Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 04-01-2014

A reincidência e a nossa culpa
Há poucos dias li que uma velhinha norte-americana de 86 anos foi presa pela 61ª vez, acusada de furto - até creme contra rugas ela tentou carregar de uma loja da cidade de Chicago.
A reincidência e a nossa culpa

Há poucos dias li que uma velhinha norte-americana de 86 anos foi presa pela 61ª vez, acusada de furto - até creme contra rugas ela tentou carregar de uma loja da cidade de Chicago.
Fiquei a pensar em Gopal Singh - trata-se de um indiano que em 2005 recebeu sua centésima condenação criminal. Eis aí um recorde, principalmente se considerarmos que ele tinha apenas 25 anos naquela época - dos quais 13 passados atrás das grades. Há também o caso do japonês autor de inacreditáveis mil assaltos, preso pela Polícia de Matsudo em 2007. Registre-se ainda o caso do ladrão austríaco que assaltou 40 vezes uma mesma casa, e o do meliante inglês que praticou 589 roubos em dois anos.
Estes exemplos me trouxeram à memória uma pesquisa realizada nos Estados Unidos sobre um grupo de dez mil crianças nascidas em 1945. Em 2002 descobriu-se que apenas 6% delas cometeram metade dos crimes imputados aos conjunto. Um outro estudo, realizado no Japão, concluiu que 60% dos crimes são cometidos por criminosos reincidentes. Na Inglaterra denunciou-se que condenados sob liberdade condicional cometem um assassinato por semana. Na França demonstrou-se que 59% dos presos voltam ao crime após serem libertados. No Brasil, segundo dados divulgados pelo Governo Federal no ano 2000, 80% das pessoas que passam pelas nossas prisões retornam ao mundo do crime.
As causas deste absurdo índice de reincidência são muitas - vão desde o nosso modelo de punição até a exata compreensão do que seja a mente criminosa. Mas, por hoje, fiquemos com apenas uma delas: a insensibilidade da sociedade como um todo.
Eis um erro que começa ainda nas prisões. Dificilmente a oferta de trabalho e cursos aos presos é facilitada - no mais das vezes esbarra-se na burocracia e na politização do problema. Há poucos meses, por exemplo, uma parlamentar suíça protestava contra o excesso de preocupação do governo com os presos daquele país.
Quando, aos trancos e barrancos, este trabalho chega a ser oferecido, não é incomum que a remuneração seja desviada. O preso trabalha, esperando fazer uma poupança, e em dado momento descobre que sua remuneração foi apropriada por empresários ou servidores gananciosos. E fica "tudo por isso mesmo", dado o temor de se protestar. Dia desses ouvi o lamento de um desses presos, ecoando lá da África.
A pena, que deveria ser exclusiva dos presos, vai alcançando suas famílias. Li em um jornal indiano notícia sobre a triste rotina de pagar propina para se visitar um parente preso, para que este tenha "proteção" e fique em um lugar melhor, etc.
E, finalmente, há a discriminação pura e simples. Exemplifico com o caso de uma senhora que há algumas semanas foi ao Tribunal de Justiça relatar o drama de ter sido despedida do emprego quando descobriram que o marido dela era presidiário. Conheço também o caso do ex-detento que, recuperado, ia bem em um empreendimento honesto até o dia em que os moradores do bairro descobriram seu passado. Acredite: em pouco tempo o comércio dele fechou por falta de clientes.
Este quadro é mundial. Nos EUA, uma cidade do Texas reduziu brutalmente os níveis de reincidência apenas proporcionando aos ex-detentos a chance de um ambiente no qual não fossem discriminados. Daí, talvez, a exclamação de Einstein: "Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito".

Fonte: O Autor
 
Por:  Pedro Valls Feu Rosa    |      Imprimir