Categoria Geral  Noticia Atualizada em 21-07-2014

Bolsista, lavador de carros do DF passa na OAB
Nascido no Piau�, Fl�vio da Silva vendia picol�s para pagar escola. Homem prestou vestibular ap�s filho questionar se fam�lia n�o teria carro.
Bolsista, lavador de carros do DF passa na OAB
Foto: g1.globo.com

O sonho de ser chamado de "doutor" chegou bem mais cedo que o esperado para um lavador de carros do Distrito Federal. Prestes a come�ar o �ltimo semestre de direito em uma faculdade de Taguatinga, o bolsista Fl�vio Dias da Silva, de 36 anos, foi aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O resultado coroou uma batalha iniciada h� 18 anos, quando o piauiense chegou � capital do pa�s em busca de uma vida melhor.
"Nasci em Floriano, no interior [do Piau�]. N�o era uma cidade t�o desenvolvida como hoje. Minha m�e criou a mim e meus quatro irm�os sozinha desde que meu pai nos abandonou. Ela era professora da rede estadual, ent�o o sal�rio n�o era muito, e sempre havia alguma dificuldade. S� que nossa base de estudo era forte, e ela investiu muito em mim. Estudei em escola particular a vida toda e vendia picol� para ajud�-la a pagar a mensalidade", lembra Silva.

Com o ensino m�dio conclu�do e a poucos dias de completar a maioridade, o homem decidiu buscar em Bras�lia alguma oportunidade. O objetivo era colaborar com a m�e no custeio das despesas da fam�lia e com a ent�o namorada, que havia acabado de descobrir que estava gr�vida.
O primeiro emprego de Silva foi como balconista de uma padaria, substitu�do meses depois pelo de gar�om. Ao todo, foram 5 anos no of�cio, ganhando um sal�rio m�nimo e aguentando todo tipo de "decep��o". "Havia toda exig�ncia de patr�o e clientes, e o que eu recebia simplesmente n�o rendia. Acabava o dinheiro antes do m�s", revela.
O auge da frustra��o veio no dia em que o piauiense precisou de apenas R$ 1 para uma despesa da qual ele j� nem se lembra mais. Sem sobras no sal�rio, Silva pediu a quantia emprestada a um vizinho e acabou recebendo o primeiro "chacoalh�o" que o levaria a mudar de vida.
"Ele me pagou um serm�o, e eu juro que isso n�o me deixou magoado. "Que idade voc� tem? Rapaz, voc� tem que parar de depender dos outros para ter dinheiro. Ca�a um lote para capinar, um carro para lavar", foi o que ele me disse", conta. "Eu fiquei envergonhado, mas aquilo mexeu comigo. A� me vi obrigado a correr atr�s de algo diferente."
A ideia de lavar carros ganhou for�a com o incentivo de um amigo, que j� tinha montado um "ponto" na CNA 2, em Taguatinga. Silva passou algum tempo dividindo os lucros do servi�o com o colega, mas de novo sentiu que o rendimento era pouco para as muitas horas de trabalho � das 7h at� quando houvesse demanda. A partir da�, j� com 25 anos, ele passou a exercer a atividade por conta pr�pria.

O local escolhido foi a CNA 1, perto do Cart�rio do 5� Of�cio de Notas. O tabeli�o e outros funcion�rios da institui��o, assim como donos de lojas pr�ximas, viraram clientes fieis de Silva. O rendimento chegava a R$ 600 por m�s � bem superior ao que at� ent�o ganhava nas demais atividades. E o jovem mantinha religiosamente uma preocupa��o: pagar o INSS.
Seis anos depois, quando j� tinha um segundo filho, com uma gari, veio o segundo chacoalh�o. O lavador de carros estava deixando o pequeno Rodrigo, de ent�o 4 anos, em uma creche de Ceil�ndia e ouviu uma pergunta perturbadora. "Ele falou: "Pai, quando voc� vai comprar um carro para me trazer, que nem os outros pais fazem com meus coleguinhas?". N�o vou mentir, aquilo me doeu. Ele via essa cena todos os dias. E � triste uma crian�a te pedir algo e voc� n�o poder dar", diz.
Impulsionado pelo cliente Francisco de Assis Brito, dono de uma loja de materiais met�licos que fica em frente ao local onde lavava carros, Silva decidiu arrega�ar as mangas e, em segredo, prestar vestibular em uma faculdade particular. "Fico muito orgulhoso de ver o resultado, ele � como um filho para mim. E eu dei um empurr�o. Lembrei que ele tinha 2� grau, que tinha feito curso t�cnico, que tinha intelig�ncia. Ele tinha todas as chances de sair daquela vida", analisa o empres�rio.
O lavador de carros marcou duas op��es para a prova: direito, em primeiro lugar, e pedagogia, em segundo. Os cursos foram inspirados nas pessoas com quem tinha conv�vio e admirava, como o tabeli�o e a pr�pria m�e. A aprova��o, segundo Silva, foi uma surpresa.
"Eu pensava que, se n�o desse em um, daria em outro. S� que, ao mesmo tempo, duvidava que, tantos anos depois de ter sa�do de uma sala de aula, conseguiria passar", afirma. "Foi um pr�mio para mim. N�o t�o gostoso quanto o da OAB, claro, mas ali vi todo o caminho que eu pretendia e ainda pretendo alcan�ar."

S� que o resultado trouxe uma nova dificuldade. Os lucros com a lava��o de carros n�o eram suficientes para manter a fam�lia e pagar a gradua��o. Depois de pedir um tempo ao tabeli�o "para um conselho", ele deu plant�o na reitoria da faculdade para negociar um desconto. De cara, garantiu uma bolsa de 50%. Depois de 5 semestres, a faculdade concedeu o benef�cio integral.
"N�o queria me menosprezar por ser negro e pobre, mas fui sincero. Se n�o fosse desse jeito, eu n�o teria condi��o de pagar. E eu falei para o reitor que queria mudar o meu futuro e o da minha fam�lia. Aquela era a chance que eu tinha. Deixei claro que minha inten��o era n�o precisar depender disso, que eu sabia que ele era um homem muito ocupado, mas que eu n�o tinha op��o mesmo", conta.
Ainda no come�o da faculdade, o lavador de carros, que tinha a confian�a do tabeli�o do Cart�rio do 5� Of�cio de Notas, ganhou mais uma oportunidade: entrou para o setor de limpeza da institui��o. Depois, passou para a �rea de seguran�a e hoje � auxiliar notarial. A atividade � conciliada com os cuidados com os autom�veis dos clientes, aos fins de semana.
"Hoje, essa n�o � a minha atividade principal [lava��o de carros], digamos assim, mas � muito importante para mim. Eu n�o ganho menos que R$ 90 em um s�bado, e isso me ajuda muito a completar a renda. A soma do que eu e minha mulher ganhamos n�o � alta, ent�o esse dinheiro a mais ajuda muito. E eu gosto de lavar carros, me distrai. Foi o que me deu sustento por muito tempo e ainda me ajuda a queimar calorias", brinca. "Meu peso ideal � 87 kg, mas estou com 100 kg. N�o vou parar t�o cedo."
Os lucros obtidos exclusivamente por meio da limpeza dos carros, inclusive, o permitiram atender ao pedido do filho. Silva juntou R$ 9 mil e conseguiu comprar um autom�vel usado de um cliente. O rapaz, que atualmente tamb�m trabalha no cart�rio, n�o acreditou quando o lavador perguntou em junho do ano passado quanto ele queria pelo ve�culo.

"Havia um colega que queria comprar, e eu meio que atravessei", afirma, �s gargalhadas. "Mas na hora doeu um pouco, porque parecia que n�o acreditavam que eu, que tantos anos lavei aquele carro sem nunca saber que um dia seria meu, teria condi��es de compr�-lo. Acharam que era brincadeira. Isso at� ofende, sabe. Mas eu me limitei a pedir o n�mero da conta e a voltar 2 horas depois com a comprova��o da transfer�ncia. O cara ficou surpreso e perguntou se podia me entregar s� no outro dia, porque ele n�o esperava vender. Ali eu podia ter dado uma cutucada, mas fui discreto. S� disse para tomar cuidado e n�o bater, que eu j� tinha pagado."
A rea��o do ca�ula ao "presente" tamb�m surpreendeu. Silva parou o carro na porta de casa e chamou a fam�lia para ver a novidade que ele havia trazido. Rodrigo foi direto, lembra o homem.
"Ele logo soltou: "Pai, eu n�o acredito, mas � muito feio esse carro". Ele adora carros, mas o neg�cio dele � Lamborghini, � carr�o. S� que pouco depois, ele veio: "Pai, eu estava brincando". E ele ama, n�? Antes, para irmos ao Nicol�ndia [no Parque da Cidade, no Plano Piloto], peg�vamos �nibus e metr�. Hoje, � s� trocar de roupa e aproveitar um tempo bem mais curto e um jeito bem mais confort�vel de chegar", diz.
"Maior pr�mio"
Assim como fez com o vestibular, Silva se inscreveu em segredo para o exame da OAB. A prepara��o para a primeira etapa ocorreu toda em casa. J� para a segunda fase, o lavador decidiu optar por um refor�o e pagou um cursinho on-line. Foram 3 meses conciliando o sonho com as aulas da faculdade, o in�cio da monografia e o trabalho.

Fonte: g1.globo.com
 
Por:  Gabrielly Rebolo    |      Imprimir