos presos que dela necessitam.

13. Abro, aqui, um parêntese para transcrever o teor do Art. 117 da LEP:

"Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:

I - condenado maior de 70 (setenta) anos;

II - condenado acometido de doença grave;

III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;

IV - condenada gestante".

14. Pela literalidade do dispositivo acima, em isolado critério de interpretação gramatical, vislumbra-se que ao condenado acometido de doença grave só será deferido o benefício do recolhimento em residência particular quando este estiver no regime aberto de cumprimento de pena. Excluindo sua aplicação, destarte, a aqueles condenados que ainda se encontram no regime fechado ou semi-aberto, ou presos provisoriamente, mesmo que comprovadamente acometidos de doença grave.

15. Noutras palavras, sob a mesmíssima interpretação literal, o condenado acometido de doença grave, estando no regime fechado ou semi-aberto, deve morrer. Simplesmente morrer, nada mais. Mesmo que o estabelecimento prisional não disponha de profissionais de saúde, equipamentos e instalações para prestar assistência médica. Ou, na melhor das hipóteses, padecer na cadeia, até que – talvez – sua grave moléstia lhe permita alcançar um dia o regime aberto, quando tudo já parecerá perdido, em vão.

16. Acontece que, como dito linhas acima, o EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, pela sua COLENDA 2ª TURMA, proclamou que o teor do Art. 117, Caput, e seus quatro Incisos não se sobrepõem ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, devendo o disposto neste Artigo ser lido e relido à luz do preconizado pelo Art. 1º, Inciso III, da Constituição Cidadã de 1988 e do Art. 5º do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos).

17. Ou seja, para a EXCELSA CORTE SUPREMA a natureza do regime de cumprimento de pena – se aberto, semi-aberto ou fechado – , é indiferente para os casos de preso acometido de doença grave, para sua submissão a recolhimento em residência particular (prisão domiciliar). O que definitivamente determinará a concessão deste benefício será tão-somente a cabal demonstração da gravidade da moléstia e a impossibilidade de tratamento médico dentro da própria unidade prisional.

18. Igualmente, por força deste Habeas Corpus n. 98.675/ES, pouco importa a ausência do trânsito em julgado. Sendo conferido idêntico direito ao preso provisório, desde que acometido de doença grave.

19. Ao final desse julgamento, o E. Decano do EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Ministro CELSO DE MELLO, comentou recente decisão de Juízes gaúchos que anunciaram que não vão mais decretar prisão cautelar enquanto o Governo do Estado do Rio Grande do Sul não adotar providências para ajustar a situação dos estabelecimentos prisionais do Estado às exigências impostas pela Lei de Execução Penal. Arrematando, nestes termos, in verbis:

"Há um descumprimento crônico, pelo Estado, das normas da LEP".

20. Em verdade, essa decisão proferida no Habeas Corpus n. 98.675/ES veio apenas a sufragar a jurisprudência iterativa e de vanguarda da EXCELSA CORTE CONSTITUCIONAL que, como bem destacada no Informativo n. 537 (02 a 06 de Março de 2009), anuncia, litteris:

"INFORMATIVO Nº 537
TÍTULO
Cumprimento de Pena e Prisão Domiciliar
PROCESSO
HC - 95334
ARTIGO
Ante o empate na votação, a Turma deferiu habeas corpus para conceder ao paciente prisão domiciliar. Na espécie, a impetração insurgia-se contra as precárias condições de higiene, bem como a superlotação na casa de albergado em que o paciente — condenado a cumprimento de pena em regime aberto — se encontrava, aduzindo que, no ponto, inexistiria separação entre condenados que cumprem pena em regime semi-aberto e aberto. O pleito da defesa fora indeferido nas demais instâncias ao argumento de que não se enquadraria no rol do art. 117 da Lei de Execução Penal - LEP (‘Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I - condenado maior de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante.’). Enfatizou-se o fato de o paciente estar em estabelecimento cuja população superaria o viável, além de haver a junção de presos que cumprem a pena em regime aberto e aqueles que a cumprem no semi-aberto. Ademais, asseverou-se que o STF tem afastado o caráter taxativo da LEP relativamente ao direito, em si, da custódia domiciliar e que o faz quando não se tem casa do albergado. Nesse sentido, afirmou-se que a situação concreta seria em tudo semelhante à inexistência da casa do albergado. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, relator, e Menezes Direito que, assentando que o writ não se presta a revolver matéria fático-probatória, denegavam a ordem ao fundamento de que o paciente não se enquadraria em nenhuma das taxativas hipóteses de prisão domiciliar previstas pelo art. 117 da LEP. HC 95334/RS, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 3.3.2009. (HC-95334)".

21. Há, ainda, inúmeros outros precedentes da CORTE SUPREMA, a respeito do tema, prestigiando o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana em detrimento de insensível norma anterior à Constituição Federal de 1988, de recepção conflituosa. Aí, em harmonia com o Texto Maior, preenchendo lacunas e promovendo desejada integração com o sistema constitucional positivo vigente, sobressai-se o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), que estabelece que "toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano".

22. No Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 94.358, a COLENDA 2ª TURMA do EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, relatado pelo EMINENTE MINISTRO CELSO DE MELLO, em votação unânime, concedeu o benefício da prisão domiciliar a hipertensa, portadora de cardiopatia hipertensiva, condenada a 10 (dez) anos e 04 (quatro) meses de reclusão em regime fechado por tráfico de drogas. O EMINENTE MINISTRO JOAQUIM BARBOSA, neste julgamento, ressaltou que, no caso de presos por tráfico de drogas, sempre deve se desconfiar dos "laudos médicos graciosos" por eles apresentados. Entretanto, este Eminente Ministro acabou se convencendo diante do argumento de que, no processo julgado, os laudos eram de autoria do INSTITUTO MÉDICO LEGAL - IML e de uma junta médica oficial.

23. Deste último julgado, recorde-se:

"INFORMATIVO Nº 504
TÍTULO
Grave Estado de Saúde e Prisão Domiciliar
PROCESSO
RHC - 94358
ARTIGO
Tendo em conta a excepcionalidade da situação, a Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus em que se discutia se paciente idosa (62 anos), condenada por tráfico ilícito de entorpecentes, cujo grave estado de saúde se encontrava demonstrado por diversos laudos, teria direito, ou não, à prisão domiciliar, nos termos do art. 117, da Lei de Execução Penal - LEP (‘Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I - condenado maior de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante.’). Asseverou-se que a transferência de condenado não sujeito a regime aberto para cumprimento da pena em regime domiciliar é medida excepcional, que se apóia no postulado da dignidade da pessoa humana, o qual representa, considerada a centralidade desse princípio essencial, significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente no país e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Concluiu-se que, na espécie, impor-se-ia a concessão do benefício da prisão domiciliar para efeito de cumprimento da pena, independentemente da modalidade de regime de execução penal, pois demonstrada, mediante perícia idônea, a impossibilidade de assistência e tratamento médicos adequados no estabelecimento penitenciário em que recolhida a sentenciada, sob pena de, caso negada a transferência pretendida pelo Ministério Público Federal, ora recorrente, expor-se a condenada a risco de morte. RHC provido para assegurar a ora paciente o direito ao cumprimento do restante de sua pena em regime de prisão domiciliar, devendo o juiz de direito da vara de execuções criminais adotar as medidas necessárias e as cautelas pertinentes ao cumprimento da presente decisão. RHC 94358/SC, rel. Min. Celso de Mello, 29.4.2008. (RHC-94358)".

24. Em outro precedente, no Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 83.177, a COLENDA 2ª TURMA do EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, desta vez relatado pelo EMINENTE MINISTRO NELSON JOBIM, votação unânime, foi concedido habeas corpus de ofício para que ao acusado acometido de obesidade mórbida e cardiopatia irreversível fosse assegurado o direito à prisão domiciliar, sob a fiscalização do juízo local processante. Esta decisão encontra-se também no INFORMATIVO/STF nº 327.

25. Assevere-se que o COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ruma em direção ao entendimento agora consolidado no PRETÓRIO EXCELSO, como se pode perceber das seguintes ementas colacionadas abaixo:

"HABEAS CORPUS. CONDENAÇíO POR FALSIFICAÇíO DE DOCUMENTO PARTICULAR E USO DE DOCUMENTO FALSO. DECRETO DE PRISíO PREVENTIVA EM OUTRO PROCESSO DECORRENTE DA PRÁTICA DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PACIENTE PORTADOR DE CARDIOPATIA GRAVE. ESTADO DE SAÚDE COMPROVADAMENTE DEBILITADO. IMPOSSIBILIDADE DE TRATAMENTO NO ESTABELECIMENTO PRISIONAL DEVIDAMENTE ATESTADA NOS AUTOS. FLEXIBILIZAÇíO DO ART. 117 DA LEP. PRISíO DOMICILIAR. ORDEM CONCEDIDA.
1. O cumprimento da pena em regime domiciliar, de acordo com o art. 117 da LEP, somente será concedido aos réus que foram beneficiados com o regime prisional aberto e desde que sejam maior de 70 anos ou estejam, comprovadamente, acometidos de doença grave.
2. Excepcionalmente, porém, tem-se admitido que, mesmo na hipótese de fixação de regime prisional diverso do aberto para o cumprimento da reprimenda, é possível o deferimento da prisão domiciliar, quando demonstrada, de plano, a necessidade de especial tratamento de saúde, que não possa ser suprido no local onde o condenado ou acautelado se encontra preso.
3. In casu, os documentos juntados pelo impetrante nos autos revelam que o paciente, de fato, sofre de uma cardiopatia grave, necessitando de tratamento que não pode ser ministrado dentro do estabelecimento prisional.
4. Parecer do Ministério Público Federal pela concessão da ordem.
5. Ordem concedida para revogar o decreto de prisão preventiva, para que se possa dar cumprimento a pena em regime domiciliar, conforme já deferido pelo Juízo da VEC, nos autos da execução da condenação definitiva, sem prejuízo de que seja posteriormente decretada novamente, caso haja necessidade.
(HC 87.901/AL, Rel. Ministro NAPOLEíO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJ 25/02/2008 p. 343)".

"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRISíO PREVENTIVA. PACIENTE PORTADOR DE DOENÇAS GRAVES. ESTADO DE SAÚDE DEBILITADO. SEGREGAÇíO. PRISíO DOMICILIAR. REQUISITOS. FLEXIBILIZAÇíO DO ART. 117 DA LEI Nº 7.210/84. APLICAÇíO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CONSTITUIÇíO FEDERAL, ART. 1º, INCISO III. QUESTíO NíO SUSCITADA EM 2º GRAU. PEDIDO PREJUDICADO. ORDEM CONCEDIDA EX OFFICIO.
Admite-se a prisão domiciliar, em princípio, quando se tratar de réu inserido no regime prisional aberto, ex vi art. 117 da Lei de Execução Penal.
Excepcionalmente, tem a jurisprudência entendido ser possível a concessão do benefício da prisão domiciliar a réu portador de doença grave, que comprova a debilidade de sua saúde (Precedentes do STJ).
No caso em exame, de acordo com os relatórios médicos juntados aos autos, o paciente está acometido de moléstias graves, submetido a vários tratamentos e em situação de sofrimento e alegado estágio terminal Questão não suscitada em segundo grau. Pedido prejudicado.
Habeas Corpus CONCEDIDO DE OFÍCIO para revogar a prisão preventiva e julgar prejudicado o pedido.
(HC 40.748/MT, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 28/06/2005, DJ 20/02/2006 p. 368)".

"PENAL. PROCESSUAL. EXECUÇíO. REGIME FECHADO. PRISíO DOMICILIAR. SEPTUAGENÁRIO ACOMETIDO DE DOENÇA GRAVE. SUBSTITUIÇíO. ADMISSIBILIDADE. HABEAS-CORPUS.
1. CONTANDO O PACIENTE COM MAIS DE 85 ANOS, E ESTANDO ACOMETIDO DE DOENÇA GRAVE, CABÍVEL A INTERPRETAÇíO ANALÓGICA DO ART. 117, DA LEP, EMBORA CONDENADO A REGIME FECHADO.
2. PEDIDO CONHECIDO E DEFERIDO PARA DETERMINAR QUE O PACIENTE SEJA COLOCADO NO REGIME DE PRISíO DOMICILIAR, GUARDANDO-SE AS DEVIDAS CAUTELAS.
(HC 5.466/SP, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, QUINTA TURMA, julgado em 24/03/1997, DJ 15/09/1997 p. 44397)".

26. Importante por em relevo, PRECLARO JULGADOR, que o controle de constitucionalidade difuso ou incidenter tantum, exercido por meio da presente Ação Civil Pública, com relação ao Art. 117 da Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais), frente ao disposto no Art. 1º, Inciso III, da Constituição Federal, e, ainda, ao preconizado pelo Art. 5º, do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) – de caráter supralegal – , deve, ainda, levar em consideração questão de fato saliente, para a mais exata e pontual prestação jurisdicional nesta sede molecular.

27. Em recente visita oficial aos presídios do Estado do Espírito Santo, os Excelentíssimos Senhores Membros do COLENDO NACIONAL DE JUSTIÇA, Órgão máximo de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos Juízes, testificaram a falta de segurança dos presídios capixabas, apontando uma série de violações de direitos humanos dentro dos presídios no Estado do Espírito Santo.

28. Disse o COLENDO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA que os presos capixabas estão expostos a lixo, ratos e excrementos. Qualificando de péssimas e muito graves as condições a que estes estão submetidos para o cumprimento da pena corporal.

29. Nossa resplandecente Justiça Estadual, aqui do Espírito Santo, sem tardar, determinou a imediata interdição de dois presídios capixabas, o presídio de Jardim América, no Município de Cariacica, e a cadeia de Novo Horizonte, no Município da Serra, que protagonizaram recentes denúncias de graves violações aos Direitos Humanos.

30. Colhe-se do chocante RELATÓRIO DE INSPEÇÕES EM ESTABELECIMENTOS PENAIS E SÓCIO-EDUCATIVOS DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, do COLENDO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, elaborado pelos EXCELENTÍSSIMOS SENHORES DOUTOR ERIVALDO RIBEIRO - JUIZ AUXILIAR DA PRESIDÊNCIA - , DOUTOR PAULO DE TARSO TAMBURINI - JUIZ AUXILIAR DA PRESIDÊNCIA - , E DOUTOR ROBERTO DALLEDONE MACHADO FILHO - ASSESSOR DA SECRETARIA GERAL - , no que mais interessa aqui, para a tomada de Granada e banimento da vetusta e odiosa exegese literal do Art. 117 da Lei de Execuções Penais, o seguinte, in verbis:

"Relatório de Inspeções
Inspeção em estabelecimentos penais e sócio-educativos do Estado do Espírito Santo

Erivaldo Ribeiro
Juiz Auxiliar da Presidência
Paulo de Tarso Tamburini
Juiz Auxiliar da Presidência
Roberto Dalledone Machado Filho
Assessor da Secretaria Geral
Conselho Nacional de Justiça • Mutirão Carcerário • Maio, 2009
Conselho Nacional de Justiça

Relatório de Inspeções
Inspeções em estabelecimentos penais e sócio-educativos do Estado do Espírito Santo
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Introdução

De um modo geral são péssimas as condições de encarceramento na grande Vitória, com problemas de superlotação, insalubridade, carência assistencial e falta de disciplina. Sem condições para uma correta individualização da pena e sem separação entre presos provisórios e condenados, é impensável falar em educação, capacitação profissional e ressocialização.

As observações e análises feitas a seguir têm por base as inspeções realizadas in loco e, também, os depoimentos colhidos dos diretores dos estabelecimentos.

Individualização da Execução

Não há, em nenhuma das unidades inspecionadas, qualquer critério para se separar presos condenados de presos provisórios. Na Casa de Custódia de Viana há 751 presos provisórios e 503 presos condenados vivendo em conjunto, sem separação e sem divisão por celas.

A Casa de Custódia, em especial, sofre de grave problema de disciplina, porquanto os presos destruíram todas as celas e estão separados unicamente por pavilhões, aproximadamente 400 presos em três pavilhões.

A quantidade de pessoas agrupadas em espaço tão reduzido e de indivíduos com graus de periculosidade tão díspares dividindo o mesmo espaço é um fator que pode promover sérias violações de direitos como, por exemplo, abuso sexual, lesões corporais e falta de acesso adequado à assistência material como alimentação.


É também grave a situação do Presídio de Novo Horizonte, onde existem relatos de prisão por furto simples, furto tentado ou, ainda, crime de dano, sendo que tais presos convivem com reincidentes em crimes dolosos contra vida ou cometidos com violência à pessoa.

Há casos como o de Fernando de Paula Silva que foi absolvido pelo júri, mas que, por mera burocracia da Polinter, continua detido em Novo Horizonte. O estabelecimento em si mesmo não foi concebido para atender presos condenados, mas há número significativo deles.

No Departamento de Polícia Judiciária de Vila Velha há apenas uma grande cela, na qual se amontoam 256 presos (a capacidade é para apenas 36), e apenas um sanitário. Não há qualquer separação de presos doentes ou presos idosos - todos dividem o mesmo espaço.

O Centro de Detenção de Novo Horizonte, também conhecido como Cadeia Modular ou, ainda, Cadeia dos Contêineres, tampouco estabelece qualquer divisão entre os presos.

Direitos Básicos

Houve reclamação geral quanto à qualidade da alimentação e à falta de produtos de higiene. Visualmente pode-se constatar que, em regra, a qualidade da alimentação não é boa.

Em Viana alguns presos relataram que a comida não era do dia. No dia da Inspeção na Casa de Custódia de Viana constatamos que a única via de acesso ao Estabelecimento estava tomada por lama que quase nos impediu de chegar de automóvel, e que estava dificultando a chegada da alimentação.

No Presídio Modular de Novo Horizonte há infestação de ratos e grande quantidade de lixo e entulhos acumulados no pátio.

Em Novo Horizonte há presos que têm marca de mordidas de roedores e a quantidade de lixo é tanta que há permanentemente chorume no piso do estabelecimento. A caixa de água tem vazamento que inunda o local para banho de sol e mistura lixo e esgoto a céu aberto.

Em Argolas as embalagens em que são servidas as refeições servem também para depósito de fezes, pois não há vaso sanitário na cela improvisada que fica no corredor que dá acesso às outras duas celas do estabelecimento.

Na DPJ de Vila Velha há sete fileiras de redes amarradas na cela e os presos ficam apenas deitados, pois não têm espaço para ficarem em pé, sendo que alguns estão nessas condições há mais de um ano, e sem espaço apropriado para banho de sol. Há presos como Márcio Alves da Silva que aguardam audiência há um ano nessas condições. O preso Paulo Ribeiro dos Santos está há um ano e meio na DPJ. Geovane Rosa de Jesus, preso por furto simples em 22 de novembro de 2007, também sofre com a falta de espaço e, principalmente o calor, pois, após tentativas de fuga, os policiais foram obrigados a colocar uma chapa metálica na parede externa, que, devido ao sol, aumenta a temperatura interna da cela para algo próximo de 50ºC.

Na DPJ de Jardim América há tanta gente que o agente carcerário é obrigado a solicitar ajuda de outros agentes e dos próprios presos para poder trancar as celas. Literalmente, os presos são socados dentro das celas.

A assistência à saúde é extremamente deficitária. Há dificuldades não apenas em conseguir atendimento (alguns locais alegam que os médicos se recusam a atender os presos), mas também em obter autorização judicial para transferir presos para Viana, onde há serviço médico. Num ambiente assim sabe-se que a proliferação de doenças é comum, inclusive leptospirose.

Há suspeitas de portadores de doenças infecto-contagiosas, inclusive tuberculose.

Em Vila Velha, o delegado Mário Brocco Filho oficiou ao Juiz da 6ª Vara Criminal de Vitória solicitando que avaliasse a possibilidade de conceder alvará a Paulo Marcos Machado Rabayole que, em função de doença, precisava de atendimento familiar. O detento não fora aceito em Viana. O atendimento era urgente. Conseguiu ser internado no Hospital Maternidade de Vila Velha. Dez dias depois o delegado novamente oficiou ao Juiz para informar que Paulo havia falecido e solicitar que, a partir de informações dos autos, comunicasse à família do detento para liberar o corpo no Instituto Médico Legal. Até o dia da inspeção o corpo aguardava liberação.

Ainda na mesma DPJ havia um preso seriamente ferido que sangrava muito. O sangue escorria no chão por baixo dos demais presos.

Em Jardim América houve infestação de furunculose. Vários presos purgavam pus por meses.

Assistência jurídica

Em absolutamente nenhum estabelecimento foi relatada a presença da defensoria pública, que não faz atendimento in loco. Registre-se a presença de inúmeros presos há meses por furto simples, dano e receptação. No presídio de Argolas, relatou o administrador da unidade, há mais de 15 anos não aparece um defensor sequer. Raríssimos são os presos que contam com advogado. Outro fator a complicar a instrução processual é a notificação dos atos processuais. Com efeito, dado que é precária a alimentação de dados nos sistema da SEJUS e SESP, nem sempre se sabe com exatidão em que estabelecimento se encontra o preso.

Educação e trabalho

Não há em nenhuma unidade, com exceção da UNIS, espaço ou infra-estrutura destinada ao estudo e aprimoramento da educação dos presos.

De um modo geral não há espaço físico reservado para tal fim.

Em nenhum estabelecimento há condições de trabalho, seja interno, seja externo, em face do descontrole da população carcerária.

3.3 Visitas

No Presídio Modular, embora afirme o diretor que o direito à visitação era permitido, as visitas só ocorriam no parlatório, um espaço entre grades de segurança destinado a receber visitas para os detentos. A dificuldade, contudo, era que essas grades só permitem o contato visual, sem ao um menos um cumprimento, aperto de mão, etc. A justificativa apresentada era que se destinava a receber tão-somente presos detidos provisoriamente e por pouco tempo.

Rodney Teodoro, contudo, está preso há quase um ano neste estabelecimento. Em situação pior estão os presos incursos no art. 121 do Código Penal, há quase dois anos nessa situação, como, por exemplo, Julio Inácio Ferreira Sobrinho, Manoel Inácio da Silva Filho, Pablo Porfírio dos Santos, Valter José dos Santos, Girlis Dias dos Santos, Fredes Silva Santos.

Nos demais estabelecimentos são precários os espaços destinados à visitação dos familiares.

São nesses espaços, aliás, que ocorrem as visitas íntimas. Em outras palavras, não foi encontrado local adequado para receber visitas íntimas em nenhum estabelecimento. No Presídio Modular elas sequer ocorrem, por absoluta impossibilidade de contato físico. Em Novo Horizonte são feitas em cima do chorume e do esgoto.

Com tais restrições e sem acesso à televisão, rádio ou jornal, os presos não têm contato com o mundo exterior. Muitos não acompanham notícia alguma. Os presos provisórios não votam. Em nenhum estabelecimento havia biblioteca - não lêem, não estudam, não tem atividade recreativa, ficam o tempo todo ociosos.

A frase mais ouvida dos diretores dos estabelecimentos era a de que os presos apenas permaneciam presos porque eles (os presos) assim o desejavam. As condições para fugas e rebeliões são sempre renovadas.

Não há estrutura para construção de celas de proteção (celas de cuidado ou seguro) ou celas para regime disciplinar diferenciado.

Não há, nos estabelecimentos inspecionados, controle adequado da ficha cadastral dos presos. Em muitos não há prontuários, descontrole que, combinado à falta de assistência jurídica, pode levar à situações de excesso de prazo.

Estabelecimentos para Internação de Menores

É grave a situação das instituições sócio-educacionais, sem qualquer separação de idade e compleição física. Não há separação entre educandos maiores e menores. Na Unidade de Internação Sócio-Educativa alguns deles dividiam o mesmo espaço em contêineres a céu aberto. O Centro Integrado de Atendimento Sócio Educacional de Vitória também não desconhece essa realidade, ainda que o estabelecimento seja dedicado apenas a triagens iniciais, que deveria ser de apenas poucos dias, mas conta com menores aguardando triagem em condições absolutamente precárias há mais de trinta dias.

Na UNIS havia menores guardados em contêineres.

Duas dessas caixas metálicas estavam expostas ao sol, sem banheiro e sem água encanada.

Nessas condições, eram obrigados a defecar e urinar dentro do próprio contêiner e, ao início do dia, o piso era lavado e os excrementos depositados ao lado das caixas metálicas.

O cheiro é repulsivo. Uma das celas estava fora de prumo e os excrementos dos adolescentes ficavam acumulados como um córrego no canto sulcado do caixote. Alguns adolescentes vomitavam.

Quando a equipe do CNJ chegou no local alguns menores foram à enfermaria. No caminho, tornavam a vomitar. Um deles alega que vomita sangue.

Não há separação entre os menores, em função da idade, compleição física e ato infracional.

Não têm entrevista privativa com os membros do Ministério Público. Não porque tal direito lhes fosse negado pelos diretores dos estabelecimentos, mas porque, especificamente no caso da UNIS, há anos nenhum promotor faz inspeção no local, conforme informou a diretora.

Raríssimos são os que conseguem advogado. A inspeção constatou que a Defensoria Pública jamais atendeu aos internos da UNIS e do Centro Integrado. Os que têm advogado sabem pouco da situação do cumprimento das medidas. Os pedidos, segundo alegam, são negados sem fundamentação – em que pese reiterados pareceres favoráveis de assistentes sociais e psicólogas.

Falta-lhes, ainda, tratamento condigno. Vários menores estão em contêineres. Dois desses módulos estão expostos às intempéries climáticas. Sob o sol, o calor dentro da caixa chega a 50º.

Cerca de 120 menores foram transferidos, no dia 11/05/09, para a Comarca de São Gabriel da Palha, a 180km de Vitória, distantes de suas famílias e presos num Centro de Detenção Provisória para adultos. Os menores foram para lá recolhidos em função de uma reforma que seria feita na UNIS, mas houve denúncias de que teriam sido transferidos para que a superlotação não fosse percebida por ocasião da inspeção do CONANDA, ocorrida no dia seguinte à transferência, no dia 12/05/09, com autorização judicial mas sem parecer do Ministério Público.

Neste CDP chama a atenção a rigidez disciplinar a que estão submetidos os internos.

É comum o uso de spray pimenta, sendo que também foram utilizadas granada de gás lacrimogêneo e granada de efeito moral. As revistas para entrar e sair das celas são vexatórias: os adolescentes ficam nus, sob os olhares das agentes femininas. Há muita ociosidade entre os jovens. Não há um livro sequer no estabelecimento. É reduzido o horário para práticas desportivas.

Não há nenhuma atividade educacional. Grave, contudo, é a violação do direito de visita familiar. São Gabriel fica a aproximadamente três horas de Cariacica (município onde se localiza a UNIS). Não há linha de transporte que leve os familiares ao estabelecimento. A direção da UNIS teve que providenciar um veículo para fazer o transporte dos parentes.

O problema, contudo, é que muitos têm de faltar ao trabalho para poderem chegar ao local. A própria transferência só foi tardiamente comunicada aos familiares. Por três semanas, os adolescentes não receberam uma visita sequer".

31. A partir de todas essas considerações, indaga-se se seria integralmente constitucional ou amplamente recepcionado pela Lex Fundamentalis o disposto no Art. 117, Inciso II, da Lei 7.210/84, que somente admite o recolhimento em residência particular – prisão domiciliar – a condenado acometido de doença grave se este estiver no REGIME ABERTO, mesmo se ausente qualquer possibilidade de tratamento médico assistencial na cadeia pública para os outros regimes.

32. O EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, como visto supra, já respondeu a este busílis. Para este PRETÓRIO o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana inscrito no Art. 1º, Inciso III, da Constituição Federal de 1988 e o Art. 5º, do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), derrogam definitivamente as disposições do Art. 117, Caput, da Lei de Execução Penal, na parte em que exige injustificadamente o remoto REGIME ABERTO como condição da prisão domiciliar ao preso gravemente enfermo.

33. Eis a nova e última leitura que a EXCELSA CORTE SUPREMA, GUARDIí DA CONSTITUIÇíO FEDERAL, impõe ao intérprete para o caso do Art. 117 da Lei de Execução Penal, quando se tratar de condenado acometido de doença grave:

"Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento em residência particular quando se tratar de:

(...)

II - condenado acometido de doença grave".

34. Destarte, a toda pessoa que se encontrar com a saúde dissolvida ou frágil, esteja preso ou custodiado provisoriamente, em flagrante, temporária ou preventivamente, esteja condenado definitivamente, qualquer que seja o atual regime de cumprimento de pena, se aberto, semi-aberto ou fechado, ser-lhe-á garantido o direito ao recolhimento em residência particular (prisão domiciliar), até o completo restabelecimento de sua saúde, ou mesmo até a extinção da pena ou da punibilidade em razão de seu falecimento (morte digna). Ressalvado, por óbvio, os raríssimos e quase inexistentes casos em que o Estado presta, efetiva e continuamente, ampla assistência médica no interior do presídio.

35. A respeito da duradoura omissão estatal quanto ao estabelecimento de um sistema prisional digno e humano, e a necessária concessão da prisão domiciliar, nos casos em que esta se mostra como única e urgente solução, merece destaque a doutrina do Juiz Federal, Doutor FÁBIO ROQUE DA SILVA ARAÚJO, que, com equilíbrio e sensatez, em artigo intitulado "OMISSíO ESTATAL E PRISíO DOMICILIAR", pondera:

"Naturalmente, é uma opção assaz distante do ideal, comportando uma série de vicissitudes aptas a comprometer a sua eficácia, cumprindo-nos destacar, sobretudo, a inexistência de aparato estatal idôneo a promover a fiscalização e acompanhamento do cumprimento da pena, tornando, por conseguinte, ainda mais improvável a ressocialização do condenado.

Em que pese este e outros percalços que possam ser suscitados, estamos convictos de que a solução apontada possui o inexpugnável mérito de coadunar, ante a contraposição de interesses juridicamente relevantes, a aplicação da lei penal e a consagração dos direitos fundamentais do custodiado que, não custa reiterar, não podem ser tolhidos ou flexibilizados em virtude da inércia atribuída exclusivamente ao Estado" (in ).

36. Cabe, sempre, ter em mente, em qualquer critério hermenêutico que se lance mão, mesmo o da fria interpretação literal, para solução de cada caso concreto da vida, as advertências lançadas pelo EMINENTE MINISTRO LUIZ FUX, do COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, que, com sua inegável maestria e reverência à Carta Cidadã de 1988, pontifica, in verbis:

"A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana" (AgRg no REsp 1002335/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 22/09/2008).

37. Quer se dizer, NOBRE MAGISTRADO, que mesmo a desterrada interpretação literal do Art. 117, Caput, da Lei 7.210/84, a desafiar criação de norma draconiana e teratológica, não se encontra acima, sequer ao lado, do disposto no Art. 1º, Inciso III, da Constituição Federal, onde se elege o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana à categoria de postulado fundante da República Federativa do Brasil, e, do Art 5º, do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), que consagra o direito à integridade pessoal, exigindo respeito à integridade física, psíquica e moral de toda pessoa.

38. Assim, procedendo-se à declaração incidental de inconstitucionalidade ou de não recepção da expressão "do beneficiário de regime aberto" insculpida no Caput do Art. 117 da Lei de Execuções Penais (Lei n. 7.210/84) – controle de constitucionalidade difuso ou incidenter tantum – , fundamento prejudicial à resolução do presente litígio principal coletivo latu sensu, exercido por meio desta Ação Civil Pública, deve o réu ESTADO DO ESPÍRITO SANTO proceder, incontinenti, ao recolhimento de qualquer preso provisório ou condenado definitivamente em residência particular (prisão domiciliar) quando se tratar de pessoa acometida de doença grave, comprovadamente demonstrada, independentemente do regime de cumprimento da prisão ou tipo de custódia cautelar. Desde que, advirta-se, cumulativamente, o estabelecimento prisional não disponha efetivamente de profissionais de saúde, equipamentos e instalações para prestar ampla assistência médica ao preso.

39. A efetiva e exata verificação da doença grave, que acomete o encarcerado ou preso provisório, deverá ser confeccionada através de laudos oficiais do DEPARTAMENTO MÉDICO LEGAL - DML e de uma junta médica oficial. Evitando-se, desse modo, aquilo que o EMINENTE MINISTRO JOAQUIM BARBOSA, com sua perspicácia e atenção, chama de "laudos médicos graciosos" a dissimular o real estado de saúde do preso. Quanto à demonstração de que o estabelecimento prisional não dispõe efetivamente de profissionais de saúde, equipamentos e instalações para prestar ampla assistência médica ao preso, esta constatação deverá ser feita pelo seu próprio diretor, por escrito.

40. EX POSITIS, requer a DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO o seguinte:

a) Que o réu ESTADO DO ESPÍRITO SANTO proceda ao recolhimento de todos os presos provisórios ou condenados definitivos, sujeitos a estabelecimentos penais onde não haja efetiva e contínua assistência médica ampla e integral, em suas respectivas residências particulares (prisão domiciliar), quando se tratarem de condenados ou custodiados provisórios acometidos de doença grave (obrigação de fazer), independentemente do regime de cumprimento de pena, diagnosticada a moléstia aflitiva através de laudo oficial do DEPARTAMENTO MÉDICO LEGAL - DML e de uma junta médica oficial, a ser levada a efeito pelo próprio Ente-demandado (obrigação de fazer), até o pleno restabelecimento da saúde do preso ou de sua morte ensejadora da extinção da pena ou da punibilidade (morte digna), com supedâneo no Art. 1º, Inciso III, da Constituição Federal de 1988, do Art. 5º, do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) e da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes no Controle Difuso (Habeas Corpus n. 98.675, Origem ESPÍRITO SANTO, Relator MIN. EROS GRAU, j. 09/06/2009);

b) A concessão de medida liminar inaudita altera pars para a antecipação dos efeitos da tutela pretendida na letra "a", determinando-se, até decisão final da lide, que o réu ESTADO DO ESPÍRITO SANTO proceda ao recolhimento de todos os presos provisórios ou condenados definitivos, sujeitos a estabelecimentos penais onde não haja efetiva e contínua assistência médica ampla e integral, em suas respectivas residências particulares (prisão domiciliar), quando se tratarem de condenados ou custodiados provisórios acometidos de doença grave (obrigação de fazer), independentemente do regime de cumprimento de pena, diagnosticada a moléstia aflitiva através de laudo oficial do DEPARTAMENTO MÉDICO LEGAL - DML e de uma junta médica oficial, a ser levada a efeito pelo próprio Ente-demandado (obrigação de fazer), até o pleno restabelecimento da saúde do preso ou de sua morte ensejadora da extinção da pena ou da punibilidade (morte digna), com supedâneo no Art. 1º, Inciso III, da Constituição Federal de 1988, do Art. 5º, do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) e da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes no Controle Difuso (Habeas Corpus n. 98.675, Origem ESPÍRITO SANTO, Relator MIN. EROS GRAU, j. 09/06/2009), nos termos fundamentais do Art. 12, Caput, da Lei 7.347/85;

c) A imprescindível intimação do Ilustríssimo Senhor Doutor Representante do Ministério Público Estadual oficiante, na forma eleita pelo Parágrafo 1º, do Art. 5º, da Lei 7.347/85, para defesa do Postulado da Dignidade da Pessoa Humana;

d) Com supedâneo no autorizativo do Art. 11 da Lei 7.347/85, que sejam fixadas astreintes, suficiente e compatível, para compelir o réu ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ao cumprimento específico do preceito interlocutório liminar, se deferido, e, após, do provimento jurisdicional definitivo, impondo-se, assim, em ambos os casos de eventual recalcitrância do demandado, multa diária não inferior a R$ 10.000 (dez mil reais), no tempo e modo eleitos por V. Exa., por preso acometido de comprovada doença grave fora de recolhimento domiciliar (em residência particular), naqueles casos em que não prestado pelo estabelecimento penal efetiva e contínua assistência médica ampla e integral;

e) Que o réu ESTADO DO ESPÍRITO SANTO seja citado, para responder aos termos da presente Ação Civil Pública; e,

f) Protesta-se pela produção de todas as provas permitidas em Direito Coletivo, notadamente pela juntada dos documentos acostados à presente vestibular.

41. Para os fins do disposto no Art. 282, V, do CPC, atribui-se à causa o valor de R$ 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco reais).

Vitória/ES, 11 de Junho de 2009

CARLOS EDUARDO RIOS DO AMARAL
DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO
Matrícula nº 2905043 – Ordem de Serviço DP/ES nº 063/2008
RESOLUÇíO DP/ES nº 013/2008

Fonte: O Autor
 
Por:  Carlos Eduardo Rios do Amaral    |      Imprimir