Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 26-06-2009

AÇíO CIVIL PÚBLICA PARA PROIBIR USO DE TORNOZELEIRAS ELETRÔNICAS
O Título I de nossa Constituição Federal de 1988, logo em sua estréia, deixa claro que, dentre...
AÇíO CIVIL PÚBLICA PARA PROIBIR USO DE TORNOZELEIRAS ELETRÔNICAS

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – COMARCA DA CAPITAL – VITÓRIA/ES

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, pelo seu ÓRGíO DE EXECUÇíO especializado que a presente peça subscreve, com endereço para intimação pessoal em quaisquer graus de jurisdição ex vi legis (Art. 128, I, da Lei Complementar 80/94, Art. 5º, §5º, da Lei 1.060/50 e Art. 55, X, da Lei Complementar Estadual 55/94) junto à Sede do NÚCLEO ESPECIALIZADO na Serra/ES, criado pela RESOLUÇíO DP/ES nº 013/2008, sito à Rua Campinho, n. 96, Centro, Serra/ES, CEP 29.176-438, Tel. (27) 3291-5667 e Fax (27) 3291-5735, na forma basilar dos Arts. 5º, LXXIV e §2º c/c 134, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e do Art. 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas assinada em 1948, dispensada de iure a exibição de instrumento procuratório (Art. 128, XI, da Lei Complementar 80/94 e Art. 16, § único, da Lei 1.060/50), vem, mui respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, sem prejuízo do Digníssimo Defensor Público Natural oficiante (Art. 2º, e §§1º e 2º, da Res. DP/ES nº 013/2008), propor

AÇíO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO LIMINAR ET INAUDITA ALTERA PARS DE TUTELA ANTECIPADA

, contra o ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, pessoa jurídica de direito público interno, com endereço para comunicação dos atos processuais à Av. Governador Bley, n. 236, Ed. Fábio Ruschi, 10° e 11° Andares, Centro, Vitória/ES, CEP 29.010-150, Tel: (27) 3380-3000 e Fax: (27) 3380-3043, pelos fundamentos de fato e de Direito abaixo alinhavados, que dão sustentação à súplica coletiva ora deduzida.


1. O Título I de nossa Constituição Federal de 1988, logo em sua estréia, deixa claro que, dentre os seus princípios fundamentais eleitos pelo constituinte originário, o princípio federativo é o que define nossa forma de organização do Estado. Mas nossa recente história não esconde que formamos uma federação por segregação, que se deu com a divisão da ex-colônia brasileira, formando os diversos Estados atuais.

2. Em indisfarçável contraposição ao Estado Unitário, nossa Carta Maior Republicana, optou pelo Estado Federal, possuindo mesmo, assim, mais de um governo ou organização política autônomos, formando uma união indissolúvel e permanente.

3. Pode-se dizer, então, que, no Brasil, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possuem todos, sem exceção, governos locais autônomos, em estrutura tríplice, protegidos constitucionalmente contra quaisquer ingerências e intimidações da União, que representa o governo central.

4. Importante registrar que os Estados que integram uma federação não têm soberania, mas tão-somente autonomia, porque no próprio texto constitucional encontram as fronteiras de sua atuação, não ocupando, assim, posição de proeminência jurídica frente aos demais Entes federativos.

5. Essa autonomia assegurada às organizações políticas periféricas, com relação à ordem política central, decorrente de um processo de descentralização política, é todo formado pela Constituição Federal, de maneira rígida, através do que se chama de repartição de competências, que garante aos Entes políticos certas faculdades próprias para dispor de seus assuntos específicos, estabelecendo equilibrada e equitativa repartição de poderes. É o que se convenciona chamar de federalismo de equilíbrio.

6. A respeito da formação da vontade geral na Federação, cumpre por em relevo que as vontades parciais dos governos regionais, formados pelos Estados federados, encontram efetiva participação na solução e representação nos destinos da Federação. As deliberações do órgão federal acabam se constituindo de uma soma das vontades locais. É através do Senado Federal, órgão paritário representativo das unidades federadas, das vontades parciais, que se dá essa comunhão da vontade geral.

7. Nossa federação é marcada, quanto à repartição de competências, pelo sistema cooperativo, que caracteriza-se pela colaboração recíproca e atuação paralela ou comum entre os poderes centrais e regionais, estabelecendo-se atribuições concorrentes, como uma necessidade do Estado Social.

8. Destarte, por esse sistema cooperativo, informado pelo princípio geral da predominância do interesse, é permitido aos Estados uma atuação supletiva ou complementar para legislar sobre determinadas matérias visando a preencher a legislação federal, a fim de atender às suas próprias peculiaridades locais e carências de sua população.

9. Nossa Constituição Federal, quanto à técnica de repartição de competências para evitar dificuldades na perscrutação da predominância de interesses, houve por bem fazer a enumeração de todas as competências de cada entidade federada, estabelecendo poderes privativos e concorrentes, estes últimos repartidos verticalmente.

10. O Art. 24 da Lex Fundamentalis cuida das competências legislativas concorrentes, que serão exercidas pela União, Estados-membros e o Distrito Federal. Por esse dispositivo constitucional a União limitar-se-á a editar normas gerais e os Estados e Distrito Federal a editar normas específicas, de natureza especial (competência supletiva). As normas gerais editadas pela União são de observância obrigatória, não podendo ser suplementadas pelos Estados com legislação complementar inovadora ou conflituosa, que vão além de suas peculiaridades.

11. Ponha-se em destaque que a chamada competência legislativa concorrente cumulativa (ou plena), ocasionalmente servida ao Estado-membro, apenas reserva a este, em caso de inexistência de lei federal sobre normas gerais, a atribuição de exercer competência legislativa plena, para atender às suas específicas peculiaridades locais (Art. 24, § 3º, da CF/88).

12. Nesse toar, dispõe o Art. 24, Inciso I, da Constituição Federal:

"Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico".

13. Pois bem, violando a repartição vertical de competência legislativa, editando autêntica norma geral, que rompe a higidez do pacto federativo, o ESTADO DO ESPÍRITO SANTO cria a vigilância eletrônica para a fiscalização do cumprimento de condições fixadas em decisão judicial, o também chamado uso de tornozeleiras eletrônicas em presos.

14. Eis o teor da lei estadual capixaba aprovada e sancionada, publica no Diário Oficial do Estado de 17 de Junho de 2009:

"LEI Nº 9.217

Estabelece normas suplementares de Direito Penitenciário, regula a vigilância eletrônica e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO ESPÍRITO SANTO

Faço saber que a Assembléia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas suplementares de Direito Penitenciário e regula a utilização da vigilância eletrônica para a fiscalização do cumprimento de condições fixadas em decisão judicial que:

I - determine a prisão em residência particular, de que trata o artigo 117 da Lei Federal nº 7.210, de 11.7.1984 - Lei de Execução Penal;

II - aplique a proibição de frequentar determinados lugares;

III - conceda o livramento condicional, autorize a saída temporária do estabelecimento penal, sem vigilância direta, ou a prestação de trabalho externo.

Parágrafo único. A vigilância eletrônica consiste no uso da telemática e de meios técnicos que permitam, à distância e com respeito à dignidade da pessoa a ela sujeita, observar sua presença ou ausência em determinado local e durante o período em que, por determinação judicial, ali deva ou não possa estar.

Art. 2º A determinação da vigilância eletrônica, sempre por decisão judicial, será precedida de oitiva do Ministério Público e dependerá de consentimento do condenado, que será presumido quando requerer essa providência, diretamente ou representado por seu defensor.

§ 1º A qualquer tempo caberá a retratação do consentimento
previsto no "caput" deste artigo.

§ 2º Vetado.

§ 3º Vetado.

§ 4º Vetado.

Art. 3º A decisão que determinar a vigilância eletrônica especificará os locais e os períodos em que será exercida, que poderão ser modificados, quando necessário, pelo juiz ou tribunal.

Art. 4º A vigilância eletrônica será revogada:

I - quando se tornar desnecessária ou inadequada;

II - se o condenado violar os deveres a que fica adstrito durante a sua vigência ou retratar-se do consentimento prestado.

Art. 5º A vigilância eletrônica se iniciará após a instalação dos meios técnicos necessários à sua execução e, conforme o fim a que visar, será realizada no âmbito das atividades de segurança pública ou de administração penitenciária.

Art. 6º O condenado será advertido, pessoalmente e por escrito, quanto ao sistema de vigilância eletrônica e, enquanto estiver submetido a ela, sem prejuízo das demais condições fixadas na decisão que a determinar, terá os seguintes deveres:

I - receber visitas do servidor responsável pela vigilância eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações;

II - abster-se de qualquer comportamento que possa afetar o normal funcionamento da vigilância eletrônica, especialmente atos tendentes a impedi-la ou dificultá-la, a eximir-se dela, a iludir o servidor que a acompanha ou a causar dano ao equipamento utilizado para a atividade;

III - informar de imediato ao órgão ou entidade responsável pela vigilância eletrônica se detectar falhas no respectivo equipamento;

IV - apresentar justificativa para seu comportamento aparentemente irregular, descoberto durante os períodos de vigilância eletrônica e incompatível com a decisão judicial que a determinou.

Art. 7º Vetado.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Palácio Anchieta em Vitória, 16 de Junho de 2009".

15. Clitellae bovi sunt impositae (Cícero, Ad Atticum 5.15.2).

16. O conveniente manejo da expressão "estabelece normas suplementares de Direito Penitenciário", usadas no frontispício da norma estadual claudicante, não a socorre, nem impressiona o operador do Direito.

17. Inexiste norma geral federal positivada a respeito da vigilância eletrônica em presos.

18. O ESTADO DO ESPÍRITO SANTO não suplementa, assim, nenhuma norma federal geral a respeito da vigilância eletrônica em presos, para atendimento de excepcional interesse especial e local.

19. Numa breve leitura dos dispositivos da lei estadual citada, vislumbra-se sua natureza geral, que se antecipa a qualquer espécie normativa federal geral de competência vertical da União.

20. Ora, a criação do instituto da vigilância eletrônica em presos é matéria ainda gestada no Congresso Nacional, como se pode perceber do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 111, de 2008 (PL nº 4.208, de 2001, na origem), que altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de Outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências.

21. Mencionado Projeto de Lei nº 111/2008 encontra-se, hoje, tramitando no Senado Federal, sob a augusta e douta relatoria do Excelentíssimo Senhor Senador Demóstenes Torres.

22. No que interessa aqui, estabelece esse Projeto legislativo:

"CAPÍTULO V

DAS OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

(...)

IX – monitoração eletrônica".

23. Non abbiamo alcun diritto generale.

24. O ESTADO DO ESPÍRITO SANTO criando a inédita monitoração eletrônica não está exercendo sua competência legislativa para atender a suas peculiaridades.

25. Do contrário, o atual Projeto de Lei nº 111/2008, que encontra-se ainda tramitando no Senado Federal, dispondo sobre a criação da monitoração eletrônica, seria mera recordação nostálgica do pacto federativo ou passatempo parlamentar.

26. Cumpre não olvidar, in casu, a abalizada lição de ALEXANDRE DE MORAES, para quem que "o princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse (...), à União caberá aquelas matérias e questões de predominância do interesse geral, ao passo que aos Estados referem-se as matérias de predominante interesse regional e aos municípios concernem os assuntos de interesse local" (Direito Constitucional, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, pág. 270).

27. A esse propósito anota FERNANDA DIAS MENEZES DE ALMEIDA que "avulta, portanto, sob esse ângulo, a importância da repartição de competências, já que a decisão tomada a respeito é que condiciona a feição do Estado Federal, determinando maior ou menor grau de descentralização". Daí a afirmação desta renomada jurista no sentido de que a repartição de competências é "a chave da estrutura do poder federal, o elemento essencial da construção federal, a grande questão do federalismo, o problema típico do Estado Federal" (Competências na Constituição Federal de 1988, 4ªed., São Paulo, Atlas, 2007, págs. 19/20).

28. Igualmente, leciona acerca da matéria, RAUL MACHADO HORTA, assim se posicionando:

"As Constituições federais passaram a explorar, com maior amplitude, a repartição vertical de competências, que realiza a distribuição de idêntica matéria legislativa entre a União Federal e os Estados-membros, estabelecendo verdadeiro condomínio legislativo, consoante regras constitucionais de convivência. A repartição vertical de competências conduziu à técnica da legislação federal fundamental, de normas gerais e
de diretrizes essenciais, que recai sobre determinada matéria legislativa de eleição do constituinte federal. A legislação federal é reveladora das linhas essenciais, enquanto a legislação local buscará preencher o claro que lhe ficou, afeiçoando a matéria revelada na legislação de normas gerais às peculiaridades e às exigências estaduais. A Lei Fundamental ou de princípios servirá de molde à legislação local. É a Rahmengesetz, dos alemães; a Legge-cornice, dos italianos; a Loi de cadre, dos franceses; são as normas gerais do Direito Constitucional Brasileiro" (Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. pág. 366).

29. Insista-se com a dicção constitucional:

"CONSTITUIÇíO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

CAPÍTULO II
DA UNIíO

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

(...)

§1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados".

30. A Lei de Execução Penal (n. 7.210/84) em seu Art. 2º reza que a jurisdição penal dos Juízes e Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal, e não por afoita legislação estadual geral.

31. Daí a presente ação civil pública, para impedir que o ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, legislando sobre matéria geral de execução penal, ao arrepio da Constituição Federal de 1988, rompendo, outrossim, com o pacto federativo, proceda a indevida utilização da vigilância eletrônica para a fiscalização do cumprimento de condições fixadas a presos, através das chamadas "tornozeleiras eletrônicas" ou qualquer outro equipamento similar de tipo monitoração eletrônica da prisão ou de benefício processual concedido.

32. EX POSITIS, requer a DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO DO SANTO, o seguinte:

a) A procedência integral da presente ação civil pública, para que o réu ESTADO DO ESPÍRITO SANTO se abstenha, definitivamente, de utilizar qualquer monitoração eletrônica ou vigilância eletrônica para a fiscalização do cumprimento de pena ou benefício processual, do tipo tornozeleira eletrônica ou equipamento similar de aderência ao corpo humano (obrigação de não-fazer), em razão da inconstitucionalidade formal da Lei Estadual n. 9.217/2009;

b) A concessão de medida liminar inaudita altera pars para a antecipação dos efeitos da tutela pretendida na letra "a", determinando-se, até decisão final da lide, que o réu ESTADO DO ESPÍRITO SANTO se abstenha, provisoriamente, de utilizar qualquer monitoração eletrônica ou vigilância eletrônica para a fiscalização do cumprimento de pena ou benefício processual, do tipo tornozeleira eletrônica ou equipamento similar de aderência ao corpo humano (obrigação de não-fazer), em razão da inconstitucionalidade formal da Lei Estadual n. 9.217/2009, nos termos do Art. 12, Caput, da Lei 7.347/85;

c) A imprescindível intimação do Ilustríssimo Senhor Doutor Representante do Ministério Público Estadual, na forma eleita pelo Parágrafo 1º, do Art. 5º, da Lei 7.347/85, para a defesa do Texto Constitucional;

d) Com supedâneo no autorizativo do Art. 11 da Lei 7.347/85, que sejam fixadas astreintes, suficiente e compatível, para compelir o réu ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ao cumprimento específico do preceito interlocutório liminar, se deferido, e, após, do provimento jurisdicional definitivo, impondo-se, assim, em ambos os casos de eventual recalcitrância do demandado, multa diária não inferior a R$ 100.000 (cem mil reais), no tempo e modo eleitos por V. Exa.;

e) Que o réu ESTADO DO ESPÍRITO SANTO seja citado, para responder aos termos da presente Ação Civil Pública; e,

f) Protesta-se pela produção de todas as provas permitidas em Direito Coletivo.

33. Para os fins do disposto no Art. 282, V, do CPC, atribui-se à causa o valor de R$ 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco reais).

Vitória/ES, 18 de Junho de 2009

CARLOS EDUARDO RIOS DO AMARAL
DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO
Matrícula nº 2905043 – Ordem de Serviço DP/ES nº 063/2008
RESOLUÇíO DP/ES nº 013/2008

Fonte: O Autor
 
Por:  Carlos Eduardo Rios do Amaral    |      Imprimir