Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 23-10-2013

A Cadelinha do Prisioneiro

       A Cadelinha do Prisioneiro

Queria ter uma cachorrinha como aquela que ficou de vig�lia � porta da delegacia quando a pol�cia prendeu o seu dono. N�o fui o �nico a ter essa ideia. Outro interessado na ado��o se apresentou, mas a desejada de tantos tinha deixado, ent�o, a porta do xadrez, para ser atropelada na rua...

Felizmente, essa hist�ria ocorrida em nosso Estado e divulgada pela m�dia, teve happy end. E olha que havia muita gente torcendo por esse final feliz. A cachorrinha recuperou-se do atropelamento e o seu dono, preso por roubar um carrinho de m�o e n�o ter condi��es de pagar a fian�a, teve sua pris�o relaxada, por ordem judicial.
Lembrei-me de um "causo de cordel", lido na inf�ncia: "O c�o dos mortos". Numa cidadezinha qualquer, um fiel canino postava-se diuturnamente � beira do sepulcro. Velava o seu dono, cujos restos mortais n�o podiam fazer-lhe a costumeira companhia. Os moradores impressionavam-se com esse gesto de amizade, imortalizado pelo cordelista...

Tamb�m me veio � mente, outra hist�ria contada por L�gia Fagundes Teles, no seu livro "A Disciplina do Amor". L�, a escritora fala de uma cena de inf�ncia. E que cena! No circo, uma apreciada atriz, declamava um poema, descrevendo a amizade entre um pintor e um cachorrinho. O ritual do pintor consistia em chegar a casa todas as tardes, atirar seu gorro no canto da sala. O amiguinho, festivo, o abocanhava e o depositava aos p�s do seu dono para receber os afagos de sempre. E assim era todas as tardes. Mas numa dessas tardes, o pintor chega amargurado. Extremamente transtornado, muda, ent�o, o seu ritual: n�o lan�a o gorro; apanha o c�ozinho no colo, e sai com uma inten��o mal�vola na mente atormentada. Caminha em dire��o � ponte. O amiguinho no colo, lambendo-lhe a face, abanando a cauda, inocente ao que estava prestes a acontecer. E l�, do alto da ponte, na curva do rio, o pintor arremessa o seu c�ozinho e volta para casa, ainda sem saber a dimens�o daquele seu ato insano.

Em casa, o infeliz deixando cair o corpo no sof�, prepara-se para dar fim � exist�ncia, vencido pelas ang�stias de uma vida na qual n�o via mais sentido. De repente, ouve surdas batidas na porta. Mesmo relutante, vai atender. Na penumbra, a ningu�m v�, mas sente �gua respingando-lhe os p�s. Baixa os olhos e cai num pranto convulsivo. L� estava o seu c�ozinho: molhado, abanando a cauda, trazendo nos dentes o surrado gorro que ele deixara cair ao arremessar o amigo para a morte... L�gia conta que, no circo, ouviam-se os solu�os da plateia identificada com a hist�ria de um homem que descobrira, assim, uma raz�o a mais para viver!

Pois �. Eu queria ter uma cadelinha como aquela que se postou � porta da cadeia quando a pol�cia trancafiou o seu dono... N�o! Na verdade n�o � s� isso que eu queria. Queria ser o pr�prio animalzinho. E n�o me entendam mal! Eu queria ter esse mesmo esp�rito de amizade. Amizade que n�o abandona os amigos no meio da jornada. Amizade que se recusa julgar um amigo pelos motivos que o levaram � bancarrota. Amizade n�o t�o preocupada em atacar aos que condenam, mas quer estar ali, ao alcance de um abra�o. Amizade despretensiosa, indiferente ao que possam pensar do seu gesto, sem a estudada inten��o de ser louvado pelos homens. Lembro Will Rogers: "O c�o n�o faz nada por raz�es pol�ticas".

Sim, amigos, eu queria ser aquela cadelinha, porque o mundo carece de verdadeiros amigos. Porque o que vemos com mais frequ�ncia � amizade interesseira; amizade que existe na medida em que o outro pode me beneficiar; amizade que, por alguma raz�o, me confere status. Isso n�o � amizade, � jogo. E sempre querendo ser, fico com os dizeres de dois grandes pensadores: Conf�cio e Gabriel Garcia Marques. O primeiro disse: "Para conhecermos os amigos � necess�rio passar pelo sucesso e pela desgra�a. No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgra�a, a qualidade". Gabo foi, como sempre, sutil: "Aprendi que um homem s� tem direito a olhar outro de cima para baixo quando vai ajud�-lo a levantar-se."

Fonte: O Autor
 
Por:  Silvio Gomes Silva    |      Imprimir