Categoria Geral  Noticia Atualizada em 29-04-2015

"Eu não podia ter perdido meus filhos", diz pintor que sobre
Já na San Martin, mulher perdeu o irmão e mãe em desabamento no dia do seu aniversário: "a pessoa mais importante foi embora"

Foto: www.correio24horas.com.br

No dia em que celebraria a vida, as lágrimas que escorreram dos olhos exaustos de Silvânia Figueiredo Neves não foram de alegria. Na terça-feira (28), no seu aniversário de 32 anos, Silvânia chegou ao Barro Branco, na Avenida San Martin, no final da madrugada, para acompanhar o resgate dos corpos de sua mãe, Dezneide Dias, 59, e do irmão Sivaldo Silva Neves Filho, que também faria aniversário ontem.

Ele completaria 30 anos de vida. Os dois corpos foram retirados pela manhã. "Estou aqui arrasada. Tenho duas filhas, mas a pessoa mais importante da minha vida foi embora de forma tão trágica! Minha mãe era tudo para mim. Era a minha base. Meu presente foi este", lamentou Silvânia.

Frequentadora da Igreja Batista, ela tirou da fé força para consolar a irmã Joice Neves, 33. "Não podemos questionar os planos de Deus", disse. Aniversários na família de Silvânia são marcados por tragédias. "Levei painho para a UTI no dia no meu aniversário, 26 de fevereiro. Ele morreu no dia 15 de junho, quando faria também aniversário", contou Joice. O pai delas, Edson Neves, 70, morreu de câncer.

Sono

De acordo com as irmãs, Sivaldo trabalhava numa gráfica e morava com a mãe. Por volta das 5h da manhã de segunda-feira, ele saiu de casa para ir à academia, mas o seu carro, um Honda Civic, teve um problema mecânico e não ligava. Ele, então, voltou a dormir.

O corpo de Sivaldo foi retirado debaixo dos escombros antes das 7h. Ele estava enrolado num lençol. Já a mãe tinha o hábito de acordar junto com o filho.

Ela abria a janela da sala e fumava um cigarro, para então passar a manhã na cozinha – dona de casa, ela deixou de trabalhar vendendo doces na porta do Colégio Estadual Rubem Dário há dez anos, mas cozinhava para parentes e amigos. Ela foi encontrada próximo à geladeira.

Família

Em outro imóvel que desabou no local, morreram avó, filha e neta: Maria José dos Santos, 75; a filha dela, Magnólia Paim, 44, e a adolescente Cássia Vitória, 14 anos, filha de Magnólia. Além delas, a família também perdeu Roberto Ubiratã dos Santos, o Robertinho, 16, primo de Cássia.

O imóvel tinha três andares. No primeiro, moravam Maria José e Robertinho. A dona de casa Magnólia Paim morava no segundo, com o marido, Carlos Augusto dos Santos, funcionário de uma empresa de instalação de antenas, e a filha, Cássia.

Irmã de Cássia, Carla, grávida de três meses, morava no último andar – ela foi tirada com vida e levada para um hospital, mas já foi liberada.

Carlos também sobreviveu. Sobrinho de Magnólia, Robson Rebouças dos Santos, 23, chorava ontem a morte dos quatro parentes.

Cássia era aluna da 8ª séria do Colégio Estadual Rubem Dário, na San Martin. "Era muito alegre, vivia sorrindo, falava com todo mundo", disse Robson.

Segundo ele, Cássia era muito apegada ao primo Roberto Ubiratã, 16, o Robertinho, que chegou a ser resgatado com vida, na segunda-feira, mas não resistiu e morreu horas depois. Ele estudava no Colégio Estadual Carneiro Ribeiro, na Liberdade, onde cursava o 2º ano. "Um menino de ouro".

Pai e filho

Em um terceiro imóvel da localidade, morreram José Cosme, 50 anos, e o filho Josenildo Santos Cruz, 33, que trabalhava como baleiro na Estação Pirajá. "Ele saía na madrugada e só retornava tarde da noite. Era um trabalhador e era quem sustentava a casa", disse uma vizinha.

Bom Juá

À tarde, as quatro vítimas — também da mesma família — que morreram no outro desabamento com mortos da segunda-feira, no Marotinho, no Bom Juá, foram sepultadas no Cemitério Municipal de Brotas. "Mesmo torcendo pelo Vitória, ele queria ser o camisa 8 do Bahia para orgulhar o pai", afirmou Joilson Santos, de 14 anos, o melhor amigo de Jonathan Bispo dos Reis, 12, um dos mortos na tragédia.

Joilson, que além de amigo era também vizinho de Jonathan, acordou cedo para ir ao colégio, mas ouviu o barulho. Foi ver e se desesperou em saber que a casa que havia desabado era a do amigo. "Brincamos de bola na sexta-feira e a gente ainda tinha se falado no domingo. O que eu vou fazer sem meu amigo agora?", questionou.

O garoto foi sepultado junto com a irmã, Joice Bispo dos Reis, 16; a mãe, Geraldina Cunha Bispo, 42; e o primo, Adriano Bispo de Oliveira, 11. Parentes e vizinhos prestaram solidariedade ao pintor automotivo Joilson Ribeiro Reis, que se salvou, mas perdeu os filhos e a esposa.

"Joilson perdeu tudo, ficou sozinho", lamentou a irmã dele, Maria de São Pedro. O pai dos meninos se sentia culpado por não ter deixado que eles fossem para o colégio. Ele e a mãe decidiram que os irmãos não iriam à escola justamente por conta da chuva.

"Eu não podia ter perdido meus filhos", dizia Joilson, enquanto era consolado por familiares. Sobrevivente do último desabamento que ocorreu na mesma localidade há 15 anos, Daniela Brito também sentiu de perto o sentimento de perda que a família de Joilson estava passando. Na época do acidente, ela tinha 6 anos e perdeu a mãe, um irmão e mais duas irmãs.

"É um filme que volta na cabeça. A gente se lembra de tudo. É uma perda irreparável. Acabei sendo criada por minha avó, foi muito difícil para mim". Daniela se mudou do local, mas ainda mora no Bom Juá e disse que, mesmo após a tragédia que perdeu a família, não foi feita nenhuma obra de melhoria.

"A prova disso é o fato de estarmos aqui agora perdendo mais quatro vidas dessa forma". Também foram enterrados ontem, no Cemitério Quinta dos Lázaros, Samuel Santos Oliveira, 12 anos, e Maria Tereza dos Santos Junior, 57, ambos mortos no deslizamento da San Martin.

Fonte: www.correio24horas.com.br
 
Por:  Desirée Duque    |      Imprimir