Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 02-09-2010

CRACK 1 x 0 LEI MARIA DA PENHA
Passados j� quatro anos de vig�ncia da Lei Federal 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, como notoriamente constatado por todos aqueles que diariamente lidam com a problem�tica da viol�ncia dom�stica e familiar contra a mulher
CRACK 1 x 0 LEI MARIA DA PENHA
Foto: www.maratimba.com


Passados j� quatro anos de vig�ncia da Lei Federal 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, como notoriamente constatado por todos aqueles que diariamente lidam com a problem�tica da viol�ncia dom�stica e familiar contra a mulher � e a� n�o s� os protagonistas do processo, como ju�zes, promotores, defensores p�blicos e advogados, mas, igualmente, assistentes sociais, psic�logos e serventu�rios da Justi�a �, a maior causa, ou, pelo menos, aquela que mais se sobressai � a depend�ncia do �lcool e das drogas.



Essa sujei��o qu�mica ao �lcool e �s drogas, inequ�voca e indubitavelmente, constitui-se em fundamental desventura das mulheres v�timas de viol�ncia f�sica, psicol�gica, sexual, patrimonial e moral, em todo o Brasil.



Dentre as subst�ncias entorpecentes mais aflitivas, causadoras da depend�ncia qu�mica de agressores, sobressaem a cacha�a e a droga conhecida como crack.



O acesso constante a essa bebida extra�da do mela�o, permitida pelo sal�rio, com a aus�ncia de limita��es para o uso, advindas da cultura brasileira, e o consumo dentro de uma l�gica urbana (o "trago" ap�s o trabalho), contribu�ram para o consumo di�rio da cacha�a. Esses fatores s�o determinantes para a instala��o do quadro de depend�ncia.



Quanto ao crack, esta droga deriva da planta da coca, resultante da combina��o de coca�na, bicarbonato de s�dio ou am�nia e �gua destilada, resultando em gr�os que s�o fumados em cachimbos. O seu surgimento se deu no in�cio da d�cada de 80, e o que possibilitou o fumo foi a cria��o da base de coca batizada como "livre".



O consumo do crack � maior que o da coca�na, pois � mais barato. Por ser estimulante, ocasiona depend�ncia f�sica e, posteriormente, a morte por sua terr�vel a��o sobre o sistema nervoso central e card�aco. Devido a essa a��o sobre o sistema nervoso, gera acelera��o dos batimentos card�acos, aumento da press�o arterial, dilata��o das pupilas, suor intenso, tremores, excita��o, maior aptid�o f�sica e mental. Os efeitos psicol�gicos s�o euforia, sensa��o de poder e aumento da auto-estima.



A depend�ncia do crack se constitui em pouco tempo no organismo. Se inalado juntamente com o consumo de �lcool � e essa � a regra entre os jovens nas periferias das grandes cidades brasileiras �, o crack aumenta o ritmo card�aco e a press�o arterial, o que pode levar a resultados letais.



Deve se tornar claro que, ao contr�rio do que o leigo possa conjecturar, os sujeitos ativos � os agentes � dos delitos perpetrados contra a mulher no �mbito dom�stico e familiar, submersos na depend�ncia do �lcool ou das drogas, ou de ambos, n�o s�o apenas os maridos ou companheiros dessas pobres e infelizes mulheres.



A lastimosa constata��o pr�tica no dia-a-dia das audi�ncias judiciais � assustadora, infeliz mesmo. S�o netos, bisnetos, filhos, enteados, sobrinhos, irm�os, cunhados, pais, padrastos, av�s, bisav�s. Sim, estes mais idosos tamb�m, entre outros membros do n�cleo familiar e dom�stico, s�o freq�entadores ass�duos dos Juizados de Viol�ncia Dom�stica e Familiar contra a Mulher, na condi��o de acusados. S�o r�us que cometeram verdadeiras atrocidades contra suas bisav�s, av�s, m�es, madrastas, tias, irm�s, cunhadas, filhas, netas, e tantas outras do conv�vio �ntimo di�rio.



A maior parte dessas atrocidades t�m sincera e assombrosa comprova��o de que foram praticadas em situa��o de f�ria e euforia ocasionada pela depend�ncia do �lcool e das drogas.



Bem sabem os dedicados ju�zes das Varas de Fam�lia e Criminais do pa�s afora que a maioria desses r�us, em verdade, n�o s�o propriamente r�us, mas zumbis, indiv�duos ocos, destru�dos pela cacha�a e pela pedra do crack.



As pr�prias mulheres v�timas da repetida viol�ncia dom�stica e familiar se aquartelam nos f�runs, gabinetes de promotores de Justi�a e defensores p�blicos, clamando calorosa e insistentemente para que seus doentes � ao mesmo tempo, carrascos � sejam internados para tratamento de desintoxica��o do �lcool e das drogas, para cura definitiva da depend�ncia.



Muitas � considere tranq�ilamente a unanimidade delas, amigo leitor � s�o un�ssonas e seguras em dizer que seus agressores s�o pessoas trabalhadoras, queridas na comunidade, cumpridoras de seus deveres familiares, bons pais, religiosos, mas, quando est�o sob efeito do �lcool e das drogas, "ningu�m pode chegar perto".



Por sua vez, os acusados, sem titubear, n�o negam o afirmado pelas suas amadas v�timas do conv�vio dom�stico. Ao contr�rio, choram � mesa de audi�ncia, relatam submiss�o a breves interna��es em casas de amparo sem nenhuma assist�ncia psiqui�trica, alguns a rituais de exorcismo, tamb�m suplicando, todos esses, por tratamento m�dico eficaz, digno e curativo, para fazer cessar o sofrimento de seus familiares.



A verifica��o segura da depend�ncia qu�mica, na maioria esmagadora dos casos, � imposs�vel de ser aferida por um perito m�dico oficial ou nomeado. Eis que esses doentes viciados j� chegam �s audi�ncias designadas completamente em estado desumano, em condi��es dignas de d�. N�o s�o raros os casos em que, entre o intervalo de uma audi�ncia e outra, faz-se necess�rio abrir portas, janelas e b�sculas, interrompendo os trabalhos, para que se esvae�a o forte odor de narc�ticos ou bebida alco�lica. � que muitos acusados "tomam uma" � umas muitas, diga-se � ou se drogam, para perder a inibi��o em audi�ncia, mas sem conseguir disfar�ar o estado de ebriedade.



A decreta��o de medidas protetivas de urg�ncia, cautelares para assegurar a incolumidade da ordem p�blica e da instru��o para solu��o efetiva do processo, na tentativa de mitigar a dor e sofrimento da mulher, torna-se provid�ncia in�cua contra esses acusados dependentes, porque eliminada a capacidade de discernimento e autodetermina��o destes agressores. Os pr�prios devotados oficiais de Justi�a, em suas certid�es ao ju�zo, relatam que o cumprimento da medida, nestes casos, al�m de n�o ser socialmente recomend�vel, diante da verifica��o ocular no caso concreto, � tarefa imposs�vel.



As pr�prias v�timas n�o desejam manterem-se afastadas de seus doentes agressores, debatem-se contra a ordem judicial de afastamento destes do lar. Querem, sim, que sejam tratados, curados, que sejam devolvidos ao conv�vio familiar livres da depend�ncia do �lcool e das drogas, como se fossem uma F�nix que ressurge de suas cinzas.



Desnecess�rio lembrar que a decreta��o de pris�o preventiva, ou de qualquer uma das modalidades de pris�o provis�ria previstas pela legisla��o processual penal, como uma esp�cie de profilaxia ministrada para a depend�ncia do �lcool e das drogas, extermina de uma s� vez nossa Constitui��o Federal de 1988 e todos os tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pela Rep�blica Federativa do Brasil.



Inimput�veis, como cedi�o, n�o se sujeitam � pris�o provis�ria, nem � pena corporal, mas, sim, a medida de seguran�a, nos termos do artigo 96 do C�digo Penal. Abandonamos, ainda que tardiamente, o odioso sistema do duplo-bin�rio. Todavia, muitas comarcas do pa�s n�o possuem hospital de cust�dia e tratamento psiqui�trico p�blico para tratamento de agentes inimput�veis necessitados.



Noutras palavras, mais duras, s� quem pode pagar as custosas despesas de um hospital psiqui�trico particular � coincidentemente, aqueles que n�o s�o assistidos pela Defensoria P�blica � conseguem a imediata interna��o de seus queridos parentes, ou membros do n�cleo dom�stico.



Al�m disso, muitos dos hospitais psiqui�tricos p�blicos que existem para fins de interna��o de dependentes est�o saturados, e n�o comportam mais essa massa de doentes, dependentes do �lcool e das drogas, que cresce assustadoramente a cada dia, em propor��o inversa aos investimentos p�blicos em sa�de mental.



O artigo 149, caput, do C�digo de Processo Penal, prescreve formalmente que, quando houver d�vida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenar�, de of�cio ou a requerimento do Minist�rio P�blico, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irm�o ou c�njuge do acusado, seja este submetido a exame m�dico-legal.



Para o efeito desse exame, o acusado, se estiver preso, ser� internado em manic�mio judici�rio, ou, se estiver solto, e o requererem os peritos, em estabelecimento adequado � cadeia p�blica, n�o � para sua convalescen�a, que o juiz designar. Se os peritos conclu�rem que o acusado era, ao tempo da infra��o penal, irrespons�vel, o processo prosseguir�, com a presen�a do curador.



O juiz dever�, nesse caso, igualmente como acontece por ocasi�o do exame de insanidade, ordenar (revalidar) a interna��o do acusado em manic�mio judici�rio ou em outro estabelecimento adequado. Se a insanidade mental sobrevier no curso da execu��o da pena, o sentenciado ser� internado em manic�mio judici�rio, ou, � falta, em outro estabelecimento adequado, onde lhe seja assegurado tratamento.



Por fim, caso se verifique que a doen�a mental culminou com a infra��o, o processo continuar� suspenso at� que o acusado se restabele�a, ordenando-se, tamb�m, sua interna��o em manic�mio judici�rio ou em outro estabelecimento adequado.



Entrementes, n�o h� como grande parte dos Juizados de Viol�ncia Dom�stica e Familiar contra a Mulher do pa�s fazer cumprir com retid�o essas disposi��es do C�digo de Processo Penal, no que tange � instala��o do incidente de insanidade mental do acusado e sua interna��o compuls�ria em estabelecimento de sa�de adequado, como preconizado pelo C�digo de Processo Penal em seus artigos 149 e 154. Porque, insista-se, na maioria esmagadora das comarcas do Brasil, n�o h� manic�mio judici�rio, hospital de cust�dia e tratamento psiqui�trico, ou outro estabelecimento adequado para os necessitados, � disposi��o das autoridades judici�rias.



N�o se pode olvidar, tamb�m, que a pr�pria mulher em situa��o de viol�ncia dom�stica e familiar, principalmente aquela infeliz que durante anos a fio suportou calada o seu sofrimento, tamb�m pode desenvolver, como desenvolve, s�rios e graves transtornos da mente, a depender de interna��o para duradouro tratamento psiqui�trico. E esse mal � reconhecido pelo pr�prio artigo 7o, inciso II, da Lei Maria Penha, que expressamente disp�e que a viol�ncia psicol�gica � uma das formas de viol�ncia dom�stica e familiar contra a mulher, entre outras.



N�o s�o raros, nos Juizados da Mulher, casos de v�timas desesperadas, que, quando convocadas para expor sua hist�ria em audi�ncia, acabam por virar suas bolsas de ponta cabe�a, despejando diversos comprimidos, ansiol�ticos, medicamentos sedativos e hipn�ticos em geral. Muitas, automedicadas, sem nenhuma auto-estima e perspectiva de felicidade.



H�, tamb�m, nos Juizados da Mulher, casos de v�timas carentes que j� possu�am o transtorno mental antes mesmo do in�cio de sua submiss�o � condi��o de pessoa violentada no �mbito familiar. E, por falta de recursos para interna��o em uma cl�nica particular � em raz�o da aus�ncia de hospitais psiqui�tricos p�blicos �, os agressores deixam de promover a interna��o de suas perseguidas.



O espet�culo � cruel. Muitas dessas mulheres � crian�as, idosas ou adultas � s�o literalmente mantidas em c�rcere privado em seus pr�prios casebres, acorrentadas ao p� da cama, onde ali mesmo defecam e urinam. Outras, costumeiramente, conseguem fugir e visitam o Juizado da Mulher para comunicar que continuam sendo objeto de flagelo.



Outrossim, h�, tamb�m, aquelas agressoras � sim, as pr�prias mulheres na condi��o de acusadas �, agentes de crimes cometidos contra suas pr�prias familiares. Elas s�o portadoras de graves e s�rios desvios comportamentais da personalidade, ocasionados pelos mais diversos motivos, inclusive e, da mesma forma, pelo v�cio do �lcool ou das drogas, ou de ambos. Que, por igualmente n�o possu�rem recursos, coabitam todos em ambiente extremamente intoler�vel.



Por conseguinte, devem os Governos federal, estadual e municipal investirem sinceramente na constru��o de hospitais de cust�dia e tratamento m�dico-psiqui�trico em geral, dignos, com ampla cobertura, para interna��o e tratamento das doen�as mentais, notadamente para aquelas relacionadas ao problema do �lcool e das drogas. Atenuar-se-ia, assim, a viola��o dos Direitos Humanos contra a mulher.

Fonte: O Autor
 
Por:  Carlos Eduardo Rios do Amaral    |      Imprimir