Autora conta ao G1 que escrever sobre assunto salvou vida aos 16 anos. "Senti que havia deixado fantasmas no papel", diz filha de Dias Gomes.
Foto: g1.globo.com A escritora Mayra Dias Gomes, 25 anos, filha do dramaturgo Dias Gomes � um dos mais populares autores teatrais e de novelas do pa�s �, recebeu um convite da revista "Glamour" para escrever sobre o abuso sexual que sofreu aos 15. Uma das editoras da revista era amiga de Mayra nessa idade e j� conhecia sua hist�ria, cuja descri��o foi publicada no site nesta ter�a-feira (6).
Em entrevista ao G1, ela conta por que quebrou o sil�ncio dez anos depois do estupro.
"Decidi que iria enfrentar meu medo, e mostrar para mim mesma que superei o ocorrido".
Mayra, que mora em Los Angeles e � casada com o ator e cantor Coyote Shivers h� quatro anos, diz que seu marido foi compreensivo quanto ao ocorrido. "Ele sempre me assegurou de que n�o havia sido minha culpa. Agora ele est� muito orgulhoso da minha iniciativa de falar publicamente", conta.
Autora de "Fugala�a" (2007) e "Mil e uma noites de sil�ncio" (2012), ela afirma que sua m�e, a atriz Bernadeth Lyzio, a incentivou a escrever sobre o assunto. "Senti que havia deixado muitos fantasmas no papel. Foi quando encontrei meu prop�sito, que � escrever".
Mayra diz que a repercuss�o de seu depoimento a levou a pensar "em como levar isso adiante, e usar minha experi�ncia para ajudar outras pessoas". Abaixo, leia a entrevista na �ntegra:
G1 � O "Fugala�a" foi seu primeiro livro e tamb�m foi a primeira vez que voc� escreveu sobre o estupro, mesmo ficcionalmente. Seria ele um desabafo anterior a essa declara��o?
Mayra Dias Gomes � Com certeza. "Fugala�a" foi uma grande catarse. Escrevi este livro aos dezesseis anos, apenas um ano depois de ter deixado a escola, durante o auge de uma depress�o. Foi uma �poca muito dif�cil para minha fam�lia, pois o que estava acontecendo comigo afetava todos em minha casa. Eu estava muito deprimida e agressiva, e n�o via prop�sito na minha vida. Minha m�e foi quem me incentivou a escrever "Fugala�a". Depois que finalizei o livro, em apenas seis meses, senti que havia deixado muitos fantasmas no papel. Foi quando encontrei meu prop�sito, que � escrever.
G1 � Quando voc� decidiu largar a escola, j� sabia que queria ser escritora? Voc� j� tinha planos?
Mayra Dias Gomes � Minha m�e ficou muito triste quando deixei a escola, pois minha fam�lia investiu muito na minha forma��o. Eu estudei em um dos melhores col�gios do Rio de Janeiro e tinha planos de fazer uma faculdade nos Estados Unidos. S� que, aos quinze anos de idade, depois do ocorrido, n�o havia maneira de me convencer a voltar. O ambiente escolar, de repente t�o hostil, j� n�o fazia mais sentido pra mim. Minha m�e chegou a me matricular em outro col�gio, mas isso durou somente alguns meses, pois eu fugia da escola todos os dias e passava o dia inteiro escondida, escrevendo. Eu sempre escrevi, desde crian�a.
Escrevia em di�rios, escrevia m�sicas, pe�as, roteiros, poemas. Quando era mais nova acreditava que seria vocalista e guitarrista de uma banda de rock, mas assim que sa� da escola e comecei a colocar meus sentimentos no papel, soube que este era mesmo meu destino.
G1 � Voc� continua fazendo terapia? Como isso ajuda na sua rotina?
Mayra Dias Gomes � Parei de fazer terapia antes de me mudar para os Estados Unidos. Fiquei com a mesma terapeuta por cinco anos e evolu� muito emocionalmente. Posso dizer que, junto com a escrita, a terapia ajudou a salvar minha vida. Tamb�m dou cr�ditos a minha terapeuta, que foi uma das outras pessoas que me incentivou a escrever e publicar "Fugala�a".
G1 � O que a impulsionou a revelar ter sofrido abuso sexual?
Mayra Dias Gomes � H� dois anos, fiz uma breve revela��o na coluna que tinha na "Folha de S�o Paulo". S� que foi uma revela��o breve mesmo, e n�o causou tanta repercuss�o, pois n�o dei muitos detalhes. H� algum tempo que tenho tido vontade de falar abertamente sobre este assunto. Quando recebi o convite da revista "Glamour", vindo de uma das editoras que me conhecia na �poca da escola e sabia sobre minha hist�ria, pensei duas vezes, fiquei com muito medo. Mas decidi que dessa vez gostaria de falar ao inv�s de ficar em sil�ncio, e que iria enfrentar meu medo, e mostrar para mim mesma que superei o ocorrido. Pensei tamb�m que ser honesta e transparente pudesse ajudar a gerar um debate necess�rio sobre o assunto, e que talvez inspirasse outras mulheres que est�o sofrendo em sil�ncio a quebrar o sil�ncio.
G1 � No depoimento, voc� diz que, se tivesse revelado antes sobre o estupro, talvez pudesse ajudar outras garotas que tamb�m passaram por isso. Como voc� acha que as mulheres devem lidar com a quest�o do abuso?
Mayra Dias Gomes � Esta � uma quest�o muito delicada, pois penso que minha decis�o de n�o ir � pol�cia deveria servir de exemplo negativo para outras mulheres. Ao mesmo tempo n�o tenho cren�a no sistema judicial e carcer�rio brasileiro, e acredito que apesar da justi�a ter o poder de fazer o que � certo, ela n�o tem o poder de curar feridas internas. At� hoje penso no que teria acontecido se eu tivesse tido coragem de denunci�-lo, mas n�o posso voltar atr�s e me culpar por ter tido medo.
Na �poca implorei para minha m�e n�o denunci�-lo, pois tive muito medo de como isso iria afetar minha vida, e tamb�m a vida de pessoas ligadas a ele. N�s estudamos por muitos anos no mesmo col�gio, e t�nhamos muitos amigos em comum. Uma revela��o dessas afetaria muitas e muitas pessoas conhecidas e eu n�o estava preparada para passar por isso. Na �poca eu ainda acreditava que era culpada pelo que havia acontecido, pois estava ficando com ele.
Como disse na mat�ria, s� passei a entender que o que havia ocorrido era de fato estupro, depois de muitos e muitos anos. � muito comum que isso aconte�a com v�timas de abuso sexual, principalmente quando o abuso vem de algu�m pr�ximo, por quem voc� costumava ter sentimentos.
G1 � Voc� pensa em escrever mais sobre o assunto da viol�ncia contra a mulher? Voc� participa de debates sobre o tema?
Mayra Dias Gomes � Tudo que est� acontecendo agora � novidade. Eu nunca havia participado de discuss�o alguma sobre o assunto. Mesmo tendo a no��o de que minha declara��o poderia causar um debate, n�o imaginava que a repercuss�o seria t�o grande. Desde que a mat�ria saiu, recebi muitos e-mails de mulheres e homens que foram abusados sexualmente, e hoje estou pensando em como levar isso adiante, e usar minha experi�ncia para ajudar outras pessoas.
G1 � Seu marido [Coyote Shivers] j� sabia sobre essa hist�ria da sua adolesc�ncia? Se sim, o que ele pensa?
Mayra Dias Gomes � Logo no in�cio do nosso namoro, contei para ele toda a hist�ria da minha adolesc�ncia. Sou uma pessoa sincera e transparente, e n�o tenho problemas em contar minhas hist�rias, sejam boas ou ruins. Ele sempre foi compreensivo, e sempre me assegurou de que n�o havia sido minha culpa. Agora ele est� muito orgulhoso da minha iniciativa de falar publicamente, e continua me apoiando.
Fonte: g1.globo.com
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