Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 01-07-2014

Só por hoje é todo o dia
“As drogas são o centro de um poder importantíssimo em nossa cultura. Por isso tantos tentem dar a última palavra sobre elas (...). O objetivo é libertar o pensamento da sua própria ignorância e da prepotência geral dos julgamentos mortais sobre sujeitos
Só por hoje é todo o dia
Foto: www.maratimba.com

Em 1987, a Organização das Nações Unidas (ONU) determinou 26 de junho como o "Dia Internacional de Combate às Drogas". Motivados pela data, em Cachoeiro de Itapemirim, uma série de atividades serão realizadas nesta quinta-feira (26). A programação, que conta com o apoio do Conselho Municipal de Prevenção e Políticas sobre Drogas (Comsod), acontece das 8h ao meio-dia, na Praça Jerônimo Monteiro e, também, na Sala Levino Fanzeres, Centro. O público poderá assistir a palestras e documentários sobre o tema, além de apresentações culturais e esportivas.

Ainda, alusivo ao dia, em Mimoso do Sul, os conselheiros do Conselho Municipal antidrogas (Comad) e representantes da prefeitura municipal farão visita à Casa Reviver (comunidade terapêutica para dependentes químicos), às 15h.

As iniciativas do poder público são importantes, principalmente para lembrar que todo o dia é dia de luta. Não sei se seria esta a palavra correta. "Combate" (sic) tem uma conotação finita. O que não seria o caso da história do homem com as drogas. Parece um esforço desigual que não termina apenas com uma batalha ou demonstração de resultados.

Não podemos negar alguns esforços significativos, principalmente na humanização do usuário. Foi por meio da política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas que deu-se ao dependente químico o status de cidadão. O primeiro passo para uma abordagem humana e sem preconceitos está na garantia dos seus direitos básicos e fundamentais para a vida, como saúde, educação e assistência social. Antes, o dependente, visto como um criminoso "sem vergonha", sempre esteve privado pelas medidas coercitivas e moralistas de tratamento.

Ao entrar neste ambiente para fundamentar teoricamente a prática psicanalítica nas instituições governamentais ou não e o cuidado com os sujeitos usuários de substâncias, observamos que a psicoterapia, pela sua ética, que é a do sujeito e do seu desejo, é incompatível com a política impositiva apoiada em um sistema de regras e punições.

A psicanálise torna-se viável para o tratamento de toxicômanos se voltarmos nossos estudos ao Lacan nomeou como o "Discurso do Mestre", um dos nomes do discurso do inconsciente, ou seja, dos sujeitos afetados por uma divisão. Enquanto os outros discursos estão voltados para o fenômeno do uso da droga e seu controle, a psicanálise é um dispositivo avesso a este discurso e tem como direção de tratamento fazer falar este sujeito em sua singularidade radical, ou seja, dar lugar ao seu sintoma. Na experiência analítica é possível que se pergunte menos pela toxicomania do que pela droga como sintoma e sua relação com o sujeito do desejo, o dependente.

Segundo o trecho do artigo: "Reflexões a respeito da psicanálise no campo das dependências químicas", de César de Goes, cada sujeito possui uma relação peculiar com as drogas, e é ele que faz a sua droga e pode voltar a sempre procurá-la como recurso, e isso tem a ver com a sua particularidade, portanto, uma dependência não se deve exclusivamente ao poder viciante de uma droga. Dessa forma para a psicanálise o toxicômano é apenas um signo que identifica o paciente que faz uso compulsivo de uma determinada substância tóxica. O que existe para a psicanálise é o sujeito, e é este que é colocado em evidência e não a substância psicoativa.

Esse é um sintoma do homem moderno, que por estar imerso no discurso capitalista, buscaria sua forma particular de obter a satisfação. O individualismo, estresse e outras complicações do cotidiano fazem com que o indivíduo busque adequação no modismo ou um escapismo que o leva a fugir da realidade em que vive e as drogas são ótimas nesse sentido.

Assim, dentro desse discurso é oferecida uma "prótese imaginária", mantendo-os identificados a um significante – "eu sou alcoólatra, dependente de...", frequentemente observados em suas falas. Os sujeitos ficam identificados no lugar de objeto e não ao lugar de objeto-causa, permanecendo atados ao seu "parceiro-sintoma".

A particularidade de cada sujeito é descartada e os afetados tornam-se apenas portadores de uma "doença incurável", onde os tipos de drogas utilizadas são hipervalorizadas, classificando-os pelo uso, abuso ou dependência. Nesse campo, de tratamento convencional, a cura passa primeiramente pela exigência da abstinência e, em seguida, pela introdução de medicamentos e orientações dentro do enfoque comportamental e cognitivo.

Os toxicômanos, por sua vez, não se apresentam à clínica, divididos e desejosos de saber sobre o seu "mal", sedentos por uma interpretação. Desejam apenas amenizar a angústia e, talvez, aprender a fazer algo com seu corpo devastado por essa forma de prazer além de manejar a castração.

Assim, no campo da toxicomania, caracterizada pela atuação dos sujeitos, exigiria, também, um ato por parte dos psicanalistas que, ao assumirem a posição de analista, ofereceriam um lugar para o particular (o Ser) de cada sujeito.

O que é comum para todos os toxicômanos é que no lugar do objeto de desejo (que é simbólico e faz parte de uma eterna busca...) eles o substituem pelo objeto de necessidade. Estes são imperativos. O objeto de necessidade é aquele no qual o dependente é escravo.
A impulsividade de ter alguma coisa produz um vazio e este a adesão aos baratos. Tudo fica chato. Então a pergunta é: "o que é que me falta que eu preciso estar grudado o tempo todo nesse objeto que me complete?"

O toxicômano, com a ajuda da psicanálise, teria que chegar a entender que o que lhe falta não é a droga, mas algo que carece a todo o ser humano. Desde o nascimento somos faltantes de alguma coisa. E essa necessidade de busca, mesmo inconsciente, é que nos faz pensarmos, conversarmos, criarmos e aprendermos a lidar com a dor de viver.

Por isso a psicoterapia é mais indicada para o tratamento que qualquer medicação, pois atua nos valores pessoais, na filosofia de vida de cada um, resolvem os conflitos e modificam a postura do indivíduo perante a droga. Tudo isso favorece o entendimento do vício, de modo que o dependente tenha forças para enfrenta e solucionar a questão. Mesmo quando o tratamento é biológico (internação para desintoxicação), a ajuda das terapias psicológicas é importantíssima para que a pessoa compreenda tudo o que está acontecendo com ela.

Enfim, todas as ações, governamentais, associativas ou clínicas, são louváveis e uma discussão mais ampla, inclusive sobre essa passividade social é necessária, além, é claro, combater o bom combate todo o santo dia. Como diz a filósofa Márcia Tiburi, no livro "Sociedade Fissurada", "promover a reflexão séria que leve em conta o sistema social e os dispositivos de poder que capturam indivíduos, contribuindo para colocá-los a serviço das drogas em processo de comprometimento subjetivo muitas vezes nefastos (...)".

Boas iniciativas como esta em Cachoeiro devem continuar, mas amplificadas, uma vez que, conforme a filósofa, é um "tema espinhoso na medida em que convoca a pensar sobre aquilo com o que a sociedade não é muito afeita a se haver: as questões que lhe são próprias, a fissura da qual padece".

Todos estão no olho do furacão das compulsões, dos exageros, dos abusos, da falta. Sem exceções!

Fonte: Redação Maratimba.com
 
Por:  Roney Moraes    |      Imprimir