Categoria Ci�ncia e Sa�de  Noticia Atualizada em 20-01-2012

Cego desde os 9 anos, estudante de SP conquista o diploma de fisioterapia
Edson de Souza perdeu a vis�o em um acidente e saiu da escola. Depois de adulto, fez supletivo, conseguiu emprego e, agora, vai se formar.
Cego desde os 9 anos, estudante de SP conquista o diploma de fisioterapia
Foto: g1.globo.com

A noite desta sexta-feira (20) ter� um significado especial para o estudante paulista Edson de Souza, de 33 anos. Junto com seus colegas de faculdade, Edson vai receber o certificado de conclus�o do curso de fisioterapia da UniSantAnna. A cola��o de grau no Memorial da Am�rica Latina marca mais uma etapa na trajet�ria do rapaz, que ficou cego na d�cada de 80, aos nove anos de idade, e s� em 2005 conseguiu concluir o ensino m�dio.

Assista acima ao v�deo sobre a rotina de Edson em casa, no trabalho e na universidade

A vida de Edson at� agora pode ser dividida em tr�s per�odos: uma inf�ncia normal at� o dia do acidente no qual perdeu a vis�o; uma adolesc�ncia de inatividade dentro de casa; e uma vida adulta dedicada � busca da independ�ncia. "De 2002 para c� eu tive uma grande mudan�a: sa� do zero para um bom est�gio, n�o tinha como me sustentar e de repente as coisas mudaram", disse.

A ideia de cursar fisioterapia surgiu a partir da insatisfa��o de Edson com o curso de massagem terap�utica que ele fazia na �poca, em uma turma espec�fica para cegos. "Eu gostava do curso, mas achava muito pr�tico e queria saber mais coisa te�rica. Conversando com alguns colegas que me falaram da �rea de fisioterapia, achei que dava para fazer. O professor de massagem falou que n�o dava, que era loucura, mas a� eu arrisquei."

Sem regalias

Maria Eug�nia Mayr De Biase, coordenadora do curso de fisioterapia da UniSantAnna, explicou que, embora parte da metodologia tenha sido adaptada �s necessidades especiais do estudante, o mesmo conte�do era exigido de Edson. "Como � que a gente vai fazer na parte pr�tica? Como ele vai fazer nos est�gios? Essa foi a primeira pergunta que fizemos. Com o tempo, a gente foi adequando", afirmou Maria Eug�nia.

De acordo com ela, Edson n�o foi reprovado em nenhum dos est�gios obrigat�rios. O estudante afirmou que, nas mat�rias te�ricas, mantinha m�dias em torno de 8,5.

"No primeiro ano eu gravava as aulas e quando elas terminavam eu ouvia de novo e reescrevia em braile a aula inteira. A� conseguia acompanhar, mas durante a aula ficava bem perdido", explicou ele. Foram poucos os professores, de acordo com Edson, que n�o confiaram em seu potencial. Um dos momentos mais delicados aconteceu no primeiro dia do est�gio que ele fez na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). "A primeira coisa que disse pra mim quando comecei o est�gio foi que ele n�o conseguia me imaginar l� dentro."

Segundo Maria Eug�nia, o fato de Edson ter sido o primeiro aluno cego do curso exigiu que tanto ele quanto os professores aprendessem juntos uma maneira de contornar a limita��o visual. Al�m de contar com uma ledora a partir do segundo ano, e de poder portar seu computador, equipado com software de leitura, na sala de aula, Edson fazia provas orais (diretamente para o professor, na aus�ncia da ledora, ou ditando as respostas para que ela as escrevesse).

Nos laborat�rios, os professores faziam as demonstra��es no pr�prio corpo do estudante. Mesmo assim, alguns professores por vezes precisavam voltar ao in�cio de suas exposi��es, ao perceber que n�o haviam inclu�do informa��es adequadas para que Edson pudesse entend�-las.

Na disciplina que ensina os universit�rios a interpretar exames de raio-X e de resson�ncia magn�tica, houve um dos impasses mais marcantes. A solu��o encontrada pela ledora para que Edson pudesse fazer a prova era orientar a m�o do estudante com uma caneta para redesenhar as imagens. Durante as aulas, ela descrevia as imagens em voz alta.

"N�s somos da reabilita��o, aceitamos isso com mais facilidade, mas no primeiro impacto realmente a gente sempre acha que pode ser que n�o d� certo. Mas deu", disse Maria Eug�nia.

Do acidente � rebeldia

Aos nove anos, enquanto corria pela cal�ada da rua em que vivia, em Rio Grande da Serra, na Regi�o Metropolitana de S�o Paulo, Edson bateu com a cabe�a na janela da casa de uma vizinha e sofreu descolamento nas duas retinas. "Nem foi uma pancada forte, mas foi certeira", contou.

Nos dois meses seguintes, ele foi perdendo gradativamente a vis�o, at� ficar completamente cego. "Me tiraram da escola, parei na terceira s�rie", contou o formando, filho de uma dom�stica e de um funcion�rio da Rede Ferrovi�ria Federal. Edson disse ter passado a d�cada seguinte dentro de casa. "Meus pais vieram do interior do Paran�, n�o tinham conhecimento de nada. Como o filho ficou cego, eles adotaram a superprote��o."

Quando completou 18 anos, o estudante diz que se rebelou contra a ideia de n�o ser autossuficiente, principalmente depois de ouvir as pessoas comentando sobre o que aconteceria com ele ap�s a morte dos pais.

"Eu n�o queria mais ficar em casa, queria um internato, queria ir embora. De tanto eu tentar, minha prima me ajudou", explicou ele, indicado a um oftalmologista que lhe deu o endere�o da Funda��o Dorina Dowill.

Segundo a institui��o, todos os anos cerca de 1.500 deficientes de visuais de todas as idades s�o atendidos por aproximadamente 40 profissionais em um processo de reabilita��o. No caso dos adultos, os cursos s�o voltados ao ensino do braile, orienta��o em mobilidade e aulas de tarefas cotidianas, incluindo culin�ria e dicas para reconhecer as roupas.

Em 2001, depois de um ano na fila de espera, Edson conseguiu uma vaga na funda��o, aprendeu a ler e a escrever em braile e voltou a estudar em um supletivo. Ap�s terminar o ensino m�dio, conseguiu, com a ajuda da institui��o, um emprego como auxiliar de c�mara escura no Hospital Edmundo Vasconcelos, na Zona Sul de S�o Paulo.

Primeiro funcion�rio cego

"No in�cio, a adapta��o foi meio tensa, porque a gente n�o tinha nenhum funcion�rio com defici�ncia visual", afirmou Elisete Tavares, gerente do Centro de Diagn�stico por Imagem do hospital e chefe de Edson. "A parte mais dif�cil foi nossa com ele do que ele com a gente, porque o Edson tem o dom da adapta��o, ele quer se superar a cada momento."

O auxiliar trabalha das 14h �s 22h revelando exames digitais e anal�gicos, tarefa que aprendeu "com uma facilidade incr�vel" ap�s um curso espec�fico, segundo Elisete. A supervisora do jovem contou que ele n�o falta ao trabalho nem quando h� greve de �nibus ou metr�, e n�o usa a defici�ncia como impedimento.

Al�m do emprego, Edson tamb�m encontrou sua esposa atrav�s da Funda��o Dorina Nowill. Ele e Priscila, jovem de 29 anos com defici�ncia visual parcial, se conhecerem durante a reabilita��o. "Ela � otimista como eu, quer sempre se superar. Ela me completa", afirmou.

Os dois se casaram h� cerca de quatro anos, pouco antes de decidirem cursar o ensino superior - ele em fisioterapia, ela em servi�o social. "Foi muito dif�cil, porque eu estudava de manh� e trabalhava � tarde, e ela trabalhava de manh� e estudava � noite", contou Edson.

Conquista

Depois de conclu�rem as respectivas faculdades, os dois decidiram experimentar uma aventura nova antes de iniciar uma nova etapa. "Contratamos um pacote e viajamos para o Cear� no Natal", disse Edson ao G1 na sala da casa de dois andares que construiu com Priscila no Graja�, Zona Sul de S�o Paulo, rodeado de miniaturas, chaveiros e esculturas comprados durante a viagem.

De volta das f�rias, e prestes a se tornar oficialmente um fisioterapeuta, o rapaz agora tra�a novos desafios: fazer p�s-gradua��o em ortopedia e conseguir um emprego em um hospital ou cl�nica "em qualquer �rea da fisioterapia".

Segundo a professora Carina Baron, que supervisionou parte dos oito est�gios de cinco semanas que o estudante precisou cumprir nos dois �ltimos anos da faculdade, Edson pode trabalhar sem impedimento com ortopedia, massoterapia, neurologia, est�tica e na enfermaria de um hospital, entre outras �reas. "Como o leque do fisioterapeuta � muito grande, acredito que ele tem total condi��o de trabalhar e acredito no potencial dele de ser contratado."

Primeiro deficiente visual total formado na carreira pela UniSantAnna, Edson agora integra um grupo bastante reduzido de fisioterapeutas brasileiros com algum tipo de limita��o visual. Ele � o primeiro fisioterapeuta com 100% de defici�ncia visual de que Wilen Heil e Silva, diretor do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito), tem not�cia. "Conhe�o alguns, n�o muitos, com baixa vis�o, mas com 100% [de defici�ncia visual] n�o tive conhecimento", afirmou. Na Funda��o Dorina Nowill, h� registro de um deficiente visual total com diploma na �rea.

O formando explica que a pouca quantidade de colegas na mesma condi��o que ele � um resultado da falta de abertura. "Tudo depende de oportunidade, n�o adianta julgar antes e dizer que a pessoa n�o consegue."










Fonte: g1.globo.com
 
Por:  Caroline Costa    |      Imprimir