Categoria Tragédia  Noticia Atualizada em 16-09-2008

UOL testemunha cenário de conflito em bloqueio de estrada
Familiares recebem no aeroporto de El Alto os corpos dos mortos durate confronto entre governo e oposição em Pando, na Bolívia.
UOL testemunha cenário de conflito em bloqueio de estrada
Foto: Gonzalo Jallasi/ABI

Rodrigo Bertolotto
Enviado especial do UOL
Em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia)

A estrada está repleta de monte de areia, pedra e troncos de árvores. Os camponeses com paus e facões na mão e um arsenal de pedras facilmente ao alcance. Esse era cenário no quilômetro 50 entre Santa Cruz de La Sierra e Cochabamba, em um dos 25 bloqueios políticos que estrangulam o país em crise política, causando fila de caminhões, desabastecimento de alimentos e a impossibilidade de ir de uma cidade a outra.

"Se precisarmos, temos outros armamentos preparados para defender nosso presidente e a unidade nacional", proclama o líder camponês Joel Guarach, cercado por mais 500 agricultores de prontidão para defender o local, até de noite com fogueiras para aquecer.

Em contraplano, passei antes pelo no centro de Santa Cruz onde um grupo de jovens de classe média, descendo de suas picaques, anunciava para a imprensa que irão desbloquear o caminho nas horas seguintes, juntando um grupo de 100 integrantes.

"Nós vamos munidos de democracia, mas eles sim estão com armas distribuídas pelo governo", argumentou David Cejas, presidente da União Juvenil Cruzenhista, grupo que defende a autonomia da região e liderou as invasões de locais públicos nos últimos dias, incluindo confrontos de rua com os partidários. Na verdade, foram com rojões e paus para o confronto.

Horas depois os dois grupos se enfrentaram na estrada com um saldo de 20 feridos, incluindo vários jornalistas - um fotógrafo da publicação "El Deber" foi internado em estado grave. O festival de explosão de rojões e pauladas acabou também em seis reféns feitos pelos campesinos, liberados só no dia seguinte.

A reportagem do UOL esteve no local da guerra campal uma hora antes dela acontecer, ouvindo os agricultures pró-Evo Morales na noite de sábado. A medida que entrava na área rural sumiam as bandeiras alviverdes de Santa Cruz e apareciam o manto tricolor da Bolívia (vermelho, verde e amarelo), marcando a mudança de lado. Foram passando as localidades de La Guardia, San José, Santa Marta, Santa Rita, El Torno e finalmente cheguei a Tiquipaya.

Fui recebido com desconfiança pelos responsáveis pelo ato. "Desligue sua câmera e mostre sua credencial", ordenou o líder Guarach quando me aproximei da "tranca", nome popular do bloqueio de rodovia.

No meio de minha identificação, passa uma equipe de TV alemã e cumprimenta nosso interlocutor. "Só você e eles vieram até aqui ouvir nossa versão dos fatos", disse o agricultor. O temor era que eu fosse do canal Unitel ou jornal "El Mundo", vozes mais ferrenhas dos autonomistas de Santa Cruz - alguns deles acabaram levando pedradas horas depois, afinal, seguiam o comboio dos jovens separatistas.

"Estamos em mais de 500 agricultores aqui e continuamos firmes. Se não houver um acordo, vamos marchar em direção a Santa Cruz com cerca de 10 mil para pressionar", planeja Guarach, que relembra movimentação semelhante em 2005 que mostrou a força política de Evo Morales antes de ele virar o mandatário boliviano. Guarach fala de marcha pacífica, um adjetivo que está bem fora de moda na Bolívia.

No bloqueio no meio do asfalto, um cartaz explica o protesto: "Bloqueio pela unidade de Bolívia pela segurança dos cidadãos e a recuperação das instituições do Estado." Os caminhões estão parados há três dias, e as pessoas passam a pé pelo bloqueio para pegar ônibus do outro lado para seguir viagem.

Algumas cholas, com suas roupas típicas do Altiplano (poncho, saia e chapéu coco), passam com sacolas de mexerica em direção à cidade. Outras carregam fardos de cana-de-açúcar. O idioma franco é o quéchua, língua indígena das montanhas que desceu para a planície junto com a migração das últimas décadas.

No boteco à beira da estrada, ouve-se a música "Chiquitita", clássico do grupo Abba nos anos 70, enquanto galinhas e carneiros não estranham tanto vai-e-vem. Mas animais devem ter corrido como os homens quando os rojões e as pedras voaram no céu boliviano pouco depois em mais uma cena de um país à beira da guerra civil.

A versão autonomista
Os jornais de Santa Cruz de La Sierra "satanizaram" a ação de defesa dos camponeses, falando em emboscada e contando que os autonomistas feridos foram transportados em mototáxi para hospitais da capital.

A mídia local ouviu só um lado, aquele que deu carona para eles até o local. "Eles me deram chutes até que fiquei desacordado", contou o jovem Victor Urquiza. O jornal "El Nuevo Día" escreveu até que os autonomistas capturados pelos agricultores iam ser "queimados vivos" - eles foram liberados no dia seguinte. Na versão da publicação pró-separatistas, os jovens da cidade foram "restabelecer a paz" e encontraram camponeses em "pé de guerra".

UOL testemunha cenário de conflito em bloqueio de estrada que terminou com 20 feridos.

Familiares recebem no aeroporto de El Alto os corpos dos mortos durate confronto entre governo e oposição em Pando, na Bolívia.


 
Por:  Alexandre Costa Pereira    |      Imprimir