Categoria Geral  Noticia Atualizada em 08-12-2014

Municipio de Várzea Grande trabalha de costas para si mesma,
Segunda cidade mais populosa de Mato Grosso – com 262.880 habitantes, conforme o Censo de 2010 –, terceiro maior Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, mas com um histórico de problemas que se "arrastam" há anos.
Municipio de Várzea Grande trabalha de costas para si mesma,
Foto: www.poconet.com.br

Esta é a realidade de Várzea Grande, cuja população clama por melhorias nas políticas públicas dos mais diversos setores.

Andando pelas ruas da cidade, conversando com moradores e estudiosos, ou simplesmente por meio dos noticiários, é fácil constatar que o município "respira" dificuldades. A instabilidade política e os problemas de infraestrutura estão no topo das reclamações dos moradores.

"Se a gente parar para analisar, Várzea Grande é um conjunto de problemas enormes", avaliou o professor e cientista político, João Edisom.

"Se a gente parar para analisar, Várzea Grande é um conjunto de problemas enormes" Isto acontece, segundo ele, basicamente por conta de dois fatores, sendo o principal deles, a falta de estrutura.

"Estes problemas ocorrem, primeiro porque a cidade é excessivamente horizontal, um município que é muito "esparramado". Lá não tem prédio. Isso faz com que você aumente o número de ruas e, consequentemente, precisa aumentar o número de rede de esgoto, água, luz, telefonia, coleta de lixo", explicou Edisom.

Segundo o analista, o segundo fator problemático é ausência de atividades econômicas para agregar a massa populacional do município.

"Tanto que é um mal terrível, ela estar encostada na Capital, porque ela acaba sendo uma cidade dormitório", disse.

Conforme explica o especialista, Várzea Grande recebeu esta conotação há muito tempo - ideia que foi se fortalecendo com o tempo -, uma vez que, boa parcela de seus moradores passou a permanecer na cidade apenas para dormir.

"As pessoas vão para Cuiabá deixar seu trabalho. Elas deixam seus lucros na Capital e vão dormir lá em Várzea Grande. Então, é um município que tem essa característica de "cidade dormitório". A cidade perde sua atividade econômica e a população passa a ser uma prestadora de serviços em Cuiabá", argumentou.

"É uma cidade que vive o tempo todo olhando para Cuiabá. Ela não olha pra dentro, não olha pro centro. Trabalha de costas para ela mesmo e olhando para Cuiabá", completou.

"As pessoas vão para Cuiabá deixar seu trabalho. Elas deixam seus lucros na Capital e vão dormir lá em Várzea Grande. Então, é um município que tem essa característica de cidade dormitório." Atrelados aos aspectos estruturais, de acordo com o professor João Edisom, estariam os fatores políticos.

"Aí é importante uma observação: a cidade tem em torno de 150 mil eleitores e não tem segundo turno, então, dificilmente o prefeito vence lá com maioria. Quase sempre ele tem 60% da população contra ele já no primeiro dia da eleição. Se não está contra ele, pelo menos não está a favor", justificou.

Além disso, o analista avalia que as "forças políticas existentes em Várzea Grande são as piores possíveis. Existe uma disputa de poder que vai além da eleição".

"isso está no Judiciário, no TCE [Tribunal de Contas do Estado], em vários setores. O interesse por esse desmantelar de Várzea Grande, para que alguém possa ocupar o poder, é muito grande. Por isso, ela é uma cidade que respira problemas", concluiu.

Vestígios de uma oligarquia

E não há como falar da política em Várzea Grande, sem citar a família Campos, que ao longo de mais de 60 anos tiverem este município como principal reduto eleitoral.

A história de "domínio" no Paço Municipal começa com Gonçalo Botelho de Campos, que comandou o município entre os anos de 1949 e 1950.

Posteriormente, e até 1960 a prefeitura foi comandada pelo patriarca dos Campos, Júlio Domingos Fiote de Campos. Também foram prefeitos de Várzea Grande, Ary Leite de Campos (1969-1973), Júlio José de Campos (1974-1978), Jayme Campos, que permaneceu como prefeito entre os anos de 1983 a 1988 e ainda, de 1996 a 2004. No intervalo de 1992 a 1996, Nereu Botelho de Campos é quem esteve a frente do Executivo Municipal.

E o fato de ser administrada por um processo oligárquico (quando o poder político fica concentrado em um pequeno número pertencente a uma mesma família) deixou reflexos negativos no município. Ao menos, é o que acredita o professor João Edisom.

"Toda cidade que, em algum momento, trabalhou como sendo oligarquia, tendo uma família que manda, um grupo político só que manda, chegou a esse cenário. Várzea Grande aconteceu isso e ela não é única", afirmou.

"Ao mesmo tempo em que a "perpetuação" ajudou em muitos fatores, ela prejudicou em outros. As pessoas que tiveram em torno do poder junto à família Campos, não perderam os vícios", avaliou o analista.

No entanto, Edisom pontua que a permanência da família Campos durante anos há frente do município não pode ser visto apenas de maneira negativa.

"A gente tem que ter muito cuidado em falar sobre a família Campos, porque ela não é só ruim. Enquanto a família Campos tinha poder no Estado como um todo, Várzea Grande era beneficiado por isso. Ao perder a força política, aí sim ela perdeu um punhado de coisas juntos. Perdeu até o que não tinha", observou.

Moradores alegam "terra sem lei"

MidiaNews

"A população até faz piada dizendo que os buracos estão diminuindo, pois são tão grandes, que acabam virando um só", diz moradora
Em meio a todo esse cenário, a população é quem é penalizada.

"A infraestrutura aqui é um dos principais problemas. As ruas são mal construídas e estão tomadas por buracos. A população até faz piada dizendo que os buracos estão diminuindo, pois são tão grandes, que acabam virando um só", relatou a universitária Valquíria Castil, moradora do bairro São Matheus.

Ela, que depende do transporte público, ressalta ainda os problemas neste aspecto, especialmente pelo fato de apenas uma empresa de transporte operar no município.

"O transporte aqui é um absurdo, tem bairros onde só existe um ônibus e eles ainda tem que atender mais uma série de outros bairros. A espera de mais de uma hora nos pontos de ônibus é algo comum por aqui", lamentou a estudante.

A jornalista Aline Coelho vai ainda mais além e afirma que Várzea Grande é hoje uma "terra sem lei".

"A segurança é um problema grave. A gente sai de casa sem saber se vai voltar. Nos bairros periféricos, como o Jardim Paula, por exemplo, onde mora a minha avó, a situação é ainda mais crítica", afirmou.

Ela questiona a ausência de policiais nas ruas, de rondas no trânsito e nos bairros mais afastados da região central, por exemplo.

Outro ponto citado pela jornalista é o sistema de coleta de lixo, principalmente quando chega a época de final de ano.

"A coleta de lixo aqui é terceirizada. Entra o mês de dezembro, lá pelo dia 15 ou 20, acho que vence o contrato e todo ano a mesma cena se repete: nós passamos Natal e Ano Novo com o mau cheiro na porta de nossas casas. Todo ano é a mesma coisa", disse.

Ausência de rede de esgoto, falta de valetas e bocas de lobo nas ruas, asfaltos de má qualidade, falta de sinalização nas ruas onde são realizadas obras de mobilidade, também estão entre as queixas da população do município.

"Várzea Grande é uma cidade onde as pessoas não pagam IPTU, fica esperando um prefeito ser eleito, para abonar ou isentá-los. É uma cidade que se exige muito qualidade, mas ninguém paga por essa qualidade" Para os várzea-grandenses, é preciso repensar a gestão da cidade, para que aquela que hoje é tratada como "Cidade Dormitório", volte a ser conhecida, e mais do que isso, faça valer sua denominação de "Cidade Industrial".

"Luz no fim do túnel"

É difícil, mas a situação tem como melhorar, segundo a opinião do analista João Edisom.

"Pode sim ser revertido e tem muitos exemplos. Se você pegar São Paulo como exemplo, verá que tem cidades que conseguiram mudar este cenário. Mas, primeiro de tudo, é preciso a conscientização de quem mora na cidade, para que ela tenha uma característica diferente", opinou.

Ele observa que "o primeiro passo a ser feito no município é dar tranquilidade a quem quer que seja eleito.

"Pedro, João, Paulo, Walace, seja quem for, tem que dar um pouco de tranquilidade para que a pessoa possa trabalhar, coisa que em Várzea Grande ninguém tem", disse.

Além disso, segundo o analista, é preciso ainda a conscientização da população, das entidades organizadas, do empresariado, para entender que os problemas não são fruto, apenas, de má gestão do município.

"Várzea Grande é uma cidade onde as pessoas não pagam IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano], fica esperando um prefeito ser eleito, para abonar ou isentá-los. É uma cidade que se exige muito qualidade, mas ninguém paga por essa qualidade", justificou o analista.

"É preciso, urgentemente, de uma conscientização da população", completou.

Outro lado

A reportagem tentou contato com o prefeito Walace Guimarães (PMDB), mas as ligações para seu celular não foram atendidas e não foram retornadas.

Também foi procurado pela reportagem o deputado federal e ex-prefeito do município, Júlio Campos (DEM), que não atendeu, tampouco retornou as ligações.

Também procurado, o Ministério Público Estadual (MPE) afirmou, por meio de sua assessoria, que nenhum promotor da cidade iria se posicionar sobre o assunto.

Fonte: www.poconet.com.br
 
Por:  Desirée Duque    |      Imprimir