Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 20-11-2013

LÁGRIMAS EM LAGOA D ANTAS
“A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu...” - Chico Buarque
LÁGRIMAS EM LAGOA D ANTAS

"A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu..." - Chico Buarque

Naquele domingo, a normalidade do culto foi quebrada quando o dirigente convidou à plataforma a viúva de um homem que, quinze dias atrás, teve a sua vida ceifada em trágico acidente de estrada, no exercício da sua profissão. Com ela, duas filhas. Uma delas trazia nos braços o filhinho e fazia-se acompanhar de seu jovem esposo. Completando o quadro, estava também a esposa do outro filho, vitimado nesse mesmo acidente.

Ali, num átimo de segundo, transportei-me àquela triste manhã de segunda-feira, em Lagoa d’Antas, povoado de Marataízes, onde estive com a pequena multidão, levando meu derradeiro adeus. Os que ali estávamos, fazíamos o mesmo comentário: "Que cenário!" Três caixões emparelhados. Ao centro o corpo de Erivelton Marvila; à sua direita o corpo de seu filho de apenas vinte e cinco anos; e à sua esquerda o corpo de outro jovem daquela região, envolvido também nessa mesma tragédia...

Na minha vez, demorei-me alguns segundos diante de cada uma daquelas urnas sombrias. O corpo da esquerda era do jovem Alan. Eu o tinha conhecido quando em visita à Casa de Oração que ele frequentava em Lagoa do Siri, outro povoado próximo... E ali, diante daqueles corpos, lembrei-me de um provérbio latino - "Hodie mihi cras tibi" ( "Hoje eu, amanhã você" ) - sem nenhuma inquietação. Devo essa minha tranquilidade ao profundo conceito de morte que adquiri. A ideia cristã de morrer que me foi ensinada, deixa o coração confortado e repleto de esperança!

Naquele ambiente de Lagoa d’Antas, viam-se nos semblantes de cada um dos parentes e amigos que lá compareceram e lá permaneciam, inevitáveis interrogações: Por que aconteceu? Por que, logo com eles? Por que, naquela estrada? Por que, se eram arrimos de família? Por quê? Por quê? Por quê?... E os que têm uma compreensão do Ser "Invisível, mas real", já aprenderam a buscar resposta, fazendo a pergunta certa: "Senhor, para quê?", ou seja: "Qual o Teu propósito em permitir tão lancinante dor? O que desejas mostrar nesta separação tão incompreensível a todos nós?"

Eu sei, amigo. Você sabe e todos nós sabemos que nem mesmo o tempo apagará este sentimento de agora. O tempo consegue, é verdade, relativizar um pouco o nosso sofrimento. Só isso. Mas, certamente, com o tempo virá resposta satisfatória à nossa fé nos propósitos eternos de um Deus que ama em todo o tempo e sempre cuidará de Seus filhos. Lembro, em outro contexto, a resposta dada a um discípulo quando, inutilmente, tentava impedir o Mestre de lavar-lhe os pés. A palavra, ali dada, foi taxativa: "O que faço não compreendes agora; compreenderás depois." Faz todo sentido!

E ali, naquele santuário, na minha solitária cadeira branca, vi, lá na plataforma, os rostos de Onezina, Camila, Jéssica... Pessoas a quem aprendi a amar! Senti falta do Victhor, o primogênito da Camila, que, sabe-se, tão apegado ao avô de quem não terá mais os "exagerados chamegos"... Pensei nele; supliquei ao Pai por aquela criança que teve como que um pedaço de si arrancado tão bruscamente... E da plataforma, os corações despedaçados podiam vislumbrar muitos outros rostos e sentirem-se amparados por cristãos que comungam da mesma esperança... É como se estivessem, e creio que realmente estavam dizendo em alto e bom som: "Em Deus confiamos! Em Deus confiamos!"

E eu ali, amigos, no meu cantinho, curtia, silenciosamente, a saudade que é só minha. Poderei voltar a certa casa modesta e aconchegante, em Lagoa d’Antas; poderei voltar a me assentar em torno de uma mesa farta, preparada com extrema dedicação. Poderei voltar a fazer uma prece de mãos dadas com pessoas queridas... Poderemos, ali, juntos, recordar alegrias e tristezas... Nunca mais, porém, ouvirei os "causos", narrados com a graça do Erivelton Marvila; nunca mais verei o sorriso bonito e espontâneo no rosto do garoto "Ton-Ton"... E assim, vou andando por aí. Matando no peito essa minha saudade que tem sabor de peroá frito e suco de abacaxi...

Fonte: O Autor
 
Por:  Silvio Gomes Silva    |      Imprimir