Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 25-08-2010

O PARTO DA PALAVRA
Eu gostava muito de hist�ria em quadrinhos quando menino. E uma das coisas que acho mais interessante nesse tipo de literatura � que as falas s�o colocadas em bal�es que parecem se desprender da boca das personagens
O PARTO DA PALAVRA
Foto: www.maratimba.com


Eu gostava muito de hist�ria em quadrinhos quando menino. E uma das coisas que acho mais interessante nesse tipo de literatura � que as falas s�o colocadas em bal�es que parecem se desprender da boca das personagens, contidas por uma esp�cie de inv�lucro que as protege. Quem dera se na realidade fosse assim. Quem dera se o que eu falei pudesse ser controlado ao menos por mim. Mas n�o pode. Depois eu posso at� reconsiderar, corrigir, completar, arrepender-me de haver dito; o efeito daquela fala, por�m, � inevit�vel. O que falamos n�o permanece num saco de letrinhas. O conte�do voa livre, e a forma evapora imediatamente como nosso h�lito ou nossa respira��o.

Podemos contar at� dez e escolher o que vamos dizer. Mas, uma vez dito, perdemos completamente o controle daquilo que dissemos. E n�o estou me referindo aos escritores que publicam suas obras e as veem rapidamente tornar-se dom�nio p�blico; n�o estou falando de quest�es mi�das como direitos autorais. Falo do poder e da autonomia das ideias encarnadas em palavras, que, uma vez pronunciadas, n�o t�m como voltar mais para dentro de n�s. O parto da palavra � como o parto de um filho na constata��o edipiana de uma m�e.

A religi�o crist� afirma que Jesus � a Palavra de Deus que se fez carne. "Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Ultimamente nos falou por seu Filho, [...] imagem do seu ser" (Hb 1,1-2). Os crist�os creem que esse Verbo � um com Deus Pai, possui a mesma subst�ncia e natureza que o Pai, mas n�o se confunde com Ele. Deus � uma pessoa e o Verbo de Deus encarnado � outra pessoa distinta. Insepar�vel, mas realmente distinta. Essa f� na Sant�ssima Trindade est� perfeitamente em conson�ncia com a experi�ncia humana. E isso n�o � � cremos n�s crist�os � porque a Trindade seja inven��o nossa, mas justamente porque n�s somos "imagem e semelhan�a" (Gn 1,26) do Deus Trino.

Como na forma de ser de Deus, eu sou uma pessoa e a palavra que eu pronuncio ganha um outro corpo que n�o o meu. Plasticamente, � como se a minha palavra fosse outra pessoa, aut�noma e independente. A minha palavra � livre. Vez ou outra vemos por a� tentativas de controlar a divulga��o de ideias, a publica��o de palavras. � a tenta��o da censura. J� que n�o se pode prender a pessoa mesma, quer-se prender a proclama��o das suas palavras, controlando, proibindo, censurando. Muitos que n�o aceitam isso preferem que lhe prendam o corpo ou ent�o que lhe tirem a vida de uma vez. Mas a palavra � isto � sagrado �, a palavra � soberanamente livre. Prendam, espanquem e matem o profeta, mas n�o pensem ser poss�vel evitar que ele continue gritando a verdade, ainda que apenas para as correntes ouvirem.

Esta � minha homenagem ao meu grande amigo Dr. Bruno Alves de Souza Toledo, comendador advogado do ano pela OAB-ES, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos. Suas palavras n�o t�m cabido em bal�es de quadrinhos, e o que ele tem a dizer merece ser recebido com aten��o.

Fonte:
 
Por:  Juliano Ribeiro Almeida    |      Imprimir