Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 17-06-2009

AÇíO CIVIL PÚBLICA PARA ACESSO À REDE PÚBLICA DE SAÚDE PSIQUIÁTRICA PARA TOXICÔMANOS E ALCOÓLATRAS
A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, pelo seu ÓRGÃO DE EXECUÇÃO especializado que a presente peça...
AÇíO CIVIL PÚBLICA PARA ACESSO À REDE PÚBLICA DE SAÚDE PSIQUIÁTRICA PARA TOXICÔMANOS E ALCOÓLATRAS

EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL NO FORO DA SERRA — COMARCA DA CAPITAL – ES

EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO OFICIANTE

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, pelo seu ÓRGíO DE EXECUÇíO especializado que a presente peça subscreve, com endereço para intimação pessoal em quaisquer graus de jurisdição ex vi legis (Art. 128, I, da Lei Complementar 80/94, Art. 5º, §5º, da Lei 1.060/50 e Art. 55, X, da Lei Complementar Estadual 55/94) junto à Sede do NÚCLEO ESPECIALIZADO MARIA DA PENHA na Serra/ES, criado pela RESOLUÇíO DP/ES nº 013/2008, sito à Rua Campinho, n. 96, Centro, Serra/ES, CEP 29.176-438, Tel. (27) 3291-5667 e Fax (27) 3291-5735, na forma basilar dos Arts. 5º, LXXIV e §2º c/c 134, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e do Art. 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas assinada em 1948, dispensada de iure a exibição de instrumento procuratório (Art. 128, XI, da Lei Complementar 80/94 e Art. 16, § único, da Lei 1.060/50), vem, mui respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, sem prejuízo do Digníssimo Defensor Público Natural oficiante (Art. 2º, e §§1º e 2º, da Res. DP/ES nº 013/2008), propor

AÇíO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO LIMINAR ET INAUDITA ALTERA PARS DE TUTELA ANTECIPADA

, contra o

(1) ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, pessoa jurídica de direito público interno, com endereço para comunicação dos atos processuais à Av. Governador Bley, n. 236, Ed. Fábio Ruschi, 10° e 11° Andares, Centro, Vitória/ES, CEP 29.010-150, Tel: (27) 3380-3000 e Fax: (27) 3380-3043, e o

(2) MUNICÍPIO DA SERRA, pessoa jurídica de direito público interno, com endereço para comunicação dos atos processuais à Praça Dr. Pedro Feu Rosa, nº 01, Centro, Serra/ES, CEP 29.176-900

, pelos fundamentos de fato e de Direito abaixo alinhavados, que dão sustentação à súplica coletiva ora deduzida.


1. Meritíssimo Juiz, como cediço, proclama a 8º Constituição da República Federativa do Brasil — contando-se com o Ato Institucional nº 5 baixado em 13 de Dezembro de 1968 — , o seguinte:
"O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações" (Art. 226, parágrafo 8º).
2. Antes da promulgação de nossa atual e festejada Carta Magna, o Brasil aprovou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres — adotada pela Resolução nº 34/180 da Assembléia das Nações Unidas, em 18 de Dezembro de 1979 — , através do Decreto Legislativo nº 93, de 14.11.1983, que foi ratificada pelo Brasil em 1º de Fevereiro de 1984, e, finalmente, promulgada pelo Decreto nº 89.406, de 20.3.1984.
3. O Art. 2º dessa Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (1979) exalta a todas às Nações do Mundo, membros da ONU, o que se segue:
"Artigo II. Os Estados Membros condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a:
a) Consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas Constituições Nacionais ou em outra legislação apropriada, o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados à realização prática desse princípio.
b) Adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher.
c) Estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher em uma base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação.
d) Abster-se de incorrer em todo ato ou prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta obrigação".
4. Já um pouco mais tarde, sob plena vigência da presente Lex Fundamentalis, o Estado brasileiro ratificou em 27 de Novembro de 1995, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher — Convenção de Belém do Pará — adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 06 de Junho de 1994.
5. Dessa convenção internacional multilateral dos países das Américas, restou seguro aos seus mais diferentes povos que:
"Capítulo III - Deveres dos Estados
Artigo 7º. Os Estados Membros condenam todas as formas de violência contra a mulher e concordam em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas orientadas e prevenir, punir e erradicar a dita violência e empenhar-se em:
§1. Abster-se de qualquer ação ou prática de violência contra a mulher e velar para que as autoridades, seus funcionários, pessoal e agentes e instituições públicas se comportem conforme esta obrigação.
§2. Atuar com a devida diligência para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher.
§3. Incluir em sua legislação interna normas penais, civis e administrativas, assim como as de outra natureza que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher e adotar as medidas administrativas apropriadas que venham ao caso".
6. Propositadamente, ao encontro direto a esses Diplomas magnificentes, o Excelentíssimo Senhor Doutor Presidente da República Federativa do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 11.340, de 07 de Agosto de 2006, publicada no Diário Oficial da União de 08 de Agosto do mesmo ano, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha.
7. A biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes foi agredida pelo marido durante seis anos. Em 1983, por duas vezes, ele tentou assassiná-la. Na primeira com arma de fogo, deixando-a paraplégica, e na segunda por eletrocução e afogamento. O marido de Maria da Penha só foi punido depois de 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em regime fechado.
8. Em razão desse fato, o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima, formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA que é um órgão internacional responsável pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação de acordos internacionais.
9. Diante da excessiva tolerância brasileira com a morosidade do processamento dos crimes domésticos contra a mulher, a Comissão da OEA publicou o Relatório nº 54 de 2001, em que concluiu o seguinte, in verbis:
"(...) A República Federativa do Brasil é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, assegurados pelos Artigos 8º e 25 da Convenção Americana em concordância com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no Artigo 1º do referido instrumento pela dilação injustificada e tramitação negligente deste caso de violência doméstica no Brasil.
Que o Estado tomou algumas medidas destinadas a reduzir o alcance da violência doméstica e a tolerância estatal da mesma, embora essas medidas ainda não tenham conseguido reduzir consideravelmente o padrão de tolerância estatal, particularmente em virtude da falta de efetividade da ação policial e judicial no Brasil, com respeito à violência contra a mulher.
Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o Artigo 7ª da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em conexão com os Artigos 8º e 25 da Convenção Americana e sua relação com o Artigo 1º da Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida".
10. Ao final, o Relatório recomendou a continuidade e o aprofundamento do processo reformatório do sistema legislativo nacional, a fim de mitigar a tolerância estatal à violência doméstica contra a mulher no Brasil e, em especial, recomendou "simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias do devido processo" e "o estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às conseqüências penais que gera".
11. Mas, Nobre e Honrado Magistrado, como notoriamente constatado por todos aqueles que diariamente lidam com a problemática da violência doméstica e familiar contra a mulher — e não só os Operadores do Direito em geral, como Juízes, Promotores, Defensores e Advogados, mas, também, Assistentes Sociais, Psicólogos, Psiquiatras e todos os outros Serventuários de Justiça — , a maior causa, ou, pelo menos, a que mais se sobressai, da violência respeitante à família é a dependência do álcool e das drogas.
12. A dependência química do álcool e das drogas, inequívoca e indubitavelmente, constitui-se em fundamental desventura das mulheres vítimas de violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, em todo o extenso Município da Serra.
13. Dentre as substâncias mais aflitivas, causadoras da dependência química dos agressores, sobressaem a cachaça e a droga conhecida como crack.
14. O acesso constante à essa bebida, permitida pelo salário, com a ausência das limitações para o uso, advindas da cultura e o consumo dentro de uma lógica urbana (o trago após o trabalho), contribuíram com a utilização diária da cachaça, determinante para a instalação do quadro de dependência.
15. Quanto ao crack, esta droga deriva da planta da coca, é resultante da mistura de cocaína, bicarbonato de sódio ou amônia e água destilada, resultando em grãos que são fumados em cachimbos. O seu surgimento se deu no início da década de 80, o que possibilitou seu fumo foi a criação da base de coca batizada como livre.
16. O consumo do crack é maior que o da cocaína, pois é mais barato. Por ser estimulante, ocasiona dependência física e, posteriormente, a morte por sua terrível ação sobre o sistema nervoso central e cardíaco. Devido à sua ação sobre o sistema nervoso central, gera aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da pressão arterial, dilatação das pupilas, suor intenso, tremores, excitação, maior aptidão física e mental. Os efeitos psicológicos são euforia, sensação de poder e aumento da auto-estima.
17. A dependência do crack se constitui em pouco tempo no organismo. Se inalado junto com o álcool, o crack aumenta o ritmo cardíaco e a pressão arterial o que pode levar a resultados letais.
18. Deve se tornar claro que, ao contrário do que o leigo possa conjecturar, os sujeitos ativos — os agentes — dos delitos perpetrados contra mulher no âmbito doméstico e familiar, submergidos na dependência do álcool ou das drogas, ou de ambos, não são apenas os maridos ou companheiros dessas pobres e infelizes mulheres.
19. A constatação prática é assustadora. Lamentável mesmo.
20. Netos, bisnetos, filhos, enteados, sobrinhos, irmãos, cunhados, pais, padrastos, avôs, bisavôs — sim, estes idosos também — , entre outros membros do núcleo familiar e doméstico, são freqüentadores assíduos dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, na condição de réus. Réus que cometeram verdadeiras atrocidades contra suas bisavós, avós, mães, madrastas, tias, irmãs, cunhadas, filhas, netas, e tantas outras.
21. A maior parte, muitíssimo dessas (atrocidades), em sincera e assombrosa comprovação de que praticaram o delito em situação de fúria e euforia ocasionada pela dependência do álcool ou das drogas, ou de ambas.
22. Experiente e Notável Julgador, bem sabe V. Exa., e todos ou outros Preclaros e Dedicados Juízes de Família e Criminais desse foro da Serra, a maioria desses réus, em verdade, não são propriamente réus, mas zumbis, indivíduos ocos e destruídos pela cachaça e pela pedra do crack. Mata-se por um celular, ou por um tênis de marca, para trocá-lo pela maldita droga.
23. As próprias mulheres vítimas da violência doméstica e familiar se aquartelam, em diversas r. Varas neste pobre foro da Serra, clamando para que seus doentes — e algozes — sejam internados para tratamento de desintoxicação do álcool e das drogas, para cura da dependência.
24. Muitas, diria tranquilamente a unanimidade, são únissonas e seguras em dizer que seus agressores são pessoas trabalhadoras, queridas na comunidade, cumpridoras de seus deveres familiares, bons pais, religiosos etc, mas, quando estão sob efeito do álcool e das drogas "ninguém pode chegar perto".
25. Por sua vez, os réus não negam o afirmado pelas suas vítimas. Ao contrário, choram à mesa de audiência e também clamam por tratamento médico eficaz e curativo, sem nenhuma perspectiva.
26. A verificação precisa da dependência química, em sua maioria esmagadora, é desnecessária de ser aferida por um perito oficial ou nomeado, eis que esses doentes viciados já chegam às audiências designadas completamente em estado desumano, em condições dignas de dó. Ou, não raras vezes, somem, desaparecem para lugares incertos, sem nenhum retorno glorioso, quando voltam vivos.
27. A decretação de medidas protetivas de urgência, próprias do Juizado da Mulher, na tentativa de mitigar a dor e sofrimento de mulheres, torna-se providência inócua para esses dependentes, porque eliminada a capacidade de discernimento e autodeterminação destes agressores. Os próprios Oficiais de Justiça, em suas certidões ao juízo, relatam que o cumprimento da medida, nestes casos, além de não ser socialmente recomendável diante da verificação ocular no caso concreto, é tarefa impossível.
28. Mas as próprias vítimas não desejam manterem-se afastadas de seus doentes agressores, querem, sim, que sejam tratados, curados, que sejam devolvidos ao convívio familiar livres da dependência do álcool e das drogas. Como uma Fênix que ressurge de suas cinzas.
29. Desnecessário lembrar que a decretação de prisão preventiva ou de qualquer uma das modalidades de prisão provisória previstas pela legislação processual penal, como profilaxia para a dependência do álcool e das drogas, extermina de uma só vez nossa Constituição Federal e todos os Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pela República Federativa do Brasil.
30. Inimputáveis não se sujeitam à prisão provisória, nem à pena, mas a medida de segurança, nos termos do Art. 96 do CP.
31. Todavia, MM. Juiz, o Município da Serra não possui um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico público para tratamento de agentes inimputáveis necessitados, pobres mesmo.
32. Noutras palavras, mais duras, no Município da Serra, só quem pode pagar as custosas e inatingíveis despesas de um hospital psiquiátrico — coincidentemente aqueles que não são assistidos pela DEFENSORIA PÚBLICA — conseguem a imediata internação de seus queridos parentes, ou membros do núcleo doméstico.
33. O Hospital Adauto Botelho — HAB, mantido só pelo Estado do Espírito Santo, localizado no Município de Cariacica, está saturado, e não comporta mais a massa de doentes psiquiátricos do Estado, dependentes do álcool e das drogas, nem dos moradores doentes e toxicômanos do Município da Serra, que cresce, assustadoramente, a cada dia. E, ao que parece, a situação tende a piorar agora, uma vez que, como amplamente noticiado, o Hospital Adauto Botelho receberá os doentes psiquiátricos do Hospital São Lucas, para reforma geral deste último.
34. O Art. 149, caput, do CP, prescreve que quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o Juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do Defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.
35. Para o efeito do exame, o acusado, se estiver preso, será internado em manicômio judiciário, ou, se estiver solto, e o requererem os peritos, em estabelecimento adequado que o Juiz designar. Se os peritos concluírem que o acusado era, ao tempo da infração, irresponsável, o processo prosseguirá, com a presença do curador. O Juiz deverá, nesse caso, ordenar a internação do acusado em manicômio judiciário ou em outro estabelecimento adequado. Se a insanidade mental sobrevier no curso da execução da pena, o sentenciado será internado em manicômio judiciário, ou, à falta, em outro estabelecimento adequado, onde lhe seja assegurado tratamento. Se se verificar que a doença mental sobreveio à infração, o processo continuará suspenso até que o acusado se restabeleça, ordenando-se, igualmente, a internação do acusado em manicômio judiciário ou em outro estabelecimento adequado.
36. Mas, não há como o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, e nenhuma outra Vara Criminal, do Município da Serra fazer cumprir essas disposições do Código de Processo Penal, no que tange à instalação do incidente de insanidade mental do acusado, como preconizado pelo CPP em seus Arts. 149 usque 154. Constata-se a insanidade de plano, mas não se lança o comodatário da mansão da loucura a tratamento psiquiátrico, por falta de local adequado neste Município.
37. Porque, insista-se, no Município da Serra não há manicômio judiciário, hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou outro estabelecimento adequado, para os necessitados. E, no sul do Estado, além do esgotamento e saturação da Clínica Santa Izabel, que ainda recebe pacientes do SUS e particulares de todo o Estado do Espírito Santo, os familiares desses doentes crônicos, se possível fosse a internação, não possuem a mínima condição sequer de visitá-los no distante Município de Cachoeiro de Itapemirim.
38. Tanto o Estado do Espírito Santo, como o Município da Serra, devem ser solidariamente condenados na presente via eleita, a construir, nos limites territoriais desse último Ente federativo (na Serra), um manicômio, hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou outro estabelecimento adequado, para os mais necessitados, para tratamento de seus doentes dependentes do álcool e das drogas, em especial aqueles que colocam diuturnamente a mulher em situação de violência doméstica e familiar.
39. A respeito da solidariedade dos réus, ora apontada, no plano material, dúvida não há. Proclama a Carta Republicana de 1988:
"TÍTULO VIII
Da Ordem Social
CAPÍTULO II
DA SEGURIDADE SOCIAL
Seção II
DA SAÚDE
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. (Parágrafo único renumerado para § 1º pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
I — no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
II — no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
III — no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)".
40. A Lei 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos da pessoa portadora de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental estabelece:
"Art. 3o É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.
Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.
§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2o.
Art. 5o O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário.
Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
Art. 7o A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento".
41. Essa mesma Lei 10.216/2001, um pouco mais adiante, em seu Art. 9o, torna claro:
"Art. 9o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo Juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários".
42. Mas, não se pode olvidar que a própria mulher em situação de violência doméstica e familiar, principalmente aquela infeliz que durante anos a fio suportou calada o seu sofrimento, também pode desenvolver sérios e graves transtornos da mente, a depender de internação para duradouro tratamento psiquiátrico.
43. Não são raros no Juizado casos de mulheres desesperadas, vítima da violência doméstica e familiar, que quando convocadas para expor sua história em Audiência, acabam por virar suas bolsas de ponta cabeça despejando diversos comprimidos, ansiolíticos, medicamentos sedativos e hipnóticos em geral. Muitas, sem nenhuma auto-estima e perspectiva de felicidade...
44. A própria Lei Maria da Penha dispõe o seguinte:
"CAPÍTULO II
DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇíO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
§ 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal".
45. Há, também, nos Juizados da Mulher, casos de vítimas carentes que já possuíam o transtorno mental antes mesmo do início de sua submissão à condição de pessoa violentada no âmbito familiar. Por falta de recursos para internação em uma clínica particular, os agressores deixam de promover a internação de suas perseguidas. O espetáculo é cruel. Muitas dessas mulheres — crianças, idosas ou adultas — são literalmente mantidas em cárcere privado em suas próprias casebres. Outras, costumeiramente, visitam este h. Juizado para comunicar que continuam sendo objeto de flagelo.
46. Não se pode esquecer também daquelas agressoras — sim, as próprias mulheres — , agentes de crimes cometidos contra suas próprias familiares, que também — aquelas primeiras — são portadoras de graves e sérios desvios comportamentais da personalidade, ocasionados pelos mais diversos motivos, inclusive e, da mesma forma, pelo vício do álcool ou das drogas, ou de ambos. Que, igualmente, por não possuírem recursos, nem suas famílias, coabitam em ambiente extremamente intolerável.
47. Todas essas diversas mulheres necessitadas, personagens da cotidiana violência doméstica e familiar, não encontram no Município da Serra um manicômio, hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou outro estabelecimento adequado, mantidos pelo Sistema Único de Saúde — SUS.
48. Do mesmo modo, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Município da Serra não possui meios de concretizar a internação compulsória de suas vítimas e réus mentalmente insanos. Nem, inclusive, daqueles que adoeceram após a prática delituosa, nem daqueles que adquiriram o transtorno mental durante o cumprimento da pena ou da prisão provisória em razão da abstinência do vício.
49. Razão pela qual, MM. Juiz, deve o Estado do Espírito Santo e o Município da Serra, às pressas, serem condenados solidariamente a construir nos limites territoriais desse último Ente federativo (Serra) um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou estabelecimento adequado, para internação e tratamento das doenças mentais, notadamente para aquelas relacionadas ao problema do álcool e das drogas. Atenuando-se, assim, a violação dos direitos humanos contra a mulher e o cidadão hipossuficiente.
50. Inexistem controvérsias no que diz respeito ao mínimo existencial, sendo plenamente possível sustentar a adoção de medidas protetoras das mínimas condições de vida digna para as pessoas.
51. Vale colacionar ementa de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 45, sendo Relator o Eminente Ministro Celso de Mello, do Excelso Supremo Tribunal Federal, senão vejamos:
"Ementa: Argüição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da "reserva do possível". Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da exigibilidade do núcleo consubstanciador do "mínimo existencial". Viabilidade instrumental da argüição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração)".
52. O Colendo Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, contemplando o Estado Social e Democrático de Direito, vem adotando uma postura de vanguarda, determinando a própria execução de políticas públicas já disciplinadas, alegando que o ato discricionário, por óbvio, também se submete a moralidade e razoabilidade. Senão vejamos:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL — AÇíO CIVIL PÚBLICA — ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA VISíO.
1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autorizam que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador.
2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas.
4. Recurso especial provido.
(STJ, 2.ª T. REsp 493811/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON (1114) DJ 15.03.2004, pág. 236)".
"ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL — AÇíO CIVIL PÚBLICA — OBRAS DE RECUPERAÇíO EM PROL DO MEIO AMBIENTE — ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO.
1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.
2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la.
3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade.
4. Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la.
5. Recurso especial provido.
(STJ, 2.ª T. REsp. 429570 / GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON. DJ 22.03.2004, pág. 277)".
53. EX POSITIS, em face de todo o exposto, requer a DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO o seguinte:
a) A concessão de medida liminar inaudita altera pars, ex vi dos Arts. 12, caput, 19, e 21 da Lei 7.347/85, c/c Art. 461, §§ 3º, 4º e 5º, do CPC e Art. 13 da Lei 11.340/2006, para que os réus Estado do Espírito Santo e Município da Serra, solidariamente, sejam condenados a construir nos limites territoriais desse último Ente federativo (Serra) um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico público ou estabelecimento adequado universal e igualitário para os necessitados, para internação de toxicômanos e tratamento das doenças e transtornos mentais, notadamente para aquelas enfermidades relacionadas ao problema do álcool e das drogas (obrigação de fazer), atenuando-se, assim, a violação dos direitos humanos contra a mulher e o cidadão hipossuficiente, com fixação de astreintes no preceito interlocutório;
b) A definitiva condenação solidária dos réus Estado do Espírito Santo e Município da Serra a construir nos limites territoriais desse último Ente federativo (Serra) um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico público ou estabelecimento adequado universal e igualitário para os necessitados, para internação de toxicômanos e tratamento das doenças e transtornos mentais, notadamente para aquelas enfermidades relacionadas ao problema do álcool e das drogas (obrigação de fazer), atenuando-se, assim, a violação dos direitos humanos contra a mulher e o cidadão hipossuficiente, com fixação de astreintes no veredicto final;
c) A citação dos réus, na pessoa de seus Representantes legais, para responderem aos termos da presente ação, sob pena de revelia;
d) A produção de todas as provas em Direito Coletivo admitidas, sem prejuízo da necessária aplicação do disposto no Art. 334, I, do CPC ("Art. 334. Não dependem de prova os fatos: I — notórios;"), além do que a alegação de fato negativo — não existência de hospital psiquiátrico de longa internação no Município da Serra — , transfere o ônus da prova para às partes contrárias, ao pálio da mitigação do princípio da demanda (Nesse sentido, confira-se voto lapidar proferido pelo E. e Saudoso Min. Rel. Hélio Quaglia Barbosa no RESP 629.312/DF, com citações de passagens antológicas das obras dos Mestres Cândido Rangel Dinamarco e Sérgio Sahione Fadel);
e) Que seja oficiado ao Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher — UNIFEM Brasil e Cone Sul, Órgão das Nações Unidas, com endereço à EQSW 103/104, Lote 01, Bloco C — 70.670-350, Brasília/DF, Tel: +55 61 3038-9280, Fax: + 55 61 3038-9289, E-mail [email protected] ([email protected]), com entrega de cópia do inteiro teor da presente petição inicial, para que, se for o caso, manifeste seu interesse no acompanhamento da causa, coadjuvando este Defensor, considerando que a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos (Art. 6º da Lei 11.340/2006);
f) Que seja oficiado à Organização dos Estados Americanos — OEA/BRASIL, Escritório do Departamento de Desenvolvimento Sustentável da OEA, com endereço à SCS Quadra 8, Bloco B-50, Sala 235, Ed. Venâncio 2.000, 70.333-900, Brasilia/DF, Tel. (55 61) 3202-1883, Fax: (5561) 3202-1883, E-mail: [email protected], com entrega de cópia do inteiro teor da presente petição inicial, para que, se for o caso, manifeste seu interesse na causa, coadjuvando este Defensor, considerando que a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos (Art. 6º da Lei 11.340/2006);
g) A imprescindível intimação do Ilustríssimo Senhor Doutor Representante do Ministério Público do Estado do Espírito Santo Oficiante, com entrega dos autos com vista em Gabinete (Art. 41, IV, da Lei 8.625/93), para que, se desejar, intervenha o Digníssimo Senhor Doutor Promotor de Justiça como assistente litisconsorcial, ou atue como Fiscal da Lei, como preconizado pelo §1º, do Art. 5º, da Lei 7.347/85; e,
h) Que seja designada Comissão de Peritos, em Medicina Psiquiátrica e em Engenharia Civil, para que emita parecer sobre a questão, fixando data para declarações, em Audiências Públicas, convocando-se, ainda, a sociedade civil através de editais públicos a serem publicados em jornal de grande circulação, pelo menos por duas (02) vezes, para efetiva e melhor participação do povo serrano na consecução e instalação de esperado hospital de custódia e tratamento psiquiátrico público para internação e tratamento das doenças e transtornos mentais nos limites deste Município.
54. Para os fins do disposto no Art. 282, V, do CPC, atribui-se à causa o valor de R$ 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco reais).

Serra/ES, 17 de Junho de 2008
CARLOS EDUARDO RIOS DO AMARAL
DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO

Fonte: O Autor
 
Por:  Carlos Eduardo Rios do Amaral    |      Imprimir