Categoria Geral  Noticia Atualizada em 10-12-2013

Obras da Copa "produzem sem-teto", diz relatora da ONU em visita a PE
Raquel Rolnik critica desapropria��es; fam�lias atingidas relatam problemas. Governo diz que h� di�logo com fam�lias e que indeniza��o segue normas.
Obras da Copa
Foto: g1.globo.com

Moradores que adoeceram seriamente ap�s serem obrigados a deixar suas casas, fam�lias desesperadas diante de um iminente despejo, indeniza��es com valor baixo e pagamentos pendentes. Esses s�o alguns dos problemas enfrentados por quem foi afetado pelas obras para a Copa do Mundo 2014 na Grande Recife, segundo entidades que acompanham os processos de desapropria��es ouvidas pelo G1.

O G1 publica, entre 9 e 15 de dezembro, uma s�rie de reportagens sobre os preparativos para a Copa do Mundo 2014. Segundo levantamento, 75% das obras de mobilidade est�o atrasadas ou foram descartadas.

A relatora especial das Na��es Unidas para o Direito � Moradia, Raquel Rolnik, visitou �reas de desapropria��o e afirma que o Estado est� "produzindo sem-tetos". A visita, ocorrida no dia 29 de novembro, fez parte da programa��o do semin�rio "Legados e Relegados da Copa do Mundo".

"Parece-me que o marco internacional que define como se d�o as remo��es for�adas, respeitando o direito � moradia adequada, n�o est� sendo observado em v�rias dimens�es, como a falta de projetos alternativos para minimizar remo��es", diz a relatora.

"Tamb�m existe uma regra de ouro que diz que, quando acontece uma remo��o, a situa��o da moradia da pessoa que vivia ali nunca pode piorar. Uma op��o � o reassentamento ou a indeniza��o que permita que ela compre um lugar no m�nimo igual ao que tinha, e o que est� acontecendo aqui � que est�o produzindo mais fam�lias sem-teto", diz Rolnik.

Os moradores cujas casas s�o alvo de desapropria��o � perda da posse em troca de uma indeniza��o � para dar lugar a grandes obras de mobilidade para a Copa reclamam ainda que, quase um ano ap�s assinarem os acordos, ainda n�o receberam o dinheiro. Eles j� deixaram as casas onde moravam e agora pagam aluguel. Parte das fam�lias recorreu � Justi�a.

No bairro do Coque, Centro do Recife, fam�lias est�o sendo removidas para a pavimenta��o do Canal Ibipor�, que dar� novo acesso ao terminal de �nibus e esta��o de metr� Joana Bezerra. A obra n�o est� diretamente ligada � Copa, mas as indeniza��es de at� R$ 4 mil chocaram a relatora da ONU. Alguns moradores est�o pagando R$ 200 de aluguel para morar em palafitas ao longo do Rio Capibaribe.

No Loteamento S�o Francisco, no bairro do Timbi, em Camaragibe, Regi�o Metropolitana do Recife, fam�lias est�o sendo desapropriadas para obras do Corredor Leste-Oeste, Ramal da Copa, TI Camaragibe e Avenida Belmino Correia.

O mec�nico desempregado Nelson Greg�rio mora com os tr�s filhos em um terreno de 300 metros quadrados. "Eu tive at� um AVC [acidente vascular cerebral] quando recebi a not�cia. N�o aceitamos o valor de R$ 289 mil e entramos na Justi�a. N�o quero atrapalhar a obra, mas est�o expulsando a gente com quase nada no bolso", reclama.

A relatora tamb�m se encontrou com representantes do governo estadual e da Prefeitura do Recife. A visita n�o foi oficial, mas a relatora garante que vai produzir uma carta-alega��o para chamar a aten��o do governo federal sobre o problema.

Im�veis grandes, indeniza��es pequenas

Em outra �rea entre Camaragibe e Recife, im�veis e terrenos de at� 800 metros quadrados foram desapropriados para a constru��o do Ramal da Copa e do Terminal Cosme e Dami�o. Os primeiros valores oferecidos pelo governo estadual foram negados pela maioria. Sem acordo, os moradores tiveram que deixar os locais � for�a, e a negocia��o foi parar na Justi�a.

O pedreiro Reginaldo Zeferino afirma que at� aceitou a oferta inicial de R$ 160 mil para o terreno de 800 metros quadrados, mas n�o entende o motivo de o valor pago ter sido menor, R$ 115 mil. "O roubo come�ou por a�, pois eles n�o cumpriram o acordo. Logo depois da desapropria��o, eu comprei at� material, como areia, telha, madeira, para construir uma nova casa em outro canto, mas est� tudo perdido por causa dessa demora [em receber o dinheiro]", afirma.

A dona de casa Lucicleide Mari morava com tr�s filhos e o neto em um terreno de 650 metros quadrados que a m�e dela herdou do marido. Uma das filhas dela, Kelly dos Santos, j� tinha investido R$ 8 mil na constru��o de uma nova casa no mesmo local. S� faltava colocar o telhado quando a not�cia da desapropria��o chegou.

"Eles nem negociaram direito. Disseram que a gente n�o devia recorrer, porque ia perder mesmo, meio que coagindo a gente a n�o procurar nossos direitos", denunciou Kelly. "Eles pagaram somente R$ 153 mil, e vamos ter que dividir esse dinheiro entre nove pessoas, n�o vai sobrar nada. N�s n�o pedimos para sair e agora estou pagando R$ 350 de aluguel, o que � muito caro para quem sobrevive apenas com um sal�rio m�nimo", diz.

O comerciante Josaf� dos Santos guarda todos os documentos referentes ao problema. Um deles � o comprovante do dep�sito de R$ 164.375,60, feito pela Secretaria das Cidades, referente ao terreno de 600 metros quadrados que ele tinha. Outro � um protocolo que mostra a �ltima visita feita � Defensoria P�blica do Estado, em 5 de junho de 2013, para se informar sobre o andamento do processo. "Eles disseram para a gente ficar aguardando em casa, e acho que botaram uma pedra em cima do assunto", criticou.

Justi�a

A defensora p�blica Daniele Monteiro afirma que recebeu cerca de 300 casos desse tipo.

"Quem ainda permanece sem receber indeniza��es s�o pessoas que est�o com pend�ncias judiciais no que diz respeito � prova da propriedade e regularidade fiscal, como d�bito de IPTU, Imposto de Transmiss�o e Imposto Causa-Morte", diz.

Segundo ela, foi preciso abrir processos paralelos na Vara C�vel para regularizar primeiro os t�tulos de propriedade. "Estamos esbarrando em quest�es legais para o cart�rio dar ao cidad�o esse t�tulo. A Defensoria P�blica est� tentando ao m�ximo. Infelizmente, � o tipo de causa que n�o tem previs�o de liminar, a legisla��o � contr�ria ao cidad�o e a favor do estado, � bem arcaica", disse.

O juiz Djalma Andrelino, da 4� Vara da Fazenda P�blica, explica que o poder p�blico pode desapropriar qualquer im�vel visando o interesse p�blico. "O dep�sito tem que ser feito imediatamente, mas a Justi�a s� libera quando tem prova segura da propriedade do im�vel, at� para proteger o interesse de terceiros", diz.

O Comit� Popular da Copa em Pernambuco, formado por um conjunto de organiza��es da sociedade civil, afirma que cerca de duas mil fam�lias no Recife, em Camaragibe e em S�o Louren�o da Mata foram atingidas por obras visando o Mundial.

A entidade critica a forma como o governo estadual est� lidando com a situa��o. "A estrat�gia � a do contato individualizado e di�logo em tom de amea�a, sem negocia��o em termos de valores, quando na verdade deveria haver audi�ncia p�blica. As fam�lias s�o de baixa renda, sem acesso � Justi�a, tornando-as ainda mais fr�geis", afirma Rudrigo Souza e Silva, representante no Comit� do Centro Dom H�lder C�mara de Estudos e A��o Social (Cendhec-PE).

Para Rudrigo, o governo tem aproveitado o fato de a maioria das fam�lias n�o ter a posse formal dos im�veis para subvalorizar as indeniza��es. "Tivemos relatos de que quatro pessoas j� faleceram nesse processo por depress�o, estresse, problemas card�acos. E n�s criticamos n�o apenas as indeniza��es, pois acreditamos que poderia ter sido feito um plano habitacional para essas fam�lias serem relocadas para �reas pr�ximas, porque tempo houve. Al�m disso, a gente tamb�m critica que as interven��es mudam a cada momento e n�o s�o apresentadas ao Conselho Estadual das Cidades para serem discutidas. Achamos os projetos urbanisticamente fr�geis e questionamos o interesse social deles", apontou.

O G1 conseguiu contato com duas fam�lias dos quatro casos de mortes citados por Rudrigo Souza. "Quando come�ou a not�cia da desapropria��o, ela [a m�e] come�ou a ficar preocupada com o paradeiro da gente. Ficou sem dormir direito, comer bem. Quando viu as coisas acontecerem mesmo, foi a gota d��gua. Ainda n�o analisei se vamos entrar com uma a��o contra o Estado", disse Analice Ferreira, filha de Severina Maria de Lima, de 70 anos, que morreu em novembro de 2012 de infarto. Ela mora no Timbi, em Camaragibe, e ainda n�o sabe a data exata do despejo.

J� Maria Ferreira de Ara�jo tinha 85 anos quando morreu, em mar�o deste ano, por causa de complica��es decorrentes de uma pneumonia. "Minha m�e era uma senhora e j� estava doente, mas ela ficou muito deprimida quando soube de tudo. Ela ficou muito preocupada com a gente, porque a indeniza��o n�o ia cobrir a compra de outro lugar, e a situa��o s� foi piorando. Agora, s� falta a minha casa e a do vizinho serem desapropriadas. O terreno � grande, com quatro casas, onde moram meus irm�os, e com a indeniza��o partilhada s� sobra R$ 3 mil para mim, que n�o d� para nada. Eu n�o sei o que vou fazer", disse a filha dela, Maria Zuleide Ferreira.

O terceiro caso de morte detalhado pelo Comit� Popular da Copa em Pernambuco diz respeito a um homem que foi v�tima de um acidente vascular cerebral. Ele teria ficado muito estressado com a not�cia da desapropria��o. Em uma quinta-feira, houve uma discuss�o sobre o valor do im�vel e ele ficou muito nervoso, morrendo no domingo seguinte.

Resposta do governo

A secret�ria executiva estadual de Desapropria��es, Anal�cia Cabral, afirma que 441 im�veis est�o sendo desapropriados nas obras da Copa. O �rg�o afirma que a conta foi feita por im�veis residenciais e mistos (residencial e comercial) desapropriados, e n�o por fam�lias. Tamb�m entraram na contagem as terras nuas (sem edifica��es) e im�veis institucionais, como igrejas.

Cabral assegura que uma s�rie de a��es foram realizadas para orientar e esclarecer os afetados sobre as desapropria��es. "Uma equipe multidisciplinar, formada por engenheiros, arquitetos, assistentes sociais e advogados, vem conduzindo o processo de desapropria��o e disponibilizando, constantemente, um canal de di�logo com a comunidade. Nas audi�ncias p�blicas, os moradores e comerciantes tiveram a oportunidade de assistir as apresenta��es dos projetos da Copa e obter informa��es completas do processo de desapropria��o, al�m de esclarecer d�vidas. A presen�a da comunidade de Camaragibe, Recife e Olinda ocorreu em, pelo menos, seis audi�ncias p�blicas que aconteceram em escolas estaduais", disse.

Sobre a reclama��o referente ao valor das indeniza��es, a secret�ria informou que os laudos s�o baseados em pre�os de mercado e definidos conforme a NBR 14.653, regulamenta��o da Associa��o Brasileira de Normas T�cnicas (ABNT). "A aus�ncia de regularidade na documenta��o dos im�veis faz com que a desapropria��o seja judicial, sendo ajuizadas a��es com valores m�dios de mercado", diz.

A secret�ria acrescentou que o valor das indeniza��es da maioria das desapropria��es � superior aos valores de im�veis do Programa Minha Casa Minha Vida, "sendo mais vantajoso para as fam�lias receber as indeniza��es pagas pelo Estado".

Ela diz que o Projeto de Lei Ordin�ria n� 1743/2013, do Poder Executivo, tramita na Assembleia Legislativa de Pernambuco e vai possibilitar o pagamento do aux�lio moradia e posterior reassentamento para os expropriados do Ramal Cidade da Copa e da Navegabilidade do Rio Capibaribe. A reda��o final do texto foi aprovada no �ltimo dia 4 de dezembro e segue para san��o ou veto governamental. O prazo � de 15 dias.

Fonte: g1.globo.com
 
Por:  Maratimba.com    |      Imprimir