Categoria Geral  Noticia Atualizada em 11-12-2014

República Centro-Africana sofre com uma crise que não existe
Nairóbi, 11 dez (EFE).- Há um ano a capital da República Centro-Africana amanheceu com centenas de corpos empilhados nas ruas: milícias de civis clamavam vingança contra os rebeldes da coalizão muçulmana Seleka pelos abusos cometidos após chegar ao poder.
República Centro-Africana sofre com uma crise que não existe
Foto: br.noticias

Exatamente um ano depois daquele aquele olho por olho desencadear uma espiral violenta que devorou a República Centro-Africana e que mantém um quinto de sua população deslocada, o conflito perdeu relevância na imprensa e na agenda internacional.


"A República Centro-Africana não existe", disse à Agência Efe o religioso espanhol Agustín Cuevas, que chegou a refugiar em sua congregação, em Bangui, 22 mil pessoas durante os massacres que explodiram em dezembro de 2013 e que se prolongaram nos meses seguintes.


O país, que antes da crise já era um dos mais pobres e conflituosos do mundo, começou a se desintegrar no fogo cruzado dos grupos de autodefesa supostamente cristãos, os Anti-Balaka, e os simpatizantes dos insurgentes.


"Foram dias de angústia total", lembrou o religioso, que ainda tem 300 pessoas refugiadas em sua paróquia.


O ódio étnico-religioso que persiste, principalmente longe da capital, tem raiz política: o conflito gerado pelo golpe de estado da coalizão Seleka contra o presidente François Bozizé em março de 2013.


A partir desse momento, a coalizão, formada por rebeldes de uma região do nordeste do país tradicionalmente esquecida pelo governo, realizou uma campanha de execuções civis, queima e saque de imóveis.


Estas ações encorajaram grupos de jovens - supostamente cristãos - a se organizarem para responder com massacres que banharam a capital de sangue que rapidamente se espalhou para todo o país.


Em 5 de dezembro de 2013, após obter o sinal verde das Nações Unidas, a França anunciou uma intervenção militar para tentar pacificar sua ex-colônia.
Hoje, as tropas da denominada Operação Sangaris, junto com as missões da ONU e da União Europeia, patrulham as ruas de Bangui, onde só se escutam tiroteios esporádicos e as pessoas caminham sem medo durante o dia.


Mas no resto do país há frequentes escaramuças entre milícias e as forças internacionais. "A violência continua sendo muito grave", explicou à Agência Efe a assessora de Assuntos Humanitários da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), Enrica Picco.


Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), o país enfrenta uma das piores crises humanitárias conhecidas, com 850 mil deslocados entre os 4,5 milhões de habitantes.


Eles fugiram para os países vizinhos (Chade, Camarões e a República Democrática do Congo), onde sobrevivem em acampamentos provisórios sem um plano de retorno, criticou Enrica.


"A comunidade internacional e Acnur deveriam ter um plano para o retorno ou buscar outra solução se a insegurança ainda impede", acrescentou.


A MSF também ressaltou a falta de solução para os deslocados internos, sobretudo os muçulmanos, dos quais só 90 mil (dos 700 mil que viviam no país antes desta crise) continuam dentro de suas fronteiras, a maioria em guetos.
Enrica, que dirigiu durante anos as operações da MSF no país, esclareceu que este não é

"um conflito religioso, e só adquiriu essa aparência quando a violência se exacerbou até um nível brutal".


Cristãos (majoritários) e muçulmanos (que representavam 10% da população antes do "êxodo histórico", segundo a Anistia Internacional) conviveram em paz durante séculos.
Agora, os centro-africanos tentam sobreviver em um território sem lei nem recursos além de Bangui, na periferia do país, onde a população não recebe nenhuma ajuda, em parte pela descoordenação das forças internacionais enviadas, segundo Enrica.


Apesar da assinatura de um cessar-fogo em Brazzaville em julho, o governo de transição continua "incapaz". "Não tem força, nem horizonte nem pauta fixa para seguir", opinou o pároco espanhol.


A MSF acredita que a situação de emergência declarada no país, similar a do Sudão do Sul e da Síria e a máxima na nomenclatura das Nações Unidas, será mantido para garantir a chegada de apoio internacional.


Esse "nível 3" de resposta internacional se manterá até as eleições presidenciais e legislativas de agosto de 2015 mas, segundo Enrica, "pensar que essa vai ser a solução para todos os problemas é muito ilusório".

Fonte: br.noticias
 
Por:  Ingrid Leitte    |      Imprimir