Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 30-01-2014

AMIGOS OCTOGENÁRIOS
A penúltima semana deste quente mês de janeiro de 2014, me será inesquecível. Por várias razões, entre as quais, experiências tidas com velhos amigos, melhor: amigos velhos que não se importam de serem assim chamados, porque “dão verdadeiro banho”, na art
AMIGOS OCTOGENÁRIOS

Envelhecer tem o seu lado altamente positivo. Certa vez, perguntaram a Nelson Rodrigues, nosso dramaturgo maior, que conselho ele daria aos jovens, e ele nem piscou: "Jovens de todo o mundo, envelheçam! Envelheçam!" O "Anjo pornográfico", tratado assim por Ruy Castro, seu biógrafo, sabia o que estava dizendo. Ele via, como até hoje vemos, jovens sendo levados, prematuramente, e em muitos casos, mortes provocadas por exageros na busca de prazeres ou sendo vitimados pela violência que "pega geral".

Hoje, minha página quer dar destaque a três amizades feitas, desde quando finquei pé aqui no "lado de baixo" do Espírito Santo, o que já vai para vinte e dois anos. Dois desses amigos são de Rio Novo do Sul e o outro é daqui mesmo, da Vila de Itapemirim. Fico honrado em dizer que sou amigo desses homens, pois que qualquer que tem um octogenário como amigo, sabe-se um privilegiado. Amigos octogenários, sim: dos três, o mais idoso conta oitenta e seis, o menos idoso, oitenta e um e o outro apagou oitenta e quatro velinhas de aniversário.

Do amigo Walter Rohr, de oitenta e seis verões, registrei uma comoção bem especial. Desde quando nos conhecemos, participo, ao seu lado, de grandiosas partidas de bochas. Walter sempre foi um artista das bolas de maça. Quanto mais improvável é a pontuação, mais se pode esperar de seu talento, de sua perícia, no retângulo de areia fina. A plateia em torno do campo, delira com as suas jogadas de efeito. Se ele está como adversário, já se sabe: hoje tem humilhação.

Bochas é um esporte que combina com terceira idade. Entretanto, nada é perene. Walter não joga mais. Muito pouco. Depois de algum tempo, nessa semana nos encontramos. Abraçamo-nos, olhamo-nos nos olhos, conversamos um pouco - pelo menos, tentamos - e eu me lembrei de uma entrevista com a atriz Irene Ravache falando sobre Alzheimer, essa doença degenerativa, implacável que vai apagando gradativamente as luzinhas da memória. Uma comovente frase foi mencionada nessa entrevista e eu parafraseio e a reproduzo aqui, referindo-me ao meu octogenário amigo Walter: "Ele não se lembra, não sabe que eu sou aquele seu amigo; mas eu sei que ele é o meu amigo Walter Rohr! E isso é importante!"

Romildo, o octogenário "mais novo" tem um nome e uma biografia ligada à Vila do Itapemirim: Nasceu no povoado de Candéus em 1933. Planejei surpreendê-lo e consegui. Apareci, sem avisar, no dia do seu natalício: 26 de janeiro. Dizia, enquanto o abraçava: " -Vou lhe dar oitenta e um tapinhas nas costas!..." Dona Orlinda, a mui digna companheira há mais de meio século, dizia: "Não faça isso... ele não vai aguentar." E juntos, rimos gostosamente... Assentei-me, a seu convite, e demorei-me um pouco. Vi chegar (e não foi surpresa) os dois filhos: Orlando Silva e Paulo de Tarso com os respectivos familiares. "Os meninos" não deixariam de comparecer, obviamente...

Romildo é figurinha fácil, na Vila. Funcionário público aposentado, ele teve praticamente três empregos: Serviu na Usina Paineiras por quase um ano. Depois, comerciário, a serviço do saudoso empresário Jorge Mezher; e finalmente servidor público da COFAI - Companhia de Fomento Agro Industrial - onde serviu bem, como atestam os certificados que possui, assinados pelos seus superiores. Naquele domingo, ouvi Romildo falar de sua juventude, de como conheceu Orlinda, de como aprendeu a tocar cavaquinho e bandolim, e se fez seresteiro; de como se tornou cristão ficando, por conta da conversão, oito anos afastado do seu instrumento; de como ensinou a tocar e presenteou ao filho mais novo com um violão até hoje executado e conservado com carinho; de como foi contactado pelos professores do Conservatório de Música de Cachoeiro, para fazer uma demonstração de afinação de bandolim; de como tem se sentido grato ao Criador de todas as coisas pela conservação de sua vida... Romildo falou das dificuldades impostas pela idade, mas destacou: " Aos oitenta e um, o mais relevante é o amor que eu sinto cada vez maior, por Jesus, o meu Senhor..." Ah! Três não. Quatro empregos! Mesmo octogenário, ele faz questão de ser atendente no Escritório de Advocacia do Dr. Paulo de Tarso, ampliando a parceria musical para parceria profissional.

Por fim, falo do amigo octogenário Jonas Rohr, irmão do Walter e do Heron. Oitenta e quatro anos. Esposo da Professora Odisseia, pai do químico Judson, da odontóloga Márcia e do médico Lincoln...

Na manhã de quarta feira, estive em sua casa de verão em Itaipava. Fui comunicado do acontecimento, fui com a esposa e permaneci ali, com alguns familiares, até ver o seu corpo sem vida ser colocado em um caixão bonito e ser levado rumo à Funerária, para os devidos preparos de sepultamento. Jonas vinha padecendo com uma enfermidade que exauria as suas forças, mas não a sua fé. Vi aquela que foi a fiel escudeira por mais de cinco décadas, acompanhar todo esse processo com altivez, com serenidade. Na manhã do outro dia, estávamos no templo da Igreja Batista em Rio Novo, junto com mais familiares e amigos para lhe render as últimas homenagens. "Sesseia", (Que nobreza! Que testemunho cristão!) pediu-me que falasse algumas palavras e eu pontuei o humor do meu amigo, sua generosidade, sua fidelidade a Deus e a honestidade para com as pessoas com quem lidava na sua atividade profissional. E acrescentei: O corpo de meu amigo Jonas está aqui, mas a sua alma, a sua essência, de acordo com a fé cristã que vivenciou, encontra-se num local onde não há por do sol nem aurora, nem dia nem noite, porque ali, a glória do Cordeiro espalha o Seu resplendor! (Apocalipse 22). A fé em Jesus conforta. Para Jesus, morrer é "Eu vou para o PAI"... "Vou preparar-lhes lugar para que onde eu estiver vocês estejam também". Daí entendermos, com mais clareza, quando o Salmista diz, para os entendidos: "Preciosa é à vista do Senhor a morte de seus santos" (Salmo 116.15).

O amigo leitor há de concordar que foi uma semana incrível! Semana de emoções multifacetadas: ternura, alegria, tristeza e saudade... E vamos vivendo. Sem rancor, sem maldade!

Fonte: Redação Maratimba.com
 
Por:  Silvio Gomes Silva    |      Imprimir