Categoria Geral  Noticia Atualizada em 20-11-2014

Morreu Mike Nichols, o realizador de The Graduate
Um dos t�tulos que abriu as portas � Nova Hollywood � dele: The Graduate/A Primeira Noite. Venceu �scares, Tonys, Emmys e Grammys. Come�ou na stand up comedy, impar�vel. Os actores precipitavam-se para os seus filmes e encena��es. "O melhor da Am�rica", d
Morreu Mike Nichols, o realizador de The Graduate
Foto: publico.pt

O realizador norte-americano Mike Nichols, autor do retrato da rela��o do finalista Dustin Hoffman com a madura Mrs. Robinson em A Primeira Noite/The Graduate, morreu quarta-feira � noite aos 83 anos. A not�cia da sua morte foi dada na manh� desta quinta-feira pelo presidente do canal norte-americano ABC - uma das suas jornalistas e pivot, Diane Sawyer, era casada com Nichols. As causas da morte ainda n�o s�o conhecidas.


Nascido em Berlim, na Alemanha, Mikhail Igor Peschowski naturalizou-se norte-americano em 1944. Chegara ao pa�s, em 1939, com a sua fam�lia de refugiados judeus, aos sete anos. � um dos 12 nomes que recebeu na sua carreira os quatro mais cobi�ados pr�mios das ind�strias cinematogr�fica, discogr�fica, televisiva e teatral � o �scar, o Grammy, o Emmy e o Tony. Para o dramaturgo Tom Stoppard, citado pela NBC, ele era "o melhor da Am�rica".


Ser� tanto assim? Ser� o trabalho de Nichols um daqueles exemplos da dist�ncia que pode separar a avalia��o da cr�tica americana da avalia��o da cr�tica europeia? Bertrand Tavernier e Jean-Pierre Coursodon no seu dicion�rio (que � uma ode) 50 Anos do Cinema Americano comparam o seu "caso" com o de Jerry Lewis: este incompreendido no seu pa�s e incensado pela cr�tica francesa e Nichols profeta no seu pa�s e desprezado pela cr�tica europeia. O cr�tico e historiador brit�nico David Thomson (A Biographical Dictionary of Film) escreve que Nichols teve, ao longo da sua carreira, mais o perfil de "um produtor", "um embalador de coisas", do que de cineasta com identidade pr�pria - "h� ali alguma coisa de mais substancial do que uma enorme reputa��o e um instinto de produtor em rela��o aquilo que os espectadores sofisticados querem ver?"


A "embalagem" e a "sofistica��o" podem explicar. E Thomson estaria a pensar, obviamente, nos dois filmes (Quem Tem Medo de Virginia Wolf? e A Primeira Noite) com que se estreou no cinema um encenador da Broadway (o teatro foi o seu grande amor, depois de ter visto a encena��o de Elia Kazan do El�ctrico Chamado Desejo) e um dos elementos da troupe The Compass, mais tarde chamados Second City, que no final dos anos 50 mostravam a sua stand up comedy pelos cabarets novaiorquinos.


Nesse grupo estava Elaine May, com quem Nichols formaria uma dupla que improvisava com�dia a alta velocidade, especialista em juda�smo e neurose (eram conhecidos como "the world�s fastest humans" e Woody Allen era um f�), e que, como cineasta, ser� um exemplo, em termos de recep��o p�blica, contr�rio ao de Nichols: um low profile mantido pela pr�pria, como se n�o acreditasse de forma determinante no que estava a fazer, no que foi acompanhada pelo desinteresse da cr�tica (e no entanto, o dela � um olhar bastante selvagem sobre a com�dia americana que necessita de ser conhecido ou reavaliado).


Mas voltando a Nichols, e a essa capacidade indesment�vel de ler os sinais do tempo: percebeu a implos�o de uma era e a entrada em cena de uma nova gera��o alimentada pela contracultura. Quem Tem Medo de Virginia Wolf?, a adapta��o da pe�a de Edward Albee com Elizabeth Taylor e Richard Burton a fazerem um casal de meia idade que incha e rebenta com a sua malaise (e logo eles, Taylor e Burton, espect�culo terminal de um tempo), e a inicia��o de Dustin Hoffman ao compromisso, em A Primeira Noite, s�o acontecimentos do cinema americano tal como ele se anunciava nos anos 70. Uns estavam a acabar, outros a come�ar.


O primeiro filme valeu-lhe uma nomea��o ao �scar, o segundo o �scar de melhor realizador. Neste filme, que hoje � iconografia pop (veja-se o que Tarantino fez com a sequ�ncia de abertura de Jackie Brown, colocando Pam Grier no aeroporto no lugar de Dustin Hoffman, trocando a melancolia de Simon & Garfunkel na banda sonora pela euforia soul de Bobby Womack), realce-se a fixa��o chic, a que hoje chamar�amos hipster, na Nouvelle Vague, que tamb�m est� em Bonnie & Clyde, de Arthur Penn - n�o por acaso os dois t�tulos que se tornariam os mais influentes daquela era.


E a possibilidade de afirma��o de um novo tipo de actor a partir do momento em que Nichols escolheu Dustin Hoffman para protagonista em vez de Robert Redford, com quem trabalhara em Descal�os no Parque, de Neil Simon, �xito nos palcos e primeiro Tony para o encenador, em 1964. Em 2000, numa entrevista ao New York Times, Hoffman, que tinha quase 30 anos quando interpretou a sua personagem de 21, diria: "Que eu conhe�a n�o h� no s�culo XX um gesto de casting mais corajoso do que aquele de me p�r naquele papel."


Nichols continuou a dividir a sua carreira entre o cinema e o teatro - entre 1970 e 2000, Chekhov (houve uma Gaivota com Meryl Streep, Natalie Portman, Christopher Walken, John Goodman e Kevin Kline), Lillian Hellman, David Rabe, Ariel Dorfman, Tom Stoppard, Neil Simon, Beckett (� Espera de Godot com Steve Martin e Robin Williams). Continuou a montar os seus packages, a mostrar-se embalador de coisas, para utilizar a express�o de David Thomson: Melanie Griffith em Working Girl (1988), Meryl Streep e Shirley MacLaine em Postcards from the Edge (1990) ou Harrison Ford em Regarding Henry (1991) podem ser exemplos do high profile glow que um cr�tico americano considera ter-se mantido no trabalho de Nichols, pelo facto de as estrelas se precipitarem para trabalhar com ele.


E mesmo que se possa tra�ar uma linha entre a encena��o que fez de Descal�os no Parque e filmes como Carnal Knowledge (1971), Heartburn (1986), The Birdcage (1996) ou Closer (2004) - regressos ou actualiza��es aos infernais rituais de acasalamento e ruptura comjugal por um homem que foi casado quatro vezes ("penso que talvez o meu tema sejam as rela��es entre homens e mulheres � volta de uma cama", disse ao Washington Post) -, segundo alguns (leia-se, por exemplo, o obitu�rio do New York Times) foi demasiado prol�fico, ter� escolhido muitos dos seus projectos de forma fortuita ou apenas pelo dinheiro.


Realizador sem estilo? Um texto publicado no New York Times em 2009, por altura de uma retrospectiva no MoMA, chamava-lhe "mestre da invisibilidade". � uma f�rmula sedutora, daquelas que jogam tudo em momentos de reavalia��o, mas que se esgota na sedu��o - e parecendo violentar a leitura autor�stica de um corpo de trabalho que a isso resiste. Sem, afinal, dizer "o que faz de um filme de Nichols um filme de Nichols".

Fonte: publico.pt
 
Por:  Ingrid Leitte    |      Imprimir