Categoria Geral  Noticia Atualizada em 07-11-2014

"Peço desculpas a quem se sentiu ofendido", diz professor da
Ufes decide afastar por 30 dias professor acusado de preconceito. Malaguti é acusado por alunos de ter feito declarações preconceituosas.

Foto: g1.globo.com

Alvo de uma investigação criminal no Ministério Público Federal (MPF) e de uma sindicância na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o professor de Economia Manoel Luiz Malaguti pediu desculpas nesta quinta-feira (6) pelas declarações que geraram polêmica na última segunda-feira (3). Malaguti é acusado por alunos de ter feito declarações preconceituosas e racistas em sala de aula.

O professor foi afastado por 30 dias de todas as atividades acadêmicas pela Ufes. Em entrevista, Malaguti disse que foi ameaçado e está sendo crucificado pela opinião pública, mesmo diante de uma carreira acadêmica que traz publicações e livros voltados para a defesa das classes menos favorecidas.

A Ufes decidiu, nesta quinta-feira (6), afastar o professor de todas as atividades acadêmicas por um prazo de 30 dias. De acordo com a universidade, a decisão visa à preservação das integridades intelectual, emocional e física dos estudantes e do professor. O advogado de Malaguti, Jeronymo Zanandréa, disse que o cliente não foi informado de nenhuma acusação formal e que só depois que isso acontecer ele vai tomar as medidas cabíveis. Com relação ao afastamento, Zanandréa disse que esse é um direito da administração da Ufes e que é a medida mais "prudente", por enquanto.

Denúncia
Alunos da Ufes denunciaram o professor por ter dito frases de caráter racista e preconceituoso durante uma aula, na tarde de segunda-feira (3). De acordo com uma publicação feita pelo Centro Acadêmico Livre de Ciências Sociais da Ufes em uma rede social, o professor teria dito que "detestaria ser atendido por um médico ou advogado negro", por exemplo. Cartazes com a foto do mestre e com o título "Professor Racista" estão espalhadas pelo campus.

Segundo a Ufes, Malaguti é professor de duas turmas na instituição e dá aulas às segundas e terças-feiras. Desde que foi denunciado por alunos, na tarde de segunda-feira (3), Malaguti não esteve mais em classe, e já havia sido afastado da turma onde aconteceu a discussão, mas continuava com outras atividades, como orientação de monografias.

Professor
Manoel Luiz Malaguti tem formação acadêmica , mestrado e doutorado em Economia, se especializou nos últimos 30 anos em questões sociais e na desigualdade, tendo atuado na Universidade Federal da Paraíba e na Universidade de Lisboa, além da Ufes.

Diante da repercussão, o professor pediu desculpas pelas declarações. " Eu pediria desculpas a todos aqueles que se sentiram ofendidos, não quis de forma alguma ofender ninguém. Sempre me preocupei em não causar problemas. Peço desculpas se eu não fui suficientemente claro e com isso eu tenha magoado algumas pessoas. Agora o ambiente de aula é espontâneo. Alguma palavra pode ter sido mal colocada, mas a universidade não é local onde se pode levar em consideração o sentimento de uma pessoa. Lamento se coloquei alguma palavra cuja interpretação tenha gerado ofensa", disse o professor.

Confira a entrevista

Repórter: Mas não foi uma frase infeliz dizer que escolheria um médico branco ao invés de um negro?

Malaguti: Eu respondi a uma pergunta de uma aluna sobre o sistema da cotas, de acordo com as minhas convicções. Só que fui mal interpretado. Eu tenho alguns trabalhos feitos, livros publicados e todos voltados para a defesa das pessoas que não conseguiram chegar à universidade ou não conseguiram uma trajetória adequada em função de sua inserção social, dificuldade de comunicação, pobreza, miséria. Eu continuo lutando em favor dessas pessoas, e pelos negros, que foram historicamente humilhados e agora estão tentando recuperar a sua dignidade como pessoa. Tento mostrar em meus trabalhos públicos que eles podem crescer e têm a mesma capacidade. Luto contra o racismo, a pobreza, a miséria, os oprimidos e os que sofrem opressão por cor, por ideologia. Tem sido a pauta da minha vida acadêmica.

Repórter: Mas e sua posição contrária ao sistema de cotas?

Malaguti: O que acho que eles merecem um apoio superior em relação as dificuldade que enfrentaram na vida. E se não tiverem apoio não será fácil eliminar pobreza e desigualdade. Isso só vai se dar se houver uma colaboração das entidades no acesso a livros, a comunicação, a cultura geral. Não é simplesmente abrir as portas da universidade e deixar essas pessoas ao deus-dará lá dentro. Na medida em que as pessoas não têm saída, elas precisam de apoio das instituições de ensino. Não devemos deixá-las no meio de outras pessoas que não passaram pelo sistema de cotas, já que tiveram uma vida privilegiada e consolidaram conhecimento mais cedo.

Repórter: Mas as declarações do senhor não foram preconceituosas?

Malaguti: Eu acho que dentro de uma universidade federal a gente deve ter uma margem de erro em virtude do debate ser acalorado. Uma palavra ou outra pode ser colocada de maneira indevida, mas os alunos estavam lá e podiam ter contra-argumentado. Era só perguntar, dar outra opinião. Fico indignado porque não sei de onde vem tanta discriminação por um professor que sempre se colocou a favor dos discriminados. Minha vida é um livro de página aberta em favor da construção de um país melhor, de uma universidade melhor, de uma educação melhor. Me encontro em situação inversa a qual eu sempre lutei: censura, ditadura, democracia mais ampla. De uma hora para outra eu sou o responsável por uma situação que sempre combati.

Repórter: O senhor é alvo de investigação do MPF, de sindicância e agora foi afastado de todas as funções na Ufes. Imaginava que sua declaração fosse lhe custar tão caro?

Malaguti: Até agora não me foi dado o direito do contraditório. Eu não recebi nenhuma manifestação oficial a não ser boatos, gritos, raiva e tendência ao linchamento. Não fui comunicado oficialmente de nada. A universidade ao tomar determinadas atitudes sem me ouvir está ferindo a legislação, a ética, a Constituição. Estou sofrendo uma censura, o direito a livre expressão não tem sido levado em consideração, nem o pensamento livre, nem o direito a ter a ideologia que eu queira. Simplesmente um grupo de pessoas manifesta uma oposição em relação a minhas manifestações, e a universidade as ouve unilateralmente. Não há papel, e-mail, telefone, não há nada por parte da universidade. Vejo pela televisão e pelos jornais. Fui condenado, crucificado, sem sequer ser ouvido.

Repórter: Como está a sua vida depois da repercussão local e nacional?

Malaguti: A minha integridade tem sido ameaçada. Eu não posso entrar na universidade que eu ainda trabalho. Já recebi ameaça por telefone dizendo "toma cuidado, toma cuidado, a sua situação é difícil e pode piorar". Estou sendo tratado de forma preconceituosa, sendo alvo de manifestações das mais diversas. É a massa querendo me massacrar.

Repórter: O que o senhor vai fazer?

Malaguti: Estou tomando as providências legais e vou continuar lutando para afirmar as minhas convicções. Estou tranquilo com relação a negar todas as acusações. Minha vida mostra que sempre lutei pelos massacrados, sempre trabalhei ao lado de quem sofre para conseguir sobreviver. Não entendo como as coisas ganharam essa repercussão e proporção, comigo sendo execrado e humilhado. Me pegou de surpresa justamente porque sempre lutei pelos desfavorecidos e tenho contatos com movimento dos oprimidos, movimentos dos negros e dos sem-terra. Meu trabalho de 30 anos mostra que estou voltado para a eliminação da desigualdade de todos os tipos. Pena que conseguiram inverter as ponderações que fiz em sala de aula (pausa e choro).

Ministério Público
Malaguti vai ser investigado pelo Ministério Público Federal no estado (MPF-ES). O órgão instaurou um procedimento investigativo criminal para apurar a conduta do professor. Os documentos exigidos pelo MPF-ES devem ser apresentados em um prazo de 48h, a partir desta quarta-feira.

Para o desembargador Willian Silva, que acionou o MPF-ES, a partir do momento em que o professor fez a declaração, ele colocou o negro em condição de inferioridade. "Eu peguei o jornal e li a afirmação de que ele "detestaria ser atendido por um médico negro". Por causa disso, entrei com a representação. Eu, como negro, me senti ofendido e parte legítima para acionar o MPF", falou Silva.

Protesto
Na tarde desta quarta-feira, estudantes fizeram uma manifestação no campus da universidade. Com cartazes e gritando palavras de ordem, os jovens caminharam pelo campus de Goiabeiras, em Vitória, e chegaram a interditar os dois sentidos da Avenida Fernando Ferrari durante alguns minutos.

OAB
O advogado José Roberto de Andrade, da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), contou que se reuniu com alunos e professores do Centro de Ciências Humanas, na noite desta terça-feira (4) e que a Ordem repudia veementemente a declaração do educador.

"Nós ficamos entristecidos em ver que em pleno século XXI, em uma instituição de ensino superior, um professor ainda possa ter esse tipo de discurso em sala de aula. Esse é um discurso atrasadíssimo, superado, que cairia bem, talvez, em um engenho do século XVI, mas não hoje", disse.

Fonte: g1.globo.com
 
Por:  Desirée Duque    |      Imprimir