Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 29-06-2010

NO TEMPO DAS CAVERNAS ERA DIFERENTE.
“17.456 a.C., Vale dos Ossos, caminho dos babuínos 101, caverna maior...
NO TEMPO DAS CAVERNAS ERA DIFERENTE.

Manoel Manhães [email protected]

"17.456 a.C., Vale dos Ossos, caminho dos babuínos 101, caverna maior, a direita de quem entra, vindo do Monte dos Abutres, buraco de estar, sol ainda alto. A fêmea chega e encontra o macho dormindo, coloca as folhas e os ramos que recolheu no canto da fogueira e vai também repousar um pouquinho. Está com os pés cortados pelos espinhos dos arbustos e depois de limpar as feridas deita-se ao lado do macho. Este, acorda e sem muita cerimônia dispara: "-Onde é que você estava?" "-Fui recolher ramos para o fogo". "-Papo furado, você foi se encontrar com o bugre pintudo lá do vale". "-Que bugre pintudo? Tá sonhando? Acorda rapaz!" ‘-Eu tô bem acordado, tô sabendo de tudo". "-Não seja ridículo. Eu sou mulher séria, do trabalho pra casa, da casa pro trabalho". "-Eu tô sentindo um fedor de bugre pintudo". "-Mas vai se fud..., você tá confundindo tudo. Eu andei no lombo do mamute, é dele o cheiro". "-Mamute é? "-Sim… e olha, esse sim é pintudo".

Com essa ultima frase da fêmea o macho ficou ali por alguns minutos em silêncio entregue a seus pensamentos. Imaginou milhões de coisas. Ficou tentando entender se a fêmea estava sendo irônica ou se tinha mesmo algo a ver com o mamute. O problema é que nem sabia o que vinha a ser ironia. Pensou que era verdade. Mas era difícil de acreditar, impossível, inconcebível. Sua expressão facial era sempre mais atônita e depois de cinco minutos parecia já completamente imbecil. Ficou ali imbecil por mais cinco minutos e, de repente, em um segundo a expressão mudou para raivosa. No segundo seguinte se dirigiu à fêmea: "-Me explica isso!" – a fêmea dormia, chegando a ronronar levemente. Deu um salto: "-Explicar? O quê?" "-Essa história do mamute!" "-Mas o que é que houve com você? Bebeu de novo baba de tigre fermentada?" "-Não desconversa, vagabunda!". "-Vagabunda eu te mostro quem é, seu corno!". "-Corno?" – a essa altura o macho espumava pela boca enquanto repetia a plenos pulmões: "-Corno? Corno? Repete se tem coragem!" "-Corno, querido, no sentido de touro potente e raivoso". "-Ah! Touro potente? Você acha mesmo que eu me encaixo nessa imagem metafórica?" "-O quê? Imagem metafórica? Que merda é essa?" "-Sei lá, de vez em quando me vem umas coisas assim pra enfeitar o papo". "-Sei não, hein?".

"-Qualé? Agora vai dizer que meu papo não tá legal?" "-Não, é que tá meio esquisito, meio fresco". "-Fresco? Você não sabe do que eu sou capaz! Olha pra mim, fico aqui o dia todo na caverna, lavo, passo, cozinho, deixo tudo arrumadinho pra você e você nem liga. Você deve pensar que eu passo o dia todo dormindo, que eu não faço nada. Na tua cabeça eu sou inútil. Só porque você é que caça e recolhe as frutas, não quer dizer que eu esteja aqui somente penteando macaco. Eu sou um macho sabe, e por isso mesmo, cheio de sentimentos". "-Ah, vem cá bobinho, não faz charminho não. Vem que eu te dou colo". "-Me dá outra coisa também?" "-Dou".

E assim a paz voltou no vale, depois da habitual batida de bicos de todos os dias, pura carência afetiva. A noite foi caindo devagar com seus mantos cor de cinza. Os pássaros voltavam a seus ninhos, enquanto os outros animais procuravam um abrigo. Ao longe se ouvia um grunhido rouco. Parecia um gemido de prazer, como se um grande animal estivesse… rindo. Era o mamute."

    Fonte: O Autor
 
Por:  Manoel Manhães    |      Imprimir