Categoria Geral  Noticia Atualizada em 07-08-2013

Mayra Dias Gomes queria "ajudar outras pessoas" ao revelar estupro
Autora conta ao G1 que escrever sobre assunto salvou vida aos 16 anos. "Senti que havia deixado fantasmas no papel", diz filha de Dias Gomes.
Mayra Dias Gomes queria
Foto: g1.globo.com

A escritora Mayra Dias Gomes, 25 anos, filha do dramaturgo Dias Gomes � um dos mais populares autores teatrais e de novelas do pa�s �, recebeu um convite da revista "Glamour" para escrever sobre o abuso sexual que sofreu aos 15. Uma das editoras da revista era amiga de Mayra nessa idade e j� conhecia sua hist�ria, cuja descri��o foi publicada no site nesta ter�a-feira (6).

Em entrevista ao G1, ela conta por que quebrou o sil�ncio dez anos depois do estupro.

"Decidi que iria enfrentar meu medo, e mostrar para mim mesma que superei o ocorrido".

Mayra, que mora em Los Angeles e � casada com o ator e cantor Coyote Shivers h� quatro anos, diz que seu marido foi compreensivo quanto ao ocorrido. "Ele sempre me assegurou de que n�o havia sido minha culpa. Agora ele est� muito orgulhoso da minha iniciativa de falar publicamente", conta.

Autora de "Fugala�a" (2007) e "Mil e uma noites de sil�ncio" (2012), ela afirma que sua m�e, a atriz Bernadeth Lyzio, a incentivou a escrever sobre o assunto. "Senti que havia deixado muitos fantasmas no papel. Foi quando encontrei meu prop�sito, que � escrever".

Mayra diz que a repercuss�o de seu depoimento a levou a pensar "em como levar isso adiante, e usar minha experi�ncia para ajudar outras pessoas". Abaixo, leia a entrevista na �ntegra:

G1 � O "Fugala�a" foi seu primeiro livro e tamb�m foi a primeira vez que voc� escreveu sobre o estupro, mesmo ficcionalmente. Seria ele um desabafo anterior a essa declara��o?

Mayra Dias Gomes � Com certeza. "Fugala�a" foi uma grande catarse. Escrevi este livro aos dezesseis anos, apenas um ano depois de ter deixado a escola, durante o auge de uma depress�o. Foi uma �poca muito dif�cil para minha fam�lia, pois o que estava acontecendo comigo afetava todos em minha casa. Eu estava muito deprimida e agressiva, e n�o via prop�sito na minha vida. Minha m�e foi quem me incentivou a escrever "Fugala�a". Depois que finalizei o livro, em apenas seis meses, senti que havia deixado muitos fantasmas no papel. Foi quando encontrei meu prop�sito, que � escrever.

G1 � Quando voc� decidiu largar a escola, j� sabia que queria ser escritora? Voc� j� tinha planos?

Mayra Dias Gomes � Minha m�e ficou muito triste quando deixei a escola, pois minha fam�lia investiu muito na minha forma��o. Eu estudei em um dos melhores col�gios do Rio de Janeiro e tinha planos de fazer uma faculdade nos Estados Unidos. S� que, aos quinze anos de idade, depois do ocorrido, n�o havia maneira de me convencer a voltar. O ambiente escolar, de repente t�o hostil, j� n�o fazia mais sentido pra mim. Minha m�e chegou a me matricular em outro col�gio, mas isso durou somente alguns meses, pois eu fugia da escola todos os dias e passava o dia inteiro escondida, escrevendo. Eu sempre escrevi, desde crian�a.

Escrevia em di�rios, escrevia m�sicas, pe�as, roteiros, poemas. Quando era mais nova acreditava que seria vocalista e guitarrista de uma banda de rock, mas assim que sa� da escola e comecei a colocar meus sentimentos no papel, soube que este era mesmo meu destino.

G1 � Voc� continua fazendo terapia? Como isso ajuda na sua rotina?

Mayra Dias Gomes � Parei de fazer terapia antes de me mudar para os Estados Unidos. Fiquei com a mesma terapeuta por cinco anos e evolu� muito emocionalmente. Posso dizer que, junto com a escrita, a terapia ajudou a salvar minha vida. Tamb�m dou cr�ditos a minha terapeuta, que foi uma das outras pessoas que me incentivou a escrever e publicar "Fugala�a".

G1 � O que a impulsionou a revelar ter sofrido abuso sexual?

Mayra Dias Gomes � H� dois anos, fiz uma breve revela��o na coluna que tinha na "Folha de S�o Paulo". S� que foi uma revela��o breve mesmo, e n�o causou tanta repercuss�o, pois n�o dei muitos detalhes. H� algum tempo que tenho tido vontade de falar abertamente sobre este assunto. Quando recebi o convite da revista "Glamour", vindo de uma das editoras que me conhecia na �poca da escola e sabia sobre minha hist�ria, pensei duas vezes, fiquei com muito medo. Mas decidi que dessa vez gostaria de falar ao inv�s de ficar em sil�ncio, e que iria enfrentar meu medo, e mostrar para mim mesma que superei o ocorrido. Pensei tamb�m que ser honesta e transparente pudesse ajudar a gerar um debate necess�rio sobre o assunto, e que talvez inspirasse outras mulheres que est�o sofrendo em sil�ncio a quebrar o sil�ncio.

G1 � No depoimento, voc� diz que, se tivesse revelado antes sobre o estupro, talvez pudesse ajudar outras garotas que tamb�m passaram por isso. Como voc� acha que as mulheres devem lidar com a quest�o do abuso?

Mayra Dias Gomes � Esta � uma quest�o muito delicada, pois penso que minha decis�o de n�o ir � pol�cia deveria servir de exemplo negativo para outras mulheres. Ao mesmo tempo n�o tenho cren�a no sistema judicial e carcer�rio brasileiro, e acredito que apesar da justi�a ter o poder de fazer o que � certo, ela n�o tem o poder de curar feridas internas. At� hoje penso no que teria acontecido se eu tivesse tido coragem de denunci�-lo, mas n�o posso voltar atr�s e me culpar por ter tido medo.

Na �poca implorei para minha m�e n�o denunci�-lo, pois tive muito medo de como isso iria afetar minha vida, e tamb�m a vida de pessoas ligadas a ele. N�s estudamos por muitos anos no mesmo col�gio, e t�nhamos muitos amigos em comum. Uma revela��o dessas afetaria muitas e muitas pessoas conhecidas e eu n�o estava preparada para passar por isso. Na �poca eu ainda acreditava que era culpada pelo que havia acontecido, pois estava ficando com ele.

Como disse na mat�ria, s� passei a entender que o que havia ocorrido era de fato estupro, depois de muitos e muitos anos. � muito comum que isso aconte�a com v�timas de abuso sexual, principalmente quando o abuso vem de algu�m pr�ximo, por quem voc� costumava ter sentimentos.

G1 � Voc� pensa em escrever mais sobre o assunto da viol�ncia contra a mulher? Voc� participa de debates sobre o tema?

Mayra Dias Gomes � Tudo que est� acontecendo agora � novidade. Eu nunca havia participado de discuss�o alguma sobre o assunto. Mesmo tendo a no��o de que minha declara��o poderia causar um debate, n�o imaginava que a repercuss�o seria t�o grande. Desde que a mat�ria saiu, recebi muitos e-mails de mulheres e homens que foram abusados sexualmente, e hoje estou pensando em como levar isso adiante, e usar minha experi�ncia para ajudar outras pessoas.

G1 � Seu marido [Coyote Shivers] j� sabia sobre essa hist�ria da sua adolesc�ncia? Se sim, o que ele pensa?

Mayra Dias Gomes � Logo no in�cio do nosso namoro, contei para ele toda a hist�ria da minha adolesc�ncia. Sou uma pessoa sincera e transparente, e n�o tenho problemas em contar minhas hist�rias, sejam boas ou ruins. Ele sempre foi compreensivo, e sempre me assegurou de que n�o havia sido minha culpa. Agora ele est� muito orgulhoso da minha iniciativa de falar publicamente, e continua me apoiando.

Fonte: g1.globo.com
 
Por:  Maratimba.com    |      Imprimir