Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 27-05-2014

Os mineiros do Chile pela eternidade afora
Nos idos de 2010 escrevi as linhas abaixo: "H� poucos dias todo o planeta acompanhou, comovido, o resgate dos 33 mineiros chilenos que quase perderam a vida tentando ganh�-la extraindo min�rios centenas de metros sob o solo.
Os mineiros do Chile pela eternidade afora
Foto: www.maratimba.com

Enquanto a humanidade ainda celebrava, com pompa e circunst�ncia, a milagrosa opera��o que tirou das garras da morte 33 semelhantes nossos, li em um jornal chileno que Roberto Benitez faleceu. Trata-se de outro mineiro � um jovem de apenas 26 anos. Ele acabou esmagado por uma rocha em outra mina chilena, mais de mil metros abaixo da superf�cie.

Praticamente na mesma data quatro outros mineiros foram v�timas de um acidente no Equador � acabaram presos debaixo da terra, a 150 metros da superf�cie, enquanto trabalhavam.

Na Col�mbia, tamb�m naqueles dias, chorava-se a morte de quatro mineiros que trabalhavam em uma galeria 60 metros debaixo da terra. Os corpos de dois deles sequer resgatados foram � ficaram por l� mesmo. O nome do lugar que lhes serviu de t�mulo � "La Esperanza".

Poucas horas depois, do outro lado do mundo, uma explos�o em uma mina de carv�o l� da China vitimou outros 276 mineiros. 239 deles conseguiram escapar e chegar � superf�cie, mas 37 outros n�o tiveram a mesma sorte. Naquele mesmo pa�s, h� alguns meses, 115 mineiros ficaram presos no fundo de uma mina, somente tendo sido resgatados uma semana depois. Alguns deles chegaram a comer carv�o, na busca desesperada pela sobreviv�ncia.

Diante de tantos e t�o frequentes acidentes, decidi pesquisar um pouco mais o assunto. Constatei, chocado, que para cada um dos 33 mineiros chilenos resgatados, cerca de 400 outros morrer�o ainda neste ano. Estima-se que a cada ano morram 12.000 mineiros pelas galerias escuras e insalubres das minas de uma humanidade que se orgulha tanto de sua tecnologia a ponto de querer ir a Marte � deve ser para abrir algum outro buraco por l�.

Ainda acabrunhado diante deste ros�rio de desgra�as, li que h� algum tempo redigiu-se um pacto internacional para melhorar a seguran�a nas minas deste planeta � e eis que at� ontem, salvo engano, apenas 24 pa�ses o assinaram. Ali�s, a este respeito, registro que o Chile n�o era um deles.

Enquanto isso, Carlos Bugueno, um dos 33 mineiros chilenos resgatados, voltou para casa � um barraco de madeira que divide com outros 16 parentes. Ele foi recebido com festa por todos � como faltou dinheiro para comprar bal�es de ar, encheram sacos pl�sticos de lixo com ar. Carlos Mamani, seu colega, tamb�m voltou para casa � um outro barraco de madeira, que sequer �gua corrente tem. Logo, logo, eles dois estar�o de volta a estes buracos assassinos que a humanidade batizou de "minas" � afinal, h� que se ganhar a vida, ainda que sob o risco de perd�-la.

� assim que min�rios os mais preciosos, arrancados das entranhas do planeta ao custo do sangue de tantos semelhantes nossos, v�o sendo vendidos no mais das vezes a pre�o de banana para sustentar o que orgulhosamente chamamos de "economia de mercado". A quem duvidar de minhas palavras, sugiro comparar o pre�o de uma tonelada de min�rio com o de uma �nica barra de chocolate su��o, ou o de um barril de petr�leo com o de um simples litro de u�sque escoc�s. Um esc�ndalo, esta tal de "economia de mercado".

Talvez, nestes portais do s�culo XXI, nossa t�o avan�ada civiliza��o, milagre de um planeta que pretendemos �nico, devesse meditar sobre as palavras do Marqu�s de Maric�: "a escravid�o avilta o escravo e barbariza o senhor"."

Pois �. Uns quatro anos se passaram. Lembrei-me dessas linhas ao ler, semana passada, que 282 semelhantes nossos morreram em uma mina na Turquia. Olho para minha mesa, e vejo um telefone celular. Quantos vidas ter� ele custado? Vejo, pela janela, um avi�o passando. Quantos foram para baixo da terra para que ele pudesse al�ar voo acima dela?

Fiquei a pensar, ent�o, em uma pintura de Georges Rochegrosse magistralmente descrita pelo escritor portugu�s Albino Forjaz de Sampaio: "� um quadro que representa a vida. No primeiro plano muitas criaturas erguem o bra�o para chegar mais alto. Homens de casaca t�o corretos como se fossem para um baile. Homens condecorados e homens banais, velhos e mo�os, misturam-se e empurram-se, disputando-se numa agonia pavorosa, num combate sem nome. Aquele monte � a ambi��o de subir na vida. Atr�s, pela riba acima, numa escalada vertiginosa, aparece uma mar� cheia de cabe�as ululantes, estranguladas pela ambi��o, correndo, empurrando-se, pisando os que ficam. Todos daquela multid�o �vida querem ser os primeiros. O lugar � disputado a soco, a murro, a dente. O caminho que leva ao triunfo � uma cena medonha que mais parece a fuga duma derrota".

E prossegue o escritor lusitano: "N�o h� tr�gua, n�o h� descanso. Cada um vigia sempre o seu vizinho, espreita se ele cai, e tripudia, espreita se ele sobe, e inveja-o. Trava-se um combate em que o mais cruel, o mais forte, o mais canalha, � que triunfa. Nada de piedade nem de compaix�o. Se n�o esmagares, ser�s esmagado. N�o h� tempo de olhar, nem de pensar sequer. Avan�ar seja como for, custe o que custar".


Fonte: Reda��o Maratimba.com
 
Por:  Pedro Valls Feu Rosa    |      Imprimir