Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 06-05-2013

"A CULPA" É DE QUEM?
Eu tenho a verdadeira sensação de mim mesmo apenas quando eu estou insuportavelmente infeliz”, Kafka.


Ao ler "Carta ao Pai" (ora, segundo a psicanalista Paula Perrone, ler não é uma simples questão de examinar, ponderar ou até por à prova as ideias e experiências apresentadas pelo escritor. Ler implica uma forma de encontro muito mais íntima. Um terceiro sujeito é criado na experiência de ler. Sujeito este não redutível ao escritor nem ao leitor. Uma personificação imaginária, por assim dizer.

Porém, após ver a peça "A Culpa", baseada na obra de Franz Kafka, descobri que "meu" personagem imaginário estava longe... Muito, mas muito distante da interpretação impecável de Luiz Carlos Cardoso. O meu Kafka era pobre emocionalmente. Frio. Sem sal. O Grupo Anônimos de Teatro me fez enxergar o que estava ali, o tempo todo, diante de meus olhos fechados por achar que a tal carta era menos relevante que "A Metamorfose" ou "O Processo".

Vi a culpa, a falta de afeto, as emoções à flor da pele, as patologias, os transtornos desenvolvidos pelo autor, ao longo de anos de maus tratos paternais, o estresse de uma vida burocrática, a uiofobia. Vi além da alma.

A peça, apresentada como ponto principal da inauguração da Escola de Teatro Darlene Glória, anexa ao Centro Operário e de Proteção Mútua (do outro lado da rua onde ficam a Casa do Estudante e a dos Braga), me fez refletir sobre minha relação com meu pai. Ele não está mais aqui, porém, talvez, ele, se estivesse vivo, diria, como Hermann, pai de Kafka, sobre meu primeiro salário (atrasado) de jornalista: "Dá para comprar alguma coisa com isso?". Não era robusto, mas sua falta de musculatura não lhe tirava a imponência. Inteligente e bem relacionado. Senti, na verdade, saudade. Mas, o caso aqui é outro.

Para estudiosos, o drama de Kafka é a de ser membro de uma família pequeno-burguesa. Apesar de escrita no início do século XX, seu texto é atual. A falta de comunicação direta kafkiana não é algo inalcançável. Pertence ao quotidiano de cada um.

Acredito que o refinamento do texto é consequência de sua oposição ao pai. Como na expressão "ostra só dá pérola quando sofre". Segundo seu próprio testemunho, toda sua obra advém do conflito com seu pai, um tipo bonachão, audacioso, de temperamento brutal e dominador. O filho, o oposto: um intelectual, um pensador.

Sobre esse dilema, o ator Luiz Carlos Cardoso dá vida a uma luta surda psicológica em que Kafka se sente como um criminoso que espia um crime que não cometeu. Na peça, o grand finale é ser vencido por ele mesmo.

O cenário, com os papéis espalhados como rabiscos de uma carta que nunca chegaria a ser entregue ao pai, representa a tentativa de superar a força bruta com o intelecto, mas o medo faz com que desperdiçasse centenas de folhas. Só o fato de escrevê-las, talvez, tenha acalmado suas aflições. Quando à coreografia (nitidamente compreendida entre a divisão de um "robô" operário do funcionalismo público, no lado direito, e a loucura em busca de libertação no lado esquerdo) perfeita.

"A Culpa" é de quem? O espetáculo já reconhecido internacionalmente, pois foi apresentado no mês de janeiro e fevereiro no Chile, nas cidades de Santiago, Punitaqui, Rapel e Coquimbo, parte no mês de julho para Portugal. "A Culpa" é do mundo!

Não é por nada, mas esta geração já igualou ou até, ouso dizer, ultrapassou, em meio às inúmeras dificuldades, os precursores da cultura na Atenas Capixaba. Em Cachoeiro de Itapemirim, meu amigo, quem não faz arte, não faz nada!

Fonte: Redação Maratimba.com
 
Por:  Roney Moraes    |      Imprimir