Categoria Geral  Noticia Atualizada em 17-04-2011

MARATIMBA CRIANDO PRECEDENTE NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O “estado de necessidade” é um instituto conhecido, aceito e aplicado do Direito Penal, e o DETRAN do Distrito Federal se negava a aceitar essa justificativa para suspender os efeitos das infrações cometidas pelo autor da ação.
MARATIMBA CRIANDO PRECEDENTE NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Foto: www.maratimba.com

O Dr. Ronald Mignone provocou o Judiciário em Brasília e criou um precedente interessante na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça com uma ação que ingressou no ano de 2006. Ele pedia a aplicação do "estado de necessidade" ao seu cliente, que havia cometido duas infrações de trânsito (multas por excesso de velocidade) quando se dirigia de sua casa para o hospital, objetivando socorrer sua filha de apenas 70 dias de vida que havia sofrido queimaduras graves.

O "estado de necessidade" é um instituto conhecido, aceito e aplicado do Direito Penal, e o DETRAN do Distrito Federal se negava a aceitar essa justificativa para suspender os efeitos das infrações cometidas pelo autor da ação.

Segundo o Dr. Ronald, "a aplicação do estado de necessidade era – como de fato é – perfeitamente possível no caso concreto (análise de caso afeto ao Código Nacional de Trânsito) por analogia ao instituto que já existia no Direito Penal". O advogado defendeu na ação que "além da analogia ser fonte de direito, o direito em si não pode ser compreendido e aplicado de forma estanque ou compartimentada, mas sim de forma sistêmica, abrangente e complementar, diferentemente do que o DETRAN/DF defendia na ação".

O pedido da ação foi julgado procedente pela 6ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal em junho de 2007, confirmado pela 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal em outubro de 2008 e agora confirmado em definitivo, no último dia 13 de abril de 2011, pelo Superior Tribunal de Justiça.

Eis a decisão do STJ, reconhecedora da tese do nosso advogado maratimba, que é uma verdadeira aula de direito:

DISPONIBILIZADO EM: 12/04/2011
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA - 13/04/2011 N 790




RECURSO ESPECIAL N 1.123.876 - DF (2009/0028809-8)
RELATOR:MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES RECORRENTE:DEPARTAMENTO DE TRANSITO DO DISTRITO FEDERAL PROCURADOR:EWERTON AZEVEDO MINEIRO E OUTRO(S)
RECORRIDO :ANDRE LUIS DE ALMEIDA OLIVEIRA
ADVOGADO:RONALD MIGNONE

EMENTA

ADMINISTRATIVO. TRÂNSITO. INFRAÇíO ADMINISTRATIVA. EXCESSO DE VELOCIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. COMPROVACAO NOS AUTOS. EFEITOS DA INFRAÇíO ADMINISTRATIVA. AFASTAMENTO NA HIPÓTESE. POSSIBILIDADE.

1. Tem-se hipótese em que o veiculo do recorrido foi autuado por duas infrações de trânsito, consistentes ambas em excesso de velocidade. O condutor-recorrido não nega o cometimento das infrações, mas discute a aplicação das penalidades, sustentando que cometeu as irregularidades em estado de necessidade (pois levava a filha ao hospital em razão de queimaduras extremamente lesivas a saúde da criança).

2. A parte recorrente aduz que a disciplina penal do estado de necessidade não é suficiente para afastar a incidência das penalidades, devendo prevalecer o interesse publico geral, consubstanciado na proteção a vida e na garantia de trânsito em condições seguras. Alega-se, ainda, com base no art. 29, inc. VII, alíneas "a" a "d", do CTB, que mesmo os veículos destinados a socorro devem obedecer as regras de trânsito, razão por que os particulares não podem deixar de a elas se submeterem também.

3. O estado de necessidade não é instituto inerente apenas ao Direito Penal; ao contrário, tem-se aí conceito ligado a todo o Direito Sancionador - inclusive nos ramos cível e administrativo.

4. A figura do estado de necessidade liga-se a ideia de que não pode existir atentado ao Direito, ao justo, na conduta praticada a fim de salvaguardar bem jurídico de maior relevância que o bem jurídico maculado. A lógica é evidente: o ordenamento jurídico não pode deslegitimar conduta que é benéfica a bem jurídico a que ele próprio confere valor diferenciado (para mais).

5. A legitimidade da conduta, neste caso, deve ser compreendida de forma abrangente, englobando tanto o aspecto penal, como os aspectos cível e administrativo.

6. Tanto e assim que o Código Civil em vigor, na esteira do que já dispunha o Código Civil revogado, dispõe serem lícitos os atos praticados em perigo iminente, desde que obedecida a proporcionalidade (em seus três testes: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).

7. Frise-se: apesar de a sistemática estabelecida pelo art. 188, inc. II e p. un., do novo Código Civil não afastar o dever de reparação quando a conduta for praticada em estado de necessidade, ainda assim é caso literal de ato lícito (observados os contornos do p. único do dispositivo).

8. Na esfera administrativa, em razão da inexistência de codificação, não há dispositivo expresso sobre o instituto. Nada obstante, a construção de precedentes dos órgãos julgadores da Administração Publica e dos órgãos judiciais sempre foi no sentido do pleno reconhecimento e da real efetividade do estado de necessidade na seara administrativa.

9. Neste sentido, por exemplo, não custa trazer a baila os casos de ação de improbidade administrativa ajuizadas em face de administradores que, apos realizarem o recolhimento das contribuições, não procedem ao devido repasse à Previdência em razão da necessidade de alocação das quantias em prol do interesse publico.

10. Em tais hipóteses, esta Corte Superior, em reiterados precedentes, vem afastando a caracterização da improbidade administrativa por considerar configurado o estado de necessidade - da mesma forma como ocorre em relação aos arts. 2, inc. I, da Lei n. 8.137/90 e 168-A do Código Penal -, embora o estado de necessidade não disponha de previsão expressa na legislação administrativa.

11. Mais do que isto, conforme consta do acordão recorrido, existe, no âmbito do Detran/DF (recorrente), entendimento segundo o qual, "nos casos de cometimento de infrações de transito em estado de necessidade, notadamente para atendimentos de urgências medicas, (ser) apresentada a Guia de Atendimento de Emergência (GAE)".

12. Assim sendo, o próprio recorrente reconhece que o estado de necessidade é suficiente para excluir os efeitos das infrações de transito apuradas, mas condiciona o reconhecimento da excludente a apresentação da GAE - o que, por certo, viola o direito dos administrados de provarem, por quaisquer meios legítimos, a ocorrência do estado de necessidade, dada a atipicidade dos meios probatórios. Em resumo: o Detran/DF já possui orientação administrativa pela invocabilidade do estado de necessidade como causa excludente das infrações de trânsito, havendo apenas discussão quanto aos meios de prova.

13. Não custa relembrar também os exemplos das grandes metrópoles, que, por conta da violência extrema, liberaram de controle por "pardais" alguns semáforos a partir de determinados horários, a fim justamente de impedir o perigo à vida dos cidadãos - medida preventiva a perigos eventuais.

14. Há ainda o argumento referente ao principio da proporcionalidade. Basta que se proceda ao raciocínio seguinte: apenas uma conduta foi realizada, ou seja, direção de veiculo automotor a 83 km/h e 121 km/h, em vias cujas velocidades máximas são, respectivamente, 60 km/h e 70 km/h. Suponha-se que, desta conduta, tenha havido dois resultados: infração administrativa à legislação de trânsito (excesso de velocidade, como na espécie) - que, consequentemente, reclamaria sanção administrativa - e infração penal (e.g., lesão corporal culposa) - sancionável, em tese, por aplicação de reprimenda penal.

15. Seria no mínimo, desarrazoado - a não dizer injusto -, admitir-se que o estado de necessidade se prestaria a excluir uma infração penal relativa à proteção do bem jurídico integridade física e, ao mesmo tempo, ser inservível para excluir uma infração administrativa, que protege abstratamente a segurança publica, em razão de uma conduta singular, realizada em tempo, modo e condições únicos.

16. "Exige-se coerência e unidade de critérios, com obediência a segurança jurídica, de parte do Estado, quando pretende selecionar comportamentos proibidos e castigá-los. (...) A relação punitiva, na qual o Estado aparece com seus poderes e o indivíduo, a pessoa, não importa se física ou jurídica, com seus direitos em jogo, ha de ser proporcional. (...) Um dos elementos que permite ao Judiciário o exame da proporcionalidade é, sem duvida, a constatação de um mínimo de coerência legislativa nos atos sancionadores. Tal exigência decorre, também, da unidade do sistema jurídico e dos princípios da igualdade e da segurança jurídica. O legislador não e uma entidade mágica, dotada de ilimitados poderes, que não deve prestar contas aos demais poderes do Estado" (Direito administrativo sancionador, 2005, p. 228/231).

17. Apesar de a lição doutrinária se referir aos tipos sancionadores em si, nada impede a sua aplicação as questões relativas as excludentes gerais de ilicitude, porque a necessidade de observância de coerência decorre da inserção das normas, de quaisquer esferas, em um sistema - no caso, um sistema jurídico.

18. Recurso especial não provido.

ACORDAO

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, sem destaque." Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Castro Meira, Humberto Martins (Presidente) e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 05 de abril de 2011.

    Fonte: Redação Maratimba.com
 
Por:  Adriano Costa Pereira    |      Imprimir