Categoria Geral  Noticia Atualizada em 14-07-2011

Ex-presidiário vira empreendedor e dono de salão
Com formalização, negócios ganham acesso a crédito para crescer. Açougueiro investe em pet shop no morro; bar vira posto bancário.
Ex-presidiário vira empreendedor e dono de salão
Foto: g1

Menos de um ano após sair da cadeia, o cabeleireiro Júlio César dos Santos, de 38 anos, já era um empreendedor formalizado. Libertado no fim de dezembro de 2009, após cumprir pena de quatro anos por roubo a mão armada, ele abriu o Salão Popular Julio César em julho de 2010, no andar de cima da casa onde mora, na parte baixa do Morro do Borel, na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro. Em outubro do mesmo ano, tirou o alvará de microempreendedor individual.

Na série sobre formalização nas favelas, o G1 vai contar as histórias de empreendedores nas comunidades pacificadas do Rio de Janeiro.

"A legalização é uma segurança", afirma Santos, que, desta forma, quer deixar para trás o passado recente: "Quero pagar uma dívida com a sociedade, que não cortou minhas mãos, como em outras nações, e me deu uma nova chance."

Antes do assalto – "por causa da bebida e da droga fui ao fundo do poço" - , Santos trabalhava como padeiro em grandes redes de supermercados. Na cadeia, ele aprendeu a cortar cabelos. "Não tinha tesoura. Comecei com um pente e uma navalha e cobrava R$ 1 por corte", conta. "Os presos gostam de andar bonito. E os agentes penitenciários gostavam de me ver trabalhando", recorda.

O diretor de uma das penitenciárias onde Santos cumpriu pena deu autorização, em 2006, para que ele comprasse uma máquina de corte de cabelo. "Na cadeia, consegui juntar dinheiro para começar meu trabalho do lado de fora", explica ele. Quando saiu, a irmã de Santos deu R$ 1,5 mil para ajudá-lo. "Eu não comprei nada para a minha casa: nem cama, nem geladeira, nem fogão. Eu optei pelo meu trabalho", conta o cabeleireiro, com os olhos cheios d" água.

"Impostos contribuem para sociedade"
Com cadeira própria, espelho, tesoura, pentes, máquina e cosméticos para os cabelos, Santos montou o Salão Popular Júlio Cesar. Hoje, ele cobra R$ 2,50 o corte completo, e oferece várias opções: asa delta, soldadinho, pé quadrado, paulista, costeleta pagodinho e o moicano, muito utilizado hoje por jogadores de futebol, como Neymar, do Santos, e Léo Moura, do Flamengo.

"Trabalho das 18h às 22h, e o salão fica lotado. Às vezes, vou até meia-noite", ressalta ele, que diz atender uma média de 30 clientes por dia. "Não estou trabalhando mais cedo por causa do calor. Vou investir em um ar-condicionado", planeja.

Consciente dos benefícios da formalização, como ter direito a auxílio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em caso de problemas de saúde – "Deus me livre, eu me machucar!" – , Santos enxerga além e destaca também a importância da legalização para a sociedade como um todo. "Pagando o imposto, eu estou contribuindo, por exemplo, para todos terem médicos nos hospitais e polícia fazendo a nossa segurança", conclui.

"Agora, que tenho acesso a crédito, quero montar uma loja na rua, com quatro funcionários", diz ele. "Vou abrir em menos de um ano, e vai se chamar Coiffeur Julios Popular", afirma.

De bar a posto bancário
Quando Márcio de Oliveira Muniz montou um "barzinho", como ele mesmo diz, em 2003, de não mais do que 12 metros quadrados, jamais pensou que, quase uma década depois, o comércio dele seria também uma espécie de posto avançado do banco Bradesco no alto do Borel, um dos poucos existentes em favelas cariocas.

Hoje, os clientes do banco podem ir até à Mercearia Emanoel para pagar contas, fazer depósitos, saques e consultar o saldo. "E eu ganho um percentual para cada transação feita", diz Muniz.

A formalização foi o que permitiu que a Mercearia Emanoel se tornasse também um posto bancário. "Tem sete meses que legalizei", conta Muniz. A decisão veio com o apoio dado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). "O Sebrae ajudou muito. O CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) abriu muitas portas", destaca o comerciante. "O preço junto aos fornecedores caiu, e os bancos passaram a me oferecer empréstimos", complementou.

‘O patrão era gente fina, mas, às vezes, eu enchia o saco’
Mas a história de Márcio Muniz como comerciante é bem mais antiga. Começou quando ele era tinha 16 anos, e trabalhava em uma loja de sapatos em Laranjeiras, na Zona Sul da cidade. "Eu acordava muito cedo todo dia. Às vezes, tinha que descer todo esse morro debaixo de chuva, e chegava todo molhado na loja", recorda. Além da insatisfação com a distância, ser empregado também o desagradava. "O patrão era até gente fina, um italiano. Mas, às vezes, eu enchia o saco. Fiquei saturado", conta Muniz. Foi a sentença para ele deixar de ser funcionário e se tornar dono do próprio nariz.

"Fiquei com um medo do caramba no começo, mas deu certo", recorda Muniz. Em 2003, ele pegou R$ 10 mil do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e montou o pequeno bar: "Comprei um freezer apenas." Os negócios prosperaram e, em junho de 2010, ele comprou uma loja em frente ao botequim e montou o que hoje é a maior mercearia do alto do Borel. "Eu abri dois dias depois da chegada da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora)", lembra.

Desinformação adia formalização
Com ajuda de dois funcionários, um de dia e outro à noite, Muniz, aos 36 anos, se diz satisfeito com o negócio. O movimento, segundo ele, vai das 6h até meia-noite. "Mas às sextas-feiras e sábados, eu abro até mais tarde. Fica cheio a noite toda. O pessoal gosta da madrugada", destaca, sorrindo.

Mas por que a formalização veio só sete anos depois de Muniz se tornar empreendedor? "Ninguém dava oportunidade. Outros comerciantes me falavam que era muito caro e ninguém era legalizado. Então, não me interessei também", conta. A desinformação é uma das principais causas da alta taxa de informalidade registrada em favelas cariocas, de acordo com o diretor de Desenvolvimento Econômico Estratégico do Instituto Pereira Passos (IPP), Mário Borghini, coordenador do programa Empresa Bacana.

"Mas legalizar foi a melhor coisa do mundo. Tudo fica mais fácil com um CNPJ", enfatiza Muniz, que está inscrito no Simples. Ele revela os planos para o futuro: "Este ano, se Deus quiser, vou comprar um forno para fazer meu próprio pão. Hoje, tenho que encomendar em uma padaria lá do Andaraí."

De açougueiro a dono de pet shop
Logo após a primeira curva da Estrada da Independência, a principal via do Borel, no começo da subida, o letreiro Pet Shop Show se destaca, bem como o interior da loja, bem organizado, com diversos produtos para animais distribuídos em pequenas prateleiras. O dono, Edmílson Nascimento de Almeida, de 38 anos, já trabalhou em açougue, como vendedor de loja de tintas e de roupas, e como camelô. "Eu nem cheguei até a 4ª série, mas sei desenrolar", gaba-se ele. "Então, um amigo me ensinou a tosar e dar banho em cachorros. Eu ganhava R$ 150 por mês para ajudá-lo", recorda.

Em 2008, Almeida foi convidado para trabalhar em uma clínica veterinária, onde passou a ganhar R$ 1,3 mil para ajudar a cuidar dos bichos. A partir daí, a veia empreendedora pulsou mais forte: "Desde o começo eu tinha o pensamento de abrir uma pet shop. Durante o tempo que trabalhei na clínica, fui comprando o material aos poucos." Em fevereiro de 2010, concretizou o sonho.

Hoje, Almeida cuida de uma média de seis cães, de segunda a sexta-feira. "Mas aos sábados e domingos, são cerca de 20 cachorros por dia", ressalta ele, que cobra R$ 30 pela tosa e banho e R$ 18 só o banho. "Em Copacabana, cobram até R$ 55 o serviço completo. Na Tijuca, sai por R$ 40", compara.

‘Legalização não era cara, mas ninguém pagava’
A legalização, a princípio, foi vista com maus olhos. "Eu fugia do imposto. Não era caro, mas ninguém pagava. Eu fui na onda", conta Almeida. Mas, em julho de 2010, com a ajuda do Sebrae, ele formalizou a loja. "Eu fui atrás de informação. Agora, eu uso meu CNPJ para pagar a prazo e ter acesso a crédito", conta ele.

"Nos próximos dois meses, quero instalar uma vitrine na entrada onde o pessoal possa nos ver cuidados dos cachorros", planeja Almeida. "Tudo no morro é desafio. Quem está na carrocinha de doces quer crescer. E é isso o que eu quero também", finaliza.

Fonte: g1
 
Por:  Wellyngton Menezes Brandão    |      Imprimir